SURREALISMO BRASILEIRO – é quase surreal esse artigo de André Roncaglia [“A neoindustrialização ganha força na agenda do governo Lula”, Folha de São Paulo, 25 de maio de 2023].
É um debate sobre industrialização que desconsidera a austeridade vigente, o Novo Teto de Gastos (que amarra o investimento em infraestrutura, ciência e tecnologia etc.), o raquitismo do mercado interno – 30 milhões com fome, 50 milhões no desemprego/informalidade, 70 milhões endividados etc. -, ausência de qualquer sinal de construção de um poderoso sistema nacional de ciência e tecnologia, desnacionalização de cadeias produtivas estratégicas e a própria IMPOSSIBILIDADE de planejamento com o Novo Teto de Gastos (não é realista estimular metas de crescimento contínuo do financiamento em ciência e tecnologia com esse teto, por exemplo).
E não tem nenhuma reflexão sobre os conflitos políticos/geopolíticos no tema.
Basicamente, é uma repetição do artigo ruim de Lula e Alckmin sobre “neoindustrialização”. Uma espécie de ASCOM do discurso oficial do Governo.
Usando a famosa frase de um pensador: o keynesianismo no Brasil é um “lamentável mal-entendido”.
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O Governo Lula I e II fez políticas industriais importantes e muito bem construídas. Não é exagero dizer, por exemplo, que o Governo Lula salvou a indústria naval brasileira, destruída por Fernando Henrique Cardoso e a instalação do neoliberalismo. Agora vamos pensar além.
Essas políticas industriais alteraram o papel do Brasil na divisão internacional do trabalho, superaram a dependência e provocaram um processo de reindustrialização? A resposta é não, não e não. E o motivo é simples. Bem fácil de entender.
Política industrial e processo de industrialização são coisas diferentes. É possível, num regime neoliberal dependente, fazer políticas industriais exitosas, sem mudar em nada a dinâmica estrutural do sistema – comandado pelo imperialismo, renda da terra e financeirização.
Todo economista que não é um neoliberal imbecil sabe disso. O que acontece no Brasil é por interesse político eleitoral imediato, a falsificação teórica pura e simples. Então toda política industrial é tratada como o início de um tão esperado processo de reindustrialização.
É como o religioso que vê em todo acontecimento o sinal da volta de Jesus – uma pandemia, a queda de um avião, a morte de um famoso etc. No final, nos próximos processos eleitorais, estaremos debatendo as mesmas coisas, com as mesmas promessas e os mesmos discursos.
É um discurso pró industrialização e complexidade produtiva que finge ser possível fazer isso sem coisas básicas, como o financiamento robusto, crescente e permanente de ciência e tecnologia.
Deus está voltando. A indústria está chegando. Amém!