Reforma da previdência e regime de capitalização

reforma da previdência regime de capitalização tesouro nacional cesar benjamin
Botão Siga o Disparada no Google News

Leio na coluna de hoje de Alexandre Schwartsman na Folha: “Faz sentido criar um sistema de capitalização complementar ao de repartição, como defendido, por exemplo, na proposta elaborada por Paulo Tafner. No caso, pessoas de renda mais elevada contribuiriam para o novo regime sobre o montante que ultrapassasse o teto do regime de repartição. Note-se que o novo regime, nesse caso, não aumentaria o déficit […] nem o reduziria.”

Desculpe o Alexandre, mas elaborei e publiquei esta proposta em 2016, como se verá abaixo. Não consegui diálogo sobre ela, nem com a esquerda (que me considera muito direitista) nem com conservadores (que me consideram muito esquerdista).

Mas, cuidado: eu defendo que toda a receita do novo regime de capitalização seja direcionada, por lei, aos títulos do Tesouro Nacional. Se não for assim, é picaretagem.

Há uma frase famosa atribuída a Nelson Rockefeller: “O melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo; o segundo melhor é uma empresa de petróleo mal administrada.” A frase é espirituosa, mas não é verdadeira. O melhor negócio do mundo é uma empresa de previdência jovem. Ela só tem receita (e receita assegurada), nenhuma despesa.

Se a atual reforma for feita para abrir esse filão para os bancos privados, será a negociata do século, que NÃO RESOLVERÁ A CRISE FISCAL NO CURTO PRAZO E GERARÁ UMA CRISE MONUMENTAL ADIANTE (como no caso chileno).

Abaixo, o trecho final do meu documento de 2016:

“Vista como um todo, a crise brasileira impõe a busca de uma solução que atenda a três objetivos, cuja compatibilização está longe de ser trivial: (a) manter o caráter distributivo da Seguridade Social, corrigindo distorções; (b) garantir que ela seja sustentável em longo prazo; (c) realizar um ajuste fiscal e retomar o crescimento econômico.

“Parece que estamos diante da quadratura do círculo, o problema insolúvel que atormentou os matemáticos antigos durante alguns séculos. Para buscar uma solução, precisamos sair da mesmice.

“Eis as linhas gerais de uma proposta nova:

“(a) O governo abre mão de usar a Desvinculação das Receitas da União. A Seguridade Social recebe uma injeção de recursos firmes da ordem de 30% do valor de seu orçamento, enquanto o Tesouro Nacional perde quantia equivalente. O governo também revê criteriosamente a política de desonerações tributárias, o que tem um impacto fiscal positivo. Inclui-se o agronegócio entre os contribuintes, de modo a atacar o déficit da previdência rural. Adotam-se outras providências, como a racionalização administrativa e o combate à sonegação. O sentido dessas medidas é colocar a Seguridade em posição claramente superavitária no presente, sob qualquer critério.

“(b) Estabelece-se que a percentagem entre 28% e 31% da folha salarial que hoje é descontada para a Seguridade (entre 8% e 11% dos empregados e 20% dos empregadores) será dividida em duas partes. Uma delas, majoritária, permanecerá no atual regime de repartição e garantirá a sustentabilidade intertemporal do RGPS – junto com as demais fontes de recursos –, de modo que o passivo do sistema seja mantido sob controle. Os trabalhadores receberão suas aposentadorias futuras, no todo (os mais pobres) ou em parte (os remediados ou mais ricos), a partir desse regime.

“(c) A outra parte dos descontos que incidem sobre a folha salarial será transferida para um fundo de capitalização compulsório, com contas individuais. Tendo em vista a necessidade de garantir a segurança de longo prazo aos associados, esse fundo aplicará seus recursos, necessariamente, em títulos do Tesouro Nacional indexados à taxa Selic. Não podendo optar entre diversas aplicações, o fundo não precisa nem deve ser entregue à iniciativa privada. Será um fundo público.

(d) Os títulos do Tesouro passam a receber esse novo fluxo permanente de recursos, em aplicações de longo prazo, garantidas por lei. Isso permitirá uma queda rápida e consistente na taxa de juros e um alongamento do perfil da dívida interna. O Tesouro recupera por essa via os recursos que havia perdido com o fim da Desvinculação dos Recursos da União. A queda das despesas de rolagem da dívida pública contribui decisivamente para o ajuste fiscal.

“(e) A aposentadoria futura dos participantes do sistema passa a ser calculada pela soma de duas partes, ambas situadas dentro do setor público: a participação de cada um no sistema de repartição e a capitalização de sua conta individual. Esta última terá um limite mínimo, definido em lei, calculado para cada faixa de renda. Mas cada um poderá aumentar voluntariamente seu recolhimento para essa conta individual, tendo em vista incrementar sua aposentadoria futura. Essas aposentadorias aumentadas não onerarão o sistema, pois resultarão da capitalização de recursos previamente depositados nele. Fica livre a opção por planos privados, conforme a legislação em vigor.

“(f) Extinguem-se gradualmente os RPPSs, eliminando-se abusos e revendo-se os chamados regimes especiais. Os funcionários públicos são incorporados ao RGPS segundo essas novas normas, sendo integrados no regime geral de repartição como os demais trabalhadores, sujeitos às alíquotas de contribuição vigentes e ao teto geral das aposentadorias desse sistema. Porém, como têm salários médios mais altos, suas contribuições destinadas às contas individuais, em regime de capitalização, também serão maiores, de modo a lhes garantir aposentadorias mais bem remuneradas no futuro, pela soma dos dois componentes. Tais aposentadorias, resultantes da capitalização, não onerarão nem o INSS nem o Tesouro.

“Com alíquotas bem calculadas, essa combinação de repartição e capitalização, ambas dentro do setor público, pode garantir a sustentabilidade da Previdência, sem perdas para a esmagadora maioria. Paralelamente, ela cria condições para uma queda consistente na taxa de juros, com impacto positivo no ajuste fiscal e com múltiplos efeitos sistêmicos, igualmente positivos, sobre a economia nacional.

“Realiza-se assim uma reforma robusta, de qualidade nova, capaz de perdurar por muito tempo. Seus custos recairiam sobre os atuais investidores em títulos públicos, que perderiam o ganho fácil que advém das maiores taxas de juros do mundo.”

O texto completo se encontra aqui: “Reforma da Previdência: o Brasil precisa de uma alternativa”

Por Cesar Benjamin