Teto dos Gastos Públicos: Keynesianismo com Freio de Mão Puxado

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Teto dos Gastos Públicos: Keynesianismo com Freio de Mão Puxado

Por Christian Velloso Kuhn

Desde a implantação do Teto dos Gastos Públicos (TGP) em 2017, o Brasil institucionalizou a austeridade fiscal como um dos pilares e princípios norteadores da sua política econômica. Até durante a pandemia de COVID-19, o tema da responsabilidade fiscal era constantemente trazido à tona, como em um webinário organizado em parceria entre o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, realizado em 27/04/2021.

Em situações de calamidade pública, como no decorrer da pandemia, ou mesmo no caso recente das enchentes do RS, é papel do Estado usar o máximo necessário de seus recursos e instrumentos para reduzir o tempo de recuperação da economia retornar ao estado anterior à instauração de uma crise recessiva. Porém, não é o que vem ocorrendo no Brasil na última década. Com a recessão econômica de 2014-2016, o Brasil levou longos oito anos para retomar o patamar que se encontrava antes da crise. É claro que a queda do PIB em 2020, com o advento da pandemia, influenciou nessa lenta retomada, mas ainda assim, trata-se da mais morosa recuperação de todas as recessões que o país enfrentou desde o pós-guerra.

Se contarmos o crescimento populacional do período, verificaremos uma perda do nível de renda per capita dos brasileiros nos últimos 10 anos, sem qualquer sinalização por parte do governo federal de trazer ao patamar em que se encontrava em 2014. Isso porque, ao invés de uso de políticas anticíclicas de gastos públicos, como bem apregoava Keynes e todos os seus seguidores, o Brasil preferiu optar seja por um mecanismo de contenção dos gastos bastante restritivo (TGP), com atualização monetária anual, repondo a inflação do período, seja atualmente pelo Novo Arcabouço Fiscal (NAF), que se pelo menos é menos austero que o TGP, por outro lado ainda impõe fortes limitações, mesmo em conjunturas recessivas e calamitosas.

O caso do estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, é notório. Todas as instâncias de governo sofrem sérios entraves para o crescimento do gasto público compatível com o nível de tragédia e destruição que assolou 90% dos municípios do estado. Além das centenas de mortos e desaparecidos, ficaram desalojados e desabrigados cerca de dezenas de milhares de gaúchos. As perdas materiais são bilionárias, seja pela redução de faturamento e arrecadação das empresas e do próprio governo estadual, seja pela perda patrimonial de pessoas físicas e jurídicas, seja pela infraestrutura e logística comprometida. Não somente a renda, mas a riqueza do estado está seriamente deteriorada. Muitas empresas fecharam e muitos perderam e perderão seus empregos. E essa recuperação não se dará tão somente com doações, auxílios e crédito a indivíduos e negócios. O Estado precisará atuar fortemente, e por um bom período, até que essa crise possa ser solucionada, com investimentos em capital fixo e despesas operacionais.

Todavia, o problema são as amarras provocadas pelo austericismo de nossa política fiscal. Não há como uma política anticíclica keynesiana botar o “motor” da economia a funcionar com o “freio de mão puxado”. Obviamente, não se quer aqui defender aquilo que o professor José Oreiro chama de “keynesianismo vulgar”, isto é, de que seja necessário incorrer em “déficits crônicos e crescentes” para a garantia da economia em pleno emprego. Em nenhuma página da Teoria Geral de Keynes se verificará qualquer encorajamento dos policy markers serem perdulários, desperdiçando recursos públicos nos momentos de crise econômica. Contudo, ainda que o NAF possa ter flexibilizado a política fiscal em relação ao TGP, a austeridade fiscal segue norteando o Estado brasileiro e restringindo o desenvolvimento socioeconômico do país, inclusive em calamidades públicas, com parcas válvulas de escape das regras rigorosas desse arcabouço fiscal. Isso fica evidente quando vemos o atual ministro da Fazenda aventando a possibilidade de revisar os pisos constitucionais da educação e saúde e pregando um “ritmo mais intenso” de cortes de gastos em virtude das pressões do mercado, medidas mais aderentes ao viés ideológico do governo anterior.

Assim, clama-se para que o governo federal reconsidere a adoção de ações restritivas no campo fiscal, e abandone a austeridade como mola mestra de sua política econômica, direcionando o Estado brasileiro a serviço do desenvolvimento econômico e social. Ao mesmo tempo, requer-se que contemple propostas efetivas de justiça tributária, com a tributação dos mais ricos, como o presidente Lula apregoou em seu discurso na conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nessa quinta-feira (13/06/2024). Falta o presidente praticar aqui no país o que discursa em outros países.

Christian Velloso Kuhn é Doutor em Economia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.