100 anos de Brizola: A Pedagogia Brizoliana da Exemplaridade

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Por Teodoro Buarque de Hollanda – Hoje se comemora o nascimento do Brizola, que veio ao mundo em 1922. Não é mais um aniversário como tantos outros. Temos o Centenário do velho Briza e o bicentenário do próprio Brasil. A bem da verdade o ano de 1922 foi um ano de múltiplos acontecimentos relevantes para o que viria anos depois e para o havido. E foi também no caso do trabalhismo histórico o ano do nascimento do Darcy Ribeiro, em Montes Claros, o mesmo ano de nascimento do Brizola.

Digamos então que o Brizola foi um abre alas do trabalhismo histórico, um mestre da superação de contextos desafiantes. Em vários estados, aliás. Temos todos que ter muita reverência pela figura humana, engenhosa e humanizadora que ele encarnou como homem público. Ininterruptamente, aliás… Sem descansos indevidos ou descaminhos. Erros aqui e ali, certamente que sim. Foi um político de grandes causas. Abraçou o Brasil de cabo a rabo com sua visão de mundo aberto ao inusitado.

Descobri em parte isso aí numa manhã de um sábado ensolarado do ano 1 do Governo Brizola. Ensolarado como e o dia de hoje. Havia então uma espécie de sessão inaugural, sem maiores pompas ou mesuras aqui na capital. Começava na ocasião o 1º Governo Brizola. O evento transcorria ali no auditório da SECPLAN – Secretaria de Planejamento. Essa ficava no anexo do Palácio Guanabara, onde eu me desempenhava na Subsecretaria de Planejamento e Controle. Um local bonito e bem aparelhado.

Na ocasião, Brizola já era governador do Rio. Sucedia a seu modo ao velho Chagas Freitas. Brizola palestrava para os presentes com sua linguagem singular e as portas estavam abertas. O público era composto de pouco mais que uma centena de vereadores recentemente eleitos na onda brizoliana.

Vereadores do nascente PDT, do interior do estado. E de quebra alguns aderentes de outras siglas. Todos esses senhores vereadores, recentemente eleitos e empossados como parlamentares, em suas respectivas cidades. Parcos recursos na ocasião e muita ansiedade no ar era o clima geral no qual nos inseríamos.

Brizola disse-lhes então abertamente que se quisessem avançar e progredir politicamente deveriam passar ao largo do armarinho de miudezas, do medíocre dia a dia da vida parlamentar como esta se processava via de regra. E que tivessem eles cautelas com o peditório incessante, o exame dos pequenos e grandes favores a eles trazidos, os pedidos de nomeações e as providências “inadiáveis” para isso ou para aquilo.

Não que fossem indiferentes a cada um desses pleitos. Mas que estivessem vacinados até poderem aprender a lidar com a cultura disseminada do favor e do jeitinho. Sugeria-lhes vivamente que delimitassem causas nobres. Causas que seriam pontos de partida para cada um dos presentes. E que delas procurassem cuidar e não se afastar ao longo do exercício das funções para as quais todos – e ele próprio – haviam sido designados. “Estamos todos nivelados!”.

Caso contrário seriam eles – os senhores vereadores – com toda certeza tragados pelo processo social que recém começava a ter lugar nos 64 municípios fluminenses. A médio prazo não teriam sucesso, caso optassem pelo caminho convencional, vaticinou o Brizola.

Assisti aquilo ali como uma espécie de peixe fora d’água, pois o Governo do Brizola apenas engatinhava e eu não era sequer um vereador. Tão somente um ocupante de função de confiança. A bem da verdade o fato é que nós todos não o conhecíamos tão bem assim, o estilo gestor do Brizola. Ele, na pilotagem do governo de um estado que pouco conhecia ao detalhe, até mesmo por ser um retornado de anos de desterro. Mais de perto, o Rio de Janeiro era toda uma interrogação. A própria vitória eleitoral havia sido uma prova cabal de que o improvável pode acontecer.

Mas como seríamos nós todos como formadores de equipes no interior do governo? Como proceder num contexto tão desafiador, como agir frente a tantos desacertos políticos e administrativos encontrados???

Esse encontro, que chamo de seminal, foi tão somente um fruto amadurecido do acaso, pois eu mesmo que ali me encontrava já ocupava um lugar estratégico no interior governo do estado. Ali me situei, quase que incógnito, curioso e observador das recomendações explícitas do já então experiente Brizola. Eu era um intrujão ou quase isso aí…

Terminada a reunião, eu me despedi de alguns, subi para o sexto andar para trabalhar. E fiquei com aquele pensamento zumbindo na minha cabeça anos a fio. Aquilo ali me norteia até hoje como legado. Levo o ensinamento brizoliano para o resto da minha trajetória como ser político. Saber selecionar e abraçar causas que se apresentem a meu alcance. Digamos que Brizola me/nos moldou a todos por conta do exemplo.

O trabalhismo é pra mim o campo da inovação em meio a uma tradição que tende a ser atualizada e revista. Darcy, um adepto do socialismo moreno, dizia que o Rio era novidadeiro. Foi ele o maior Secretário de Cultura que já tivemos no Brasil. Celebremos então a pedagogia brizoliana da exemplaridade.

Por Teodoro Buarque de Hollanda, sociólogo e ex-secretário de planejamento do governo Brizola.