Stalinismo e a mania de substituir posições políticas concretas por abstrações

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Por Diogo Fagundes – Eu acho, dependendo do humor, tanto engraçado quanto irritante esta mania de substituir o debate das posições políticas concretas por considerações abstratas sobre ideologias ou mesmo iconografia.

Peguemos o Chile da Frente Popular, como exemplo. A partir de uma visão genérica e apressada, quem não conhece direito este processo histórico pode imaginar que os comunistas eram a força mais de esquerda dentro da coalizão.
Mas não! Os social-democratas do partido de Allende tinham posições menos legalistas e institucionalistas que o PC chileno. O balanço oficial do comunismo chileno após o golpe, inclusive, destacava que houve excesso de aventureirismo na experiência, o que atiçou os golpistas.

Aqui no Brasil, há uma longa tradição do comunismo ter posições pró-alianças, inclusive com setores burgueses. O PCdoB no auge da sua ligação com a Albânia, a pátria da defesa do stalinismo no mundo, estava defendendo o que no Brasil? Tomada violenta do poder e gulag para os opositores? Não, estava fazendo campanha para o Moreira Franco — sim, aquele do Temer — no RJ e denunciando o PT social-democrata como esquerdista e purista, por não fazer alianças políticas e ter um programa muito radical.

A organização mais stalinista do Brasil foi o MR-8. O seu dirigente máximo, Claudio Campos, faria um Jones Manoel parecer um revisionista merecedor de passagem só de ida para a Sibéria. Não era aquela coisa de “é complexo”, “veja bem”, não. Era defesa dos Processos de Moscou na íntegra, pra valer. Bukharin, Zinoviev, Kamenev, Trotsky eram espiões nazistas e mereceram.

Então eles eram perigosos para a democracia brasileira, né? Nada. Eram os maiores defensores do PMDB, partido do qual eram tendência interna até pouco tempo atrás. Tinham como grande referência política o… Orestes Quércia!
Pensemos no PCB no auge do prestígio e hegemonia do Stalin no movimento comunista mundial, nos anos 40. Sua política consistia em União Nacional, defesa da Constituição, alianças amplas com todas as forças democráticas e defesa do governo… Dutra!

Na Argentina, o Partido Comunista, talvez o mais ligado à URSS de toda a América Latina, lutava contra o peronismo, junto com oligarcas rurais liberais, em nome da democracia. A ala esquerda do peronismo argentino sempre foi uma força muito mais ameaçadora e “perigosa”, vide os Montoneros.

Mas isto ocorre com outras tradições políticas também. Por exemplo: o Lula sempre teve em seu círculo mais próximo alguns trotskistas, que nunca abdicaram deste legado (Gushiken, Clara Ant). Estas pessoas defendiam geralmente as posições mais moderadas do PT, ao contrário do que uma avaliação puramente “ideológica” poderia fazer crer.

Então, vamos parar com esta conversa despolitizada de “olha, só, ele falou algo bom do Stalin, ele defende matar você porque discorda dele!”. É tão idiota quanto imaginar que o PDT é um partido radicalmente contra a ordem democrática brasileira porque defende o legado do Vargas, muito do qual foi realizado sob período de ditadura.

Discutam posições políticas concretas, porra!

Isto vale tanto para jovens que acreditam que basta colocar uma foto de um Guarda Vermelho e um nome chinês no facebook para serem “revolucionários” quanto para um Pablo Ortellado da vida em luta contra moinhos de ventos. (Aliás, ele, da tradição “libertária” do anarquismo, tão cioso do anti-autoritarismo e do respeito à dissidência, já ouviu falar sobre o que seus parceiros ideológicos faziam com alguns padres e freiras na Guerra Civil Espanhola? Queimavam igrejas e fuzilavam padres e freiras. Por isso vou falar que ele defende estas posturas no Brasil atual e morrer de medo dele? E mesmo assim nunca vi “cancelarem” a Espanha republicana anti-franquista, é até algo cool e bonito de ser lembrado).

PS: Trotskistas brasileiros deveriam ler “Em defesa do marxismo” do velho Trotsky. Há uma polêmica interessante contra setores “stalinofóbicos” do SWP, a seção norte-americana da IV Internacional — leiam sobre a história de um certo Max Shachtman–, que vale a pena conhecer para evitar certos comportamentos que só podem ser qualificados como politicamente rebaixados. Trotsky era muito mais do que um democrata-liberal, vocês estragam a memória dele mais do que qualquer stalinista fervoroso por aí.

Por Diogo Fagundes

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