A revolução cultural contra os trabalhadores

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O tipo social mais subversivo no capitalismo contemporâneo é o trabalhador comum, sindicalizado mas não necessariamente atuante, que goza de relativa estabilidade no emprego, amplos direitos trabalhistas, com casa própria e que nas férias leva a família de carro para passar três semanas na modesta casa de praia que tem ou que aluga.

O modo de vida pacato, regular e confortável desse trabalhador, próprio dos Estados de bem estar social industrializados da segunda metade do século passado (que infelizmente jamais predominou no Brasil e o que tinha está sendo selvagemente devastado), é absolutamente incompatível com a precarização e a insegurança camufladas como flexibilidade e autonomia, impostas pelos poderosos para alimentar a jogatina financeira onde meia dúzia de espertalhões enriquecem apostando o patrimônio público, que materializa o trabalho e os esforços coletivos de gerações inteiras.

Não é surpreendente que os três pilares político-ideológicos da dominação financeira, que são a direita neoconservadora, a esquerda identitária e o ambientalismo hegemônico, convirjam nos ataques ao modo de vida desse tipo social e, portanto, a esse tipo diretamente.

Para os neoconservadores, esse modo de vida significa acomodação e parasitismo, mesmo que houvesse a esperança e a possibilidade real de o trabalhador elevar seu padrão de vida ao longo da carreira e seus filhos, podendo estudar mais e melhor, ascenderem socialmente.

Para os identitários, trata-se de conservadorismo e patriarcalismo, ainda que essas gerações de trabalhadores tenham sido muito menos intolerantes e opressivas sobre suas famílias do que as que as antecederam.

Tais ambientalistas, por sua vez, acusam esse modo de vida de “esgotar” o planeta com hábitos de consumo inveterados, ainda que o planeta seja muito pouco e muito mal ocupado/aproveitado e que a qualidade de vida que esses trabalhadores obtiveram tenha sido bem menos prejudicial à natureza do que a miséria que seus antepassados viviam ou que os povos alheios ao Estado de bem estar social industrializado continuaram a viver.

A revolução cultural que neoconservadores, identitários e ambientalistas hegemônicos levam a cabo visa modelar o desejo e rebaixar as expectativas das pessoas comuns, para que elas vejam a corrosão das suas vidas e das relações sociais como ganho de liberdade e de autorrealização, adestrando-as a celebrarem um capitalismo que, pelo seu próprio funcionamento, torna-se cada vez menos capaz até de mantê-las vivas por muito tempo. A continuar nessa tendência, até o ideal de aposentadoria e de terceira idade, consagrado na etapa anterior do capitalismo, cairá em desuso por falta de gente que chegue nessa idade, ainda mais aposentada e saudável.