O que buscar nas pesquisas eleitorais?

Botão Siga o Disparada no Google News

Por Rodrigo Ornelas – Sempre que são divulgadas novas pesquisas de intenção de votos os campos políticos se agitam para mostrar que seu candidato está na frente, ou que está mais favorito do que antes, ou que é aquele que ganha de um outro com maior margem de pontos. Sem entrar numa leitura geral das pesquisas ou de uma especificamente (como bem fez, p. ex., Gustavo Castañon em Datafolha ou todas as outras?), quero neste texto chamar a atenção para dois aspectos importantes e menos alardeados, que devem ser olhados em quaisquer pesquisas que se tenha à mão, em qualquer período. Não que os outros não sejam relevantes, claro. É que eles não devem, sob o risco de nortearem uma leitura superficial e/ou enviesada, ser olhados em detrimento de, pelo menos, esses dois, a saber, (1) a rejeição dos candidatos e (2) a movimentação não detectada de candidaturas alternativas.

O índice de rejeição é tão relevante quanto o índice de intenção de votos, tornando-se às vezes fator ainda mais preponderante. Nas eleições em dois turnos, como no caso da brasileira, o segundo turno é uma eleição negativa, ou seja, nós votamos contra um candidato. O primeiro turno é quando temos nossas opções amplas e abertas. Podemos votar em qualquer um dos muitos candidatos, escolhendo aquele que melhor corresponde às nossas perspectivas políticas e às nossas esperanças. No segundo turno é diferente, porque nós já fizemos a nossa escolha no primeiro e nos caberá agora optar por algum nome que não queríamos espontaneamente, ou defender a vitória daquele para quem já demos o nosso voto no primeiro turno (caso ele passe para o segundo).

Para dar um exemplo, peguemos os três candidatos com melhor desempenho na última eleição presidencial: Bolsonaro, Haddad e Ciro. Se você, eleitor, votou em Ciro no primeiro turno, essa foi a sua escolha de presidente, de modo que no segundo você se orienta pela sua rejeição a um dos dois que passaram para essa etapa. Você votou positivamente em Ciro, rejeitou as outras opções, mas no segundo turno precisará escolher alguém com quem sua relação já foi negativa, votando sempre contra algum candidato (p. ex., votando em Haddad, contra Bolsonaro). Em outro cenário, digamos que você tenha votado em Bolsonaro. Ele passou para o segundo turno, seu voto positivo (escolhendo ele e não outro dos treze possíveis) logrou sucesso e ali, nessa segunda etapa, a sua afirmação não era mais do voto em Bolsonaro, pois você já a havia feito antes, mas de garantir sua vitória contra o outro, nesse caso, Haddad. Mesmo votando em Bolsonaro desde antes, pelo fato mesmo de já tê-lo feito, seu segundo voto indica que dessa vez ele foi mais um voto “contra Haddad” (ou “contra o PT”).

Assim, a taxa de rejeição não deve nunca ser desprezada. Por mais que achemos uma pesquisa ou outra tendenciosa – quando, para ficar em um exemplo, não expõe algum tipo de simulação relevante – um dos pontos que podemos buscar nela são esses índices. Na última pesquisa Datafolha, p. ex., Bolsonaro (54%) e Lula (36%) são os mais rejeitados, seguidos por Dória (30), Huck (29) e Moro (26), que não devem disputar a eleição; e Ciro aparece em seguida (24%). Nesse caso, o cenário se mostra, na verdade, bom para um Ciro Gomes, que (a) figura em 3º nas intenções de voto (empatado tecnicamente com supostas candidaturas que não devem se concretizar – Moro e Huck) e (b) com baixa rejeição, além de (c) estar se consolidando como o único candidato simultaneamente antipetista e antibolsonarista. Indo para o segundo turno com Lula, p. ex. (cenário não testado na pesquisa citada), ele não teria contra si o antibolsonarismo; e indo com Bolsonaro não teria contra si o antipetismo. Algo como um “anti-cirismo” não existe enquanto movimento que ressoe nacionalmente – mantendo-se, talvez, apenas pontualmente entre neoliberais-conservadores atrasados (aqueles que defendem um neoliberalismo à moda dos anos 80, que a crise de 2008 devia ter sepultado), jornalistas magoados (depois de 30 anos lidando com Ciro) e petistas tatuados (para usar um termo de Wilson Gomes), ou ainda naquela porçãozinha de preconceito contra o Nordeste que algumas pessoas cultivam sem confessar.

A eleição de 2018 é um bom exemplo para se mensurar a importância do fator negativo, se admitimos que a eleição de Bolsonaro teve participação decisiva da força do antipetismo. É esquizofrênico achar, ao mesmo tempo, que a eleição estava ganha para Lula (caso não fosse impedido) e que o Brasil elegeu Bolsonaro mais por uma construção contextual do que pelos seus méritos pessoais e políticos. Ou achamos que algo maior do que Bolsonaro foi gestado no Brasil com ajuda fundamental do antipetismo (ou seja, do petismo), uma onda na qual ele soube surfar (e liderar) bem, e o próprio Lula teria chances reais, senão prováveis, de perder a eleição diante disso; ou decidimos que Lula seguramente ganharia a eleição e que boa parte dos votos que foram para Bolsonaro eram votos de Lula – e aí, enfim, ambos não são tão inconciliáveis assim no imaginário geral popular. É verdade que o PT teve um número de votos recorde no Nordeste em 2018, mas foi a sua menor vantagem em relação a um segundo colocado desde 2006, o que significa que Bolsonaro não teve, apesar da derrota na região, uma votação pouco expressiva.

