Oppenheimer: O Pai de Frankenstein

Oppenheimer O Pai de Frankenstein

O filme Oppenheimer inicia revisitando o mito grego “Prometeu”, de Ésquilo, que era um titã que roubou a técnica do fogo dos deuses para entregá-la à humanidade. Não por acaso, o título da célebre biografia de Oppenheimer, o pai da bomba atômica, que inspirou o filme de Christopher Nolan, é o “Prometeu Americano”.

Uma das personagens do romantismo gótico que incorporou a tentação fatal da razão foi o Dr Victor Frankenstein, um estudante de ciências naturais obcecado em descobrir o mistério da criação humana. Victor encarnou o espírito do tempo: a morte de Deus e o triunfo da técnica. Escrito entre os anos de 1816 e 1817, com o materialismo científico e a revolução industrial em pleno vapor na Europa, “Frankenstein” ou “O Prometeu Moderno”, escrito quando Mary Shelley tinha apenas 19 anos, é uma advertência romântica contra a destruição do mundo pelo atravessamento dos limites humanos em direção a desmedida técnica/científica.

O gótico constituiu a vertente mais sombria do romantismo, enquanto corrente literária e filosófica, que se manifestou nos anos finais do século XVIII e início do século XIX. Os perfis psicológicos do romantismo gótico incorporaram o mal estar da modernidade, e levaram até as últimas consequências o projeto iluminista de soberania da Razão, um tipo de soberba racionalista construtivista, que pretendia tudo saber e tudo resolver. O movimento romântico gótico captou a tentação arrogante do Século das Luzes de ver tudo como produto exclusivo e intencionado do desígnio humano.

A força da técnica parecia libertar os homens das autolimitações que eles próprios se impuseram durante milênios sobre seu domínio da natureza e sobre seu domínio uns dos outros. A Ciência (e a razão) moderna sujeitou-se à pior tentação: destronou Deus e a função de supremo legislador estava vaga, oferta que como a serpente do paraíso edênico envenenou o coração dos homens. Se tornar como Deus foi o convite mais sedutor e tentador ao longo de toda a modernidade.

Assim como na tragédia grega e na advertência profética da literatura romântica, o homem ao tomar o lugar e o poder de Deus produziu o inferno moral na terra: Auschwitz, o Gulag e Hiroshima. O genocídio moderno foi um trabalho de criação/destruição resultado do conluio da modernidade para com esta ambição técnica em direção a um mundo inteiramente planejado e controlado segundo um esquema racional que tudo coage.

A aposta pessimista no futuro do homem moderno dos românticos teve o seu apogeu no século XX. O poder da criação/destruição jamais poderia estar na mão dos homens. Não somos Deuses, apesar da proposta sedutora da serpente no mítico pecado do Éden: “Então a serpente disse à mulher: certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal”. (Gênesis 3:4-5). Deus, antes de tudo, significava um limite ao que o homem pode ousar fazer.

Qual a maldição que une Prometeu, Dr Victor Frankenstein e Dr Oppenheimer? Todos cometeram o pecado da Hubris. Hubris era uma ninfa do olimpo, relacionada a Zeus e Apolo, “que conduzia os homens ao pânico e à ruína. Hubris é o estado maníaco da vertigem de um ego girando sem cessar sobre o próprio centro (…) a Hubris é a cólera incontida do orgulho prometeico e apolíneo”.

Isto é, mais do que um exagero sobre a capacidade humana de conhecer, a ambição racionalista manifesta uma relutância arrogante em aceitar as consequências terríveis da desmedida prometéica.

Por Maria Eduarda Freire

Bibliografia:

Mitos, Sonhos e Religião nas artes, na filosofia e na vida contemporânea. Organização de Joseph Campbell.

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