A soberania da Ucrânia e a multipolaridade mundial

A soberania da Ucrânia e a multipolaridade mundial
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Por André Luiz dos Reis – Muito se tem falado ultimamente da ‘soberania da Ucrânia‘. Mas o fato é que não há real soberania em mundo unipolar, como as intervenções norte-americanas nos últimos trinta anos demonstraram muito bem.

Da África ao Báltico, do Leste Europeu ao Cáucaso, da Ásia Central ao Oriente Médio, para não falar da América Latina, Washington fez questão de demonstrar que toda soberania era relativa.

O instrumento de ”direito de intervir” e de ”intervenção humanitária”, brandidos pela ONU, são marcos que contradizem a própria carta de fundação das Nações Unidas.

Se não há soberania real em um mundo unipolar, ela pode existir em um mundo multipolar? Em que condições ela existiria?

Esta deveria ser a discussão real.

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Como a mídia brazuca se tornou fonte sem fim de desinformação, as pessoas se tornam céticas quando se deparam com análises que levam a sério o objetivo de Putin de ”desnazificar a Ucrânia”.

Perguntam, ‘como pode existir nazismo na Ucrânia se o presidente é judeu?’

A ingenuidade por trás desta questão é assombrosa.

O ultra-nacionalismo xenófobo — característica mais fundamental do fascismo — que chegou ao poder em Kiev com o Euromaidan, revolta apoiada pelos EUA, incluía movimentos e milícias paramilitares de estética neonazi, que só se fortaleceram com a posterior Guerra no Donbass.

O neonazismo ucraniano tem origem na invasão hitlerista à URSS, e seu conteúdo é principalmente anti-russo.

As décadas de propaganda sionista esconderam que a ideologia racista hitlerista era fortemente anti-eslava também, e que preconizava uma limpeza étnica no leste da Europa.

Esse fascismo anti-russo é esposado pelos novos governantes de Kiev, que dão suporte à ação paramilitar e de propaganda cultural do Batalhão Azov, C14, Pravy Sektor etc.

Embora esses movimentos não ”governem”, são elementos fundamentais do projeto ultranacionalista em andamento. Alguns deles são milícias com participação na guarda nacional do país, e usados também pra dissuadir as Forças Armadas ucranianas.

O plano é consolidar um Estado cujo conteúdo é a negação de seu legado cultural russo [religião, língua, etnia, alfabeto etc.] em prol de um indo-europeísmo racialista.

Putin está falando a verdade quando diz que um de seus objetivos é de fato ”desnazificar” a Ucrânia.

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As análises de que a ”demora” por vencer a Ucrânia demonstra alguma fragilidade russa é nonsense. Qualquer especialista militar pode esclarecer que os russos não fizeram uso da totalidade de seu poder, e por questões politicas e humanitárias se recusaram a usar plenamente a Força Aérea.

Pelo contrário, para um país territorialmente amplo, populoso, e que se armava ferrenhamente nos últimos oito anos, a Ucrânia periga cair de modo muito rápido, principalmente quando comparado aos esforços proporcionais empreendidos pelas Armas russas.

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Pouco a pouco, os analistas da mídia Ocidental vão caindo na real. Os russos não usam a Força Aérea porque não querem. E não terminaram o conflito em dois dias, conquistando Kiev imediatamente, porque não lhes interessava. As forças russas estão ampliando as fronteiras independentes do Donbass, ligando-as a Crimeia, que até então estava isolada, e a toda costa do sul da Ucrânia, no Mar Negro. Putin está desenhando o território de um novo Estado.

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A Polônia se recusou a ser usada de passagem para armas de países da OTAN enviadas à Ucrânia. Postura correta, já que é relativamente simples para a Rússia evitar que o equipamento chegue em mãos ucranianas. Mas ao evitar, se arrisca a atacar um país da OTAN e ampliar o conflito.

No fim, foi uma jogada diplomática da União Europeia, uma sinalização, mas aparentemente sem intenção de ser concretizada para além do discurso. Tem, na verdade, um conteúdo oposto ao aparente: É forma de apontar para Putin que a guerra tem de parar na Ucrânia, sem ser levada para Moldávia ou outros territórios.

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Diferente do que a grande mídia brasileira tenta passar, a intervenção diplomática da China foi favorável à Rússia. Pequim se recusou a criticar a ação de Putin mesmo reconhecendo a soberania ucraniana. Pediu que Kiev estivesse aberta a negociações. E bateu forte nas sanções que estariam sendo aplicadas ”unilateralmente” por Washington.

A China está posando de mediadora do conflito. Enquanto todos os lados saem desgastados, ela se fortalece no âmbito internacional. Este cenário também impulsiona a multipolaridade.

Por André Luiz dos Reis