Ainda sobre Rodrigo Maia e a eleição na Câmara

Rodrigo Maia
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Como tratamos em outro texto, não devemos fetichizar a política de gabinete substituindo a construção de base e nem idealizar a política de ruas, imaginando que sem espaços de poder na superestrutura capitalista organizaremos a classe trabalhadora. Trata-se de uma falsa oposição. Se olharmos a história recente do Brasil, veremos que o bolsonarismo, que é um fenômeno com características populistas, cresceu por uma sinergia entre a política institucional e a construção de uma sólida base, vide a projeção alcançada por figuras como Kim Kataguiri que souberam aliar a composição no Congresso com as manifestações pelo impeachment. Lógico que na sociedade burguesa tudo milita a favor do campo reacionário-liberal: manifestações de massa catalisadas pela “aliança do coliseu” da mídia com setores corporativos, estranhas evidências de manipulação por aparelhos imperialistas de inteligência, submissão das FFAA aos EUA na hegemonia atlantista, uso de novas tecnologias de comunicação com fortes imbricações no complexo industrial-militar estadunidense (Alphabet, dona do Google, com fortes ligações com o Pentágono); enfim, a lista longa. Mas isso só reforça que hegemonia é força e convencimento. As vitórias no Congresso galvanizam a base e a base galvaniza as vitórias no Congresso. Ignorar a reciprocidade dessa unidade de opostos que se reforçam mutuamente justamente por meio de sua assimetria é se prender em um tosco imediatismo.

Portanto, admitida a importância da política institucional, temos que reconhecer o campo onde nosso exército marchará: quais são as características do relevo, os morros com valor estratégico, os bosques onde podemos ocultar nossas tropas para emboscada, etc. O Congresso Nacional possui uma estrutura interna mais ou menos complexa, formada por duas Mesas Diretoras (uma do Senado e outra da Câmara), cada uma com um certo número de vagas, Comissões com diferentes valores estratégicos  (das quais devo destacar a CCJ). É central ocupar estes espaços, pois é neles que se processará o grosso da política nacional institucional pelos próximos dois anos. Todo projeto de lei passa pela CCJ, a Comissão de Orçamento será central nas disputas pela LDO, e etc. Durante o segundo governo da Dilma, abundaram as tais “pautas bombas”, cuja aprovação no Plenário só foi possível justamente porque o governo havia perdido o controle destas Comissões.

A eleição do presidente da Câmara não é um terceiro turno. Não se trata de subscrever tal ou tal programa de governo. Óbvio que Rodrigo Maia é um neoliberal entreguista lesa-pátria. Mas apoiá-lo não é dar suporte ao seu projeto antinacionalista, muito pelo contrário. É força-lo a conceder ao campo nacional-popular as posições de valor estratégico que poderemos empregar para resistir ao avanço imperialista e a organizar os trabalhadores por meio dessa resistência. Essa é factualmente como funciona lógica no Congresso, por meio de lealdades recíprocas e composições ad hoc. Sacrificar o centro significa capitulação total. Um exército toma uma fortaleza quando captura a torre de menagem, o seu centro arquitetônico e militar.

Os virulentos ataques da blogosfera petista ao campo nacional-popular por sua declaração de apoio a Rodrigo Maia não são mera coincidência. O PT fez um cálculo em 2018: sacrificou o país para manter sua forte presença parlamentar e agora luta para manter sua hegemonia sobre a oposição. As movimentações da bancada petista no sentido de não apoiar Maia fazem parte dessa estratégia do partido, que busca valorizar seu “passe”, quer dizer, extrair ainda mais concessões do atual presidente da Câmara. Isso é possível dado o tamanho de sua bancada, mantida graças ao sacrifício imposto ao Brasil. Contudo, não se enganem. É um duplo movimento que visa a manutenção de sua hegemonia e, dado todo o sentido de atuação do partido nos últimos anos, é totalmente racional. De um lado, diz não compor com o “candidato do Bolsonaro” por meio de seus aparelhos de comunicação. De outro, articula a disputa por aquelas posições com valor estratégico dentro da Câmara. Isso reforça as posições consolidadas dos sindicatos sudestecêntricos do PT. Vemos como a política em Brasília reforça a base e a base reforça a “superestrutura”, mas agora no sentido da manutenção da hegemonia da esquerda liberal; a mesma que manteve o tripé macroeconômico de FHC, aprofundando a desindustrialização, e colaborou para a eleição do Bolsonaro ao atacar uma candidatura mais viável e mais radical, a de Ciro Gomes.

De modo análogo, o apoio a Rodrigo Maia pelo PSL não veio sem custos. Sua base, fortemente ideologizada, não aceita bem o “toma-lá-dá-cá” que é um conceito criado para criminalizar a política. Iniciantes, muitos candidatos ligados ao bolsonarismo como Kim Kataguiri, inebriados pelos vultuosos resultados eleitorais, tentaram se lançar candidatos à presidência da Câmara, em parte como estratégia comunicativa, em parte por burrice mesmo. Mas Bolsonaro tem mais de 20 anos de experiência parlamentar e o próprio chuveiro Lorenzoni, apesar das batidas de cabeça, não é dos piores articuladores. A experiência traumática de Cunha foi um grande ensinamento para todos, que não estão dispostos a ver o governo derreter por não possuir os postos chaves dentro do Congresso. A governabilidade de Bolsonaro depende da capacidade de entregar à rapina financeira as privatizações e as reformas antipopulares. A espada de Dâmocles do lavajatismo pende sobre sua cabeça com o caso Queiroz; se pisar fora da linha, vai derreter mais rápido do que açúcar em água quente. É imperativo que controlem o jogo legislativo. Por todas essas razões, os bolsonaristas “seguraram a onda” e compuseram com Maia, sabendo dos custos que terão com sua base. Daí o esforço comunicativo de Damares, decreto de armas e etc, mantendo sua base engajada “no sentido correto”. Uma candidatura como a do Freixo somente reforça isso.

Em conclusão, o campo nacional-popular precisa de uma forte pedagogia estratégica se pretende deixar de interpretar o mundo e passar a transformá-lo. Em tempos de comunicação acelerada, em que o pseudo-empoderamento das redes sociais provoca ruídos que podem ser instrumentalizados pelo inimigo, essa pedagogia ganha ares de urgência. Não podemos nos impressionar com uma suposta “coerência” política cujo custo é em última instância a própria capacidade de atuar na realidade concreta. Não podemos nos prender a um republicanismo ingênuo que vê o Congresso Nacional e as formas da democracia burguesa como realidades imutáveis, inclusive em assuntos delicados como direitos civis e liberdades individuais. Não podemos fetichizar um espontaneísmo das massas que prescinda da política institucional e de sua lógica intrínseca para a organização da classe. Em suma: não podemos confundir aparência com essência, forma com conteúdo.

 

  1. “Mas apoiá-lo não é dar suporte ao seu projeto antinacionalista, muito pelo contrário. É força-lo a conceder ao campo nacional-popular as posições de valor estratégico que poderemos empregar para resistir ao avanço imperialista e a organizar os trabalhadores por meio dessa resistência.”

    Isso seria o mesmo que o apoio e concessão que o PT fez na sua historia recente e falhou. Em nenhum cenário apoiar um lesa-patria, que deu vazão as politicas de temer e agora está aliado ao partido do governo, é bom. Entendo a procura por manobras não ortodoxas, assim como não compactuar com a estratégia do PT de novamente colocar seus interesses a frente do pais, mas esse apoio a maia tampouco é coerente com um nacional desenvolvimentismo brandeado pelo PDT.

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