Agora só resta a Bolsonaro salvar-se do impeachment

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Depois de dois anos de ameaças e nada de políticas públicas, o governo Bolsonaro passa agora para a fase do salvacionismo contra o impeachment. É provável que sobreviva até 2021, porém, esfarelando-se a cada concertação com o Centrão. Hoje, o homem forte do país se chama Arthur Lira e não mais Jair Bolsonaro, que está agora nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados.

Ou vai tentar espalhar gritos entre seus extremistas messiânicos para também fechar o Congresso assim como fez, desde o início, em relação ao STF? Sem dúvida, analisar a conjuntura no calor das coisas é muito difícil. Mas as labaredas do cotidiano sinalizam, pelo menos, o preto no branco do presidencialismo de coalizão.

Esse preto no branco tem faturas a cumprir. Só por nomear um monte de militares no governo, Bolsonaro achou que podia tudo, no berro e nas vociferações contra a política, a pandemia, a vacina, os comunistas, o PT, a China, a ciência e os fracotes que têm medo dessa “gripezinha”.

Dizem que ele não é burro. Para certas coisas, de fato, o sujeito sabe medir e pesar, como, por exemplo, a disposição daqueles com quem conviveu durante boa parte de sua vida, isto é, como “político”, e não como militar. Porém, ainda assim, vê-se que Haddad tinha razão, após a eleição de 2018, quando disse que o governo seria formado por gente de “quinta categoria”.

Recuso-me a chamar o homem de “ministro das relações exteriores”, uma excrescência, mas a saída de Ernesto Araújo agora, assim como todos os outros que já saíram (e vão sair mais), não reflete nenhum “iluminismo” técnico ou racionalidade de políticas públicas, mas sim o toma-lá-dá-cá desesperado para Bolsonaro ficar na presidência.

Não existe “jogada” ou cálculo maquiavélico de Bolsonaro. Sua permanência no cargo não depende de um gesto visionário e de sabedoria, mas sim da trama conflituosa e do imponderável das conjunturas, a exemplo, dentre outros, da vitória de Biden nos Estados Unidos, das pressões internacionais em relação à Amazônia e dos alertas da Organização Mundial da Saúde sobre o descalabro do Brasil em relação à pandemia.

Em suma, é um governo de gente desqualificada para a política, mais ainda, para o que se entende de políticas públicas. Alguns são aventureiros e gananciosos. Outros, extremamente ignorantes e boçais. Nada mais resta a Bolsonaro, a não ser garantir que Arthur Lira não articule seu impeachment.

Interessante que, como não se trata de valoração do absoluto, nem de esperar por honradez nas barganhas da política, Lira não sinalizaria colocar na mesa o afastamento de Bolsonaro não fosse o abismo a que fomos empurrados pela paralisação da economia há seis anos, bem como pela pandemia e a falta de liderança para um programa nacional de vacinação.

Contra a vontade e a disposição dos políticos sempre há um único limite na via real: o agravamento dos problemas. Chegou-se a aventar o impeachment, não de forma ostensiva, que, aliás, agora sempre estará em primeiro lugar, em cima, na pilha da gaveta de Lira – mas o fato é que, honrados ou não, políticos precisam se reeleger e, para isso, escolher entre colar sua imagem nos problemas ou nas soluções.

Certa literatura sobre políticas públicas dá conta de que políticos não procuram soluções para os problemas, mas sim elegem determinados problemas para os quais acreditam que vão dar conta, a fim de ficar bem na fita. Na verdade, tem um fundo real de sentido nessa premissa, uma vez que ninguém vai prometer resolver o que não consegue, a não ser nas pirotecnias que já cansaram o imaginário do país.

O problema é combinar isso com o adversário, assim como teria apontado Garrincha para o técnico, conforme a lendária anedota, segundo a qual tudo bem, driblamos um, depois outro, vamos até a linha de fundo, cruzamos e o nosso centroavante faz o gol. Está bem, mas já combinaram também com a zaga do outro time?

Esse outro time não era o PT, nem os comunistas, nem a China, muito menos a Venezuela, que ajudou Manaus na fase mais aguda da pandemia no estado. Era o próprio Brasil, com suas contradições, seu desemprego, suas peculiaridades federativas, seus poderes constituídos, os grandes meios de comunicação que o ajudaram a eleger patrocinando o golpe contra Lula em 2018, e que agora precisam desembaraçar esse imbróglio. E, enfim, o próprio desastre de uma economia que patina há seis anos.

Talvez não haja impeachment, mesmo, agora, ou daqui a pouco, diferentemente do que aventei em outro texto – nem nunca. Mas a que preço na trajetória patética do final do atual governo, isso ainda a conferir, porém já sinalizando certa disposição entre os próprios apoiadores desse desastre resultante da eleição de 2018 e seu agravamento agora que só não enxerga quem não quer.

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