Hipocrisia no governo brasileiro: Evidência do privilégio branco

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Uma pessoa negra, desde pequena, sabe que deve fazer o melhor em tudo que empreender, uma vez que estará sendo observada e questionada em as suas competências e habilidades. Não importa o espaço que venha a ocupar, as pessoas negras precisam apresentar “boa aparência”, educação e grande produtividade. Devem estar entre os melhores e demonstrar mais esforço. O nome que se dá à imposição dessas obrigações à população negra é racismo. Exige-se mais do(a) negro(a) do que de uma pessoa branca. Isso está normalizado e naturalizado, de modo que dizemos aos negros “seja o melhor, vista-se bem, comporte-se”. Alertas simples, mas que os negros sabem muito bem.

Richard Delgado e Jean Stefanic, na obra Critical Race Theory (2001), afirmaram que ser branco é uma propriedade, a tal ponto que sequer se precisa pensar sobre a sua condição racializada e nem se comportar de forma a ser aceito em determinados espaços. Ser branco concede o direito de não lhe ser imposto “boa aparência” (nos lugares em que homens devem estar de terno, gravata e sapato social, o branco pode utilizar um tênis all star e estará moderno; por outro lado, o negro será visto como desleixado). Ser branco também permite confessar plágio de artigo e ter seu pedido de desculpas aceito pela mídia e pela sociedade, como aconteceu com Sérgio Moro. Ser branco permite a manutenção em cargos do governo, mesmo diante de acusações de crimes e mentiras sobre sua formação acadêmica.

Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente, homem branco, foi condenado em primeira instância pelo crime de improbidade administrativa antes de ter sido empossado. Ele também declarava, em seu currículo lattes, ser mestre em direito público pela prestigiada Universidade de Yale, o que foi confirmado ser uma mentira, e ainda continua no cargo. Damares Alves, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, mentiu sobre ter título de mestra em direito e em educação e, após ter sido descoberta, justificou-se à imprensa da seguinte maneira: diferentemente do mestre secular, que precisa ir a uma universidade para fazer mestrado, nas igrejas cristãs é chamado mestre todo aquele que é dedicado ao ensino bíblico”. A ministra, além de mentir sobre a sua condição (afinal não há mestrado em direito constitucional nas escolas bíblicas), também inventa histórias para mitigar as lutas pela igualdade de gênero, e profere ameaças habituais a prefeitos e governadores.

Os dois ministros apontados comprovam que, para o governo de Jair Bolsonaro, é aceitável proferir mentiras e estar envolvido na prática de atos ilícitos. Porém, essa “honra” é destinada apenas às pessoas brancas.

Carlos Alberto Decotelli, homem negro, nomeado para o cargo de Ministro da Educação, talvez pensou que teria o mesmo direito dos colegas de governo. Antes de ser empossado, foram divulgadas  notícias que ele não tinha os títulos de doutorado e de pós-doutorado que declarou em seu currículo lattes, e ainda foi acusado de plágio em sua dissertação de mestrado.

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Parece que a sociedade não recebeu de forma positiva a nomeação de um negro para o governo, por isso fizeram tanta investigação, por isso questionaram tanto suas habilidades e competências. Ser negro é ser testado todos os dias e em qualquer lugar, mas isso foi esquecido pelo quase-ministro. Agora, diferente de outros brancos, os atos de Decotelli jamais serão esquecidos (todos já havíamos esquecido das mentiras de Salles e Damares, não é mesmo?). O professor Silvio Luiz de Almeida publicou no Twitter: “Mas se você for negro será cobrado por cada gesto que fizer no dia seguinte à exposição do seu ato. Sempre vão lembrar do que você fez e de que você também é um negro. E você será abandonado na estrada. E ‘nós que lutemos’ para lidar com a hipocrisia e a seletividade racista”.

Não há anuência com as práticas de qualquer um dos ministros nominados nesse texto, porém é evidente que a demissão de Carlos Alberto Decotelli aconteceu por ele ser negro, e não porque o governo resolveu valorizar os princípios de moralidade e legalidade. No final, o governo Bolsonaro acabou usando Carlos Antônio Decotelli para promover mais discriminação e ódio. Não sejamos ingênuos, visto que, ao expor as mentiras do ex-ministro e ele sair do governo, ainda que inconscientemente, reproduz a ideia de que todos os negros devem ser investigados, pois não são confiáveis ou são mentirosos. Somos nós que saímos prejudicados, infelizmente. Antônio Sérgio Alfredo Guimarães, no livro Classe, raça e democracia (2012), apontou que, no Brasil, segundo os dados dos boletins de ocorrências e queixas registradas entre 1º de maio de 1997 e 30 de abril de 1998, os insultos raciais possuem os seguintes estigmas: “1) pretensa essência escrava; 2) desonestidade e delinquência; 3) moradia precária; 4) devassidão moral; 5) irreligiosidade; 6) falta de higiene; 7) incivilidade, má-educação ou analfabetismo”.

Será que esse não era o plano do governo? E será que, ao apresentar para o Brasil um homem negro com formação universitária, não se buscou afastar a legitimidade e necessidade das cotas raciais? É importante mencionar que um negro no poder não representa a realidade da população negra brasileira. Ser um negro em posição de decisão é excepcional e, na verdade, é estar sozinho, como apontado por Ronilso Pacheco. É isso, Carlos Antônio Decotelli está sozinho.

Nem o governo, que aceita mentiras dos brancos, o aceita.

Com efeito, nota-se que a mídia contribuiu para a apresentação negativa do ex-ministro Carlos Antônio Decotelli, uma vez que em todos os jornais houve especialistas questionando seu currículo, mas não foi dado o mesmo tratamento aos ministros Ricardo Salles e Damares Alves. Dá para acreditar que não há um pacto de inferiorização dos negros?

  1. Ele falou que é mestre e não é. Falou que é doutor e não é. Falou que tinha pós doutorado e não concluiu. Apenas somou créditos por cursar as disciplinas. Nada tem a ver com o fato de ser negro! Quanto ao Ricardo Salles segue, infelizmente, a cartilha do governo, nada tem a ver por ele ser branco. E a Damares? Ela deve ser demitida, porque diz que meninos devem vestir azul e as meninas rosa? Ou, segundo o contexto da matéria, se ela fosse negra seria demitida? Ora! tenham bom senso.

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