Quem Eduardo Leite representa?

Eduardo Leite

Foto: Itamar Aguiar/ Palácio Piratini

Por Juliana Leme Faleiros – Junho, o mês do orgulho LGBTQIA+, foi razoavelmente ofuscado com a declaração do atual governador do Estado do Rio Grande do Sul a respeito de sua orientação sexual. Em “Conversa com Bial”, transmitido nas madrugadas de segunda à sexta na TV Globo, Eduardo Leite afirmou ao apresentador que escolheu trazer em seu programa um assunto que até o momento estava reservado à esfera privada e para justificar sua atitude, de dizer o que se é, afirma que, neste momento, falta integridade no Brasil. Fazendo um paralelo com Barack Obama, um presidente negro, afirma que é um governador gay – não um gay governador – e, subliminarmente, deixa a mensagem que ele é a pessoa capaz para devolver às brasileiras e aos brasileiros a dignidade perdida desde 2002, com petistas e bolsonaristas no comando do país.

Assumir-se fora do padrão heteronormativo é, de fato, uma atitude que demanda questionamentos subjetivos e enfrentamentos sociais que podem levar a traumas, dores, transtornos na mesma medida em que à realização e à libertação para ser quem se é, como salientado pelo governador. Não se questiona o que significa tal declaração para o indivíduo.

No entanto, um indivíduo que tem declarado o desejo de alçar voos para além de seu estado natal, a sua exposição em rede nacional não é mera libertação individual. Feita tal declaração, seu nome foi levado ao topo dos assuntos do momento nas redes sociais com opiniões das mais diversas e de todas as cores. Agentes públicos que se dizem em campos opostos na política o parabenizaram (!) assim como aquele que habita o mesmo espectro político fez críticas homofóbicas, demonstrando zero surpresa ao ser quem se é.

Mais do que se debater sobre sua vida privada, é necessário lembrar sua orientação na vida pública: filiado ao PSDB desde 2001, construiu, desde o início, uma carreira à direita do espectro político. No processo eleitoral de 2018, declarou apoio ao Jair Bolsonaro afirmando que não aderia às ideias do então candidato. Ora, num processo eleitoral o que se tem é a apresentação do programa de determinada candidatura, são os projetos que determinado partido e/ou coligação desenvolvem para aquele cidadão que postula uma vaga. Se não era às ideias do então candidato, seu apoio era para que e por quê? Vencedor no pleito de 2018 para governador, Eduardo Leite tem assumido ostensivamente uma política neoliberal, nos moldes do atual presidente, com defesa de privatizações, destruição do sistema de ensino público no estado e medidas pouco efetivas de contenção da pandemia.

Importa destacar, ainda, que a propagada originalidade em sua “saída do armário” é construída haja vista que a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, também o é e não precisou de um programa televisivo para declarar sua orientação sexual. O fato de um jovem governador tucano declarar-se gay na maior empresa de comunicação do Brasil – uma das maiores do mundo – mostra muito mais que os golpistas de 2016 continuam vivos do que de fato atenção às questões LGBTQIA+. Nos moldes Joe Biden/Kamala Harris, os golpistas de 2016 encontraram o candidato perfeito para representar o bom senso e a lucidez. Nem esquerda, nem direita; o caminho do meio tão desejado que seja capaz de parar os radicais Bolsonaro e Lula, como se houvesse alguma radicalidade nesse último.
O subterrâneo da política se mexe para sedimentar o golpe fazendo uso não só das vias institucionais como das pautas da esquerda que tem se restringido a demandas específicas – fundamentais, frise-se – porém, desprendidas dos aspectos estruturais são facilmente cooptadas pelo capital.

O fato de a declaração ter sido feita nesse momento de aguda crise política – o atual presidente realmente perde apoio e se mantém sem filiação partidária-, de descontrole da crise sanitária fazendo brasileiras e brasileiros agonizarem em luto e fome bem como ter sido feita na emissora líder, porta voz dos militares e dos golpistas de 2016, deixa a nu o movimento organizado para emergir um candidato modelo, disposto a atender à pauta de destruição das políticas sociais e reduzir os espaços da classe trabalhadora. Um candidato que, a partir de agora, será construído como representante da comunidade LGBTQIA+ e, por isso, com capacidade de silenciar ainda mais a já combalida esquerda que colherá os frutos da ênfase na representação e na compreensão débil de lugar de fala.

Por Juliana Leme Faleiros, mestra em Direito Político e Econômico (MACKENZIE). Especialista em Direito Constitucional (ESDC). Bacharela em Direito (UNIVEM) e Ciência Política (UNINTER). Advogada e professora.

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