Um navio chamado Brasil

Um navio chamado Brasil
Ilustração: Maringoni.
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Por Fernando Silva Azevedo – Falar que o país está sem rumo, que não temo um comandante e, no limite, dizer que o país está afundando tem sido quase um lugar comum na tragédia dos tempos atuais. Podemos reunir tudo isso em uma só analogia ao comparar um país a um navio. Desse modo, conseguimos de maneira didática lançar um olhar crítico a sua situação. Se considerarmos que o Brasil é um navio, podemos, então, considerar que o bloco de poder que exerce o poder executivo, liderado pelo Presidente da República, é o capitão desse navio. De mesmo modo, a alta burocracia e as carreiras de Estado podem ser comparadas à tripulação da embarcação. As diferentes classes de passageiros são segregadas pelo preço de seus bilhetes. Assim, existem diversos grupos sociais que representam a sociedade civil, cada um com seus interesses. Além disso. no mar em que esse navio se aventura, estrutura político-econômica do Sistema Internacional, há centenas de outras embarcações com diferentes tamanhos, formatos e poder de fogo, cada uma tentando sobreviver e alcançar seu próprio destino.

Um navio precisa de seguir sempre em frente, buscar seu destino além do horizonte, alcançar e sobreviver no oceano. Pois, barco parado no cais, só faz afundar. A história brasileira demonstrou que a construção desse navio foi obra árdua, frágil e incompleta. Porém, não há dúvidas que um navio foi construído, uma embarcação foi posta para navegar. Querendo ou não, há um navio chamado Brasil, e estamos todos nele. Também restam poucas dúvidas que tal navio se encontra em seu pior momento.

Seu Capitão é um lunático, irresponsável e terrivelmente alérgico a qualquer coisa que lembre a labuta. Ele não afundará com o navio, como reza a tradição, ele afundará o navio. Por sua vez, parte expressiva e importante da tripulação parece está pouco preocupada, ou disposta, com a situação do navio em si. Ela cada vez mais foca seus esforços em interesses corporativistas conjunturais completamente desconectados da realidade nacional. Quanto às classes de passageiros, como seria de se imaginar, a situação é distinta de acordo com o tamanho, ou existência, da cabine. A luta dos passageiros com passagens mais baratas, aqueles que não tem cabines e se amontoam como podem para sobreviver, não é bem uma novidade. Os passageiros que tem cabines pequenas, sem vista, desprovidas de luxo real e cheias de mimos artificiais, são orgulhosos de seus ilusórios privilégios estão cada vez mais próximos dos que se amontoam para sobreviver. Por sua vez, os passageiros de cima, os VIP’s ouvem violino e jantares com o capitão do navio, tudo regado a boa comida e risadas vazias e despreocupadas. A confiança desses não está, talvez nunca esteve, nas condições do navio em si, mas nas condições dos botes salva-vidas e na esperança de que outras embarcações venham recolhe-los após o inevitável naufrágio. Naufrágio este que eles ajudaram a provocar. Entretanto, não é difícil de imaginar que não há botes para todos, e com a piora da situação não haverá nem botes para todos os VIP’s.

O nosso navio-país está sendo desmontado, literalmente. Os instrumentos que fazem que a embarcação possa, não só boiar, mas navegar de forma soberana nos mares ou estão sendo vendidos para outros navios ou estão sendo jogados no fundo do oceano. Esse movimento é um verdadeiro suicídio nacional e gera cada vez mais a perda de capacidade de qualquer recuperação. Instrumentos como, motor, hélice, sistema de navegação e, pasmem, até parte do casco, estão sendo vendidos em troca da promessa de aceite em outro navio quando a situação piorar e para financiar os banquetes diários dos VIP’s.

Para piorar a situação de nossa embarcação, as condições do mar não são nada boas. Apelando para a honestidade, elas estão péssimas. Estamos em uma tempestade com ondas cada vez maiores e que só piora. Há quem alerte que essa tempestade possa ter grande probabilidade de se tornar um furacão de categoria 4 ou 5. O que seria ainda mais trágico para um navio em condições cada vez mais frágeis. Como se tudo isso não bastasse, há uma batalha naval preste a ser iniciada por embarcações mais poderosas que a nossa e que transformará o mar em um ambiente ainda mais perigoso.

Dada a tempestade e a situação da embarcação não há possibilidade de retorno ao cais para reparo. Ele deverá ser feito em alto mar mesmo. Será preciso agir para reverter o quadro apocalíptico acima nas condições existentes, por pior que elas sejam. Essa será a missão dessas gerações de passageiro ou tripulante que tenha acordado para a realidade. Como dizia a poesia, “esperar não é saber”. Não estamos em um simples nevoeiro em que se possa “levar o barco devagar”. A ação não pode demorar, pois o nosso navio-país está afundando, e rápido. Ele não tardará a encontrar um novo destino nas profundezas do oceano.

Por Fernando Silva Azevedo, economista, analista de Defesa, mestre em Economia Política Internacional pela UFRJ e membro do Instituto da Brasilidade.