Se esse primeiro ponto se refere mais à situação de segundo turno, o outro aspecto que quero levantar já se refere ao processo desde o primeiro turno. Minha segunda observação é a seguinte: as pesquisas eleitorais podem ser boas para adquirirmos alguma imagem do que possivelmente está estabelecido na mentalidade geral dos eleitores agora (no momento da pesquisa), mas não são boas em indicar alternativas políticas. Pensem em qualquer eleição ganha por uma candidatura considerada alternativa e lembrem como essa “alternativa” aparecia nas pesquisas. Isso porque as pesquisas são mais sobre um presente consolidado pelo passado que o antecede do que sobre um futuro possível. Elas revelam mais o aspecto conservador do eleitor do que o seu caráter progressista.

Mais uma vez, vejamos o caso de 2018, em que Bolsonaro ganhou apresentando-se, inclusive, como alternativa “a tudo isso que está aí”. Em maio de 2017 (ou seja, a 1 ano e 5 meses da eleição de 2018, como estamos agora em relação à de 2022), o Datafolha indicava Lula com 30%, Marina com 16% e Bolsonaro com 14% – Alckmin e Ciro com 6%. No cenário sem Lula a mesma pesquisa indicava Marina em primeiro, com 25%, seguida por Bolsonaro com meros 16%, depois Ciro com 11% e Alckmin com 8%. A pesquisa Data Poder360 do mesmo mês mostrava Lula com 25%, Bolsonaro com 17%, Marina 7%, Ciro com 5% e Alckmin 4%. Apesar dessas projeções de porcentagem para Bolsonaro saltarem, hoje, aos nossos olhos, chamo a atenção, sobretudo, para o modo como Marina era apontada. Marina era a personagem estabelecida na terceira via por seu desempenho nas eleições anteriores e por isso aparecia melhor até do que Bolsonaro em algumas simulações (como Moro ainda aparece relativamente bem agora). O resultado do primeiro turno das eleições, podemos lembrar: Bolsonaro 46,03%, Haddad 29,28%, Ciro 12,47, Alckmin com 4,76… Marina com 1%, em 8º lugar – atrás ainda de Amoedo, Cabo Daciolo e Meirelles, e à frente apenas de Álvaro Dias, Boulos, Vera, Eymael e João Goulart Filho (o número de votos nulos foi superior aos de Marina e Alckmin somados e os de abstenções, 20,33%, mais que os desses dois junto com os de Ciro). Mesmo em agosto de 2018, a 2 meses da eleição, o Datafolha e o Ibope (com números muito próximos) davam 22% a Bolsonaro, 16% (Datafolha) ou 12% (Ibope) a Marina, 10% a Ciro e 4% a Haddad. Mais do que atribuir a vitória de Bolsonaro à facada, temos que nos perguntar pelo que escapa às pesquisas e até, nesse sentido, por que uma facada elegeria alguém no Brasil, superando todas as previsões.

Uma das coisas que devemos fazer, ao ler as pesquisas, é buscar as reações das porcentagens, suas variações e constâncias, diante de eventos do período no qual as pesquisas foram feitas ou relativas a eventos anteriores. Por exemplo: como as porcentagens dos candidatos, sobretudo os que não estão entre os favoritos, se comportaram entre o último Datafolha (ou outra) e aquele feito antes da decisão do STF sobre os direitos políticos de Lula? Esse evento afetou algum candidato? Quais candidatos não foram afetados por ele (ou seja, pela possível presença de Lula)? E como as porcentagens se comportam antes e depois da CPI da Covid? Houve diferença significativa para os candidatos o fato do auxílio emergencial, ou a piora da pandemia? Nesses casos, especialmente para candidatos alternativos, a estabilidade pode ser melhor do que as oscilações atreladas à temperatura política do momento.

As pesquisas não são sobre o futuro, mas sobre o lugar onde a história recente nos trouxe e as relações que guardamos com ela. Quem se utiliza de seus dados para ensaiar um canto de vitória, comemorando antecipadamente números específicos e selecionados, sem levar em conta aspectos menos aparentes (ou menos animadores), apela para a crença na disposição conservadora da população. Despreza a capacidade criativa e renovadora dos eleitores. Esquece-se da vitalidade, do espírito progressista e batalhador da nossa gente – hoje em grande adesão evangélica, p. ex. (sobre os evangélicos como progressistas, ver Evangélicos, identitários e o progressismo brasileiro, de Tiago Medeiros). E não deixemos de lembrar que no “Inferno” de Dante Alighieri (Canto XX) os adivinhos são condenados a passar a eternidade com as cabeças torcidas para trás, como punição por quererem ver demais adiante.

Por: Rodrigo Ornelas.
Doutor em Filosofia. Professor e pesquisador; membro do GT Poética Pragmática (UFBA).