Liberdade ou Segurança: Uma Escolha?

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O “poema do Grande Inquisidor” nos Irmãos Karamázov, de Dostoiévski, pode ser interpretado por uma pletora de perspectivas. O poema conta que Ele resolveu aparecer ao povo, na Espanha, em Sevilha, no tempo da Inquisição, onde queimavam-se seres humanos nas imensas fogueiras em nome da glória de Deus. O pronome pessoal “Ele” na história faz referencia à Jesus que é preso sob as ordens do cardeal grande inquisidor, sem nenhuma objeção do povo que, obedientemente, abre espaço diante dos guardas para que o levem.

Em apertada interpretação do magnífico poema, o grande inquisidor interpela jesus com as três questões que lhe foram anunciadas no deserto pelo “espírito terrível e inteligente, o espírito da autodestruição e do nada” e diz-lhe que Ele desconhece o segredo fundamental da natureza humana, isto é, “prosternar-se diante dos ídolos”, porque “não existe nada mais sedutor para o homem que sua liberdade de consciência, mas tampouco existe nada mais angustiante”.

Nenhuma tirania se instalou no mundo sem recorrer a relação entre meios e fins, ou melhor, a retórica vulgar de que os fins justificam os meios, que nada mais é do que uma política de crimes justificados.

A Inquisição levou a combustão milhares de pessoas em nome da glória divina; O terror revolucionário na França guilhotinou pessoas em nome da liberdade; O nazismo exterminou doze milhões de pessoas em nome da moralidade; A barbárie no stalinismo-soviético se estabeleceu em nome da igualdade; Ou seja, as maiores abominações da humanidade foram cometidas em nome de motivos sublimes.

É por isso, que em uma Democracia, a legalidade é um fim em si mesmo, intransigível e instransponível, para proteger os indivíduos de reclamos messiânicos do “Grande Inquisidor”, ou seja, de todo aquele que se coloca na posição de “melhorador da humanidade”, que se apresenta como Prometeu e termina como César tiranizando as instituições.

Os “heróis” ou “salvadores da pátria” pretendem se substituir ao exercício das liberdades individuais. Jesus, anunciou no reino de submissão a César, um outro reino possível, o reino da liberdade, recusando-se a se colocar como o “messias”. Mas, os homens sacrificam a ídolos o arbítrio sobre a sua liberdade. As três tentações do deserto, repetidas pelo velho inquisidor, sintetizam as insolúveis contradições reais que forjaram os homens: a necessidade do deleite servil, submisso e obediente à autoridade diante da insegurança oriunda da responsabilidade de exercer sua liberdade.

O raciocínio binário que opõe liberdade e segurança é uma pré-condição para a ascensão dos totalitarismos de todos os matizes. A literatura humanista de Fiódor Dostoiévski e George Orwell realizaram uma projeção visceral das possibilidades destrutivas e autodestrutivas da aceitação de propostas de troca da liberdade por segurança.

Em um Estado Democrático de Direito ninguém deve ser obrigado a fazer uma opção entre liberdade e segurança, simplesmente porque uma não dispensa a outra no pacto civilizatório. Essa falsa opção é o centro de todos os reclamos autoritários, num plano de máxima abstração, porque o direito à segurança em si mesmo, quando divorciado da referencia individualizada, ou seja, quando desvinculado de direitos subjetivos, se torna um pretexto, um ente abstrato que prevalece sobre os direitos individuais concretos.

Nesse sentido, converge a fábula política, “A Revolução dos bichos”, de George Orwell, quando diz “aqueles que renunciam a liberdade em troca de promessas de segurança, acabarão sem uma nem outra”. Não é por outro motivo que no pós-guerra, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 3, garante que “todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, para impedir a absolutização do valor segurança, essencial ao retorno de projetos autoritários que aniquilaram a individualidade e portanto, a liberdade, despersonalizando toda a sociedade formada por indivíduos concretos.

Caro leitor, segundo a declaração de El-Hage, coordenador da Lava Jato, no Rio de Janeiro, a “Democracia é um empecilho ao combate a corrupção”, isto é, os direitos individuais fundamentais são um obstáculo ao “combate a corrupção”. Notem que, estamos diante, novamente, do velho recurso de todas as tiranias, a relação entre meios e fins, que faz parte da semântica política do autoritarismo para justificar crimes. Na Democracia, a legalidade e os direitos individuais não estão em questão, porque são um fim em si mesmo. A Lava Jato, que não é uma instituição ou pessoa jurídica, mas um grupo de procuradores e juízes federais, golpeou a nossa Democracia, em nome do “combate a corrupção”. Quando o Estado destrói direitos fundamentais e age fora da legalidade, golpeia-se a Democracia.

Caro leitor, Madame Roland, a caminho da guilhotina, no Terror da Revolução Francesa, já asseverou: “Ó, liberdade! Quantos crimes se cometem em seu nome”. Quanto ao povo, este, prostra-se e entrega suas liberdades democráticas diante do altar sangrento de um ídolo feito de cartuchos de bala usados. No entanto, quem defende fuzilamento, entra na fila. Se a legalidade não existe, tudo é permitido.

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