Haddad e Bolsonaro são parte do mesmo problema, não da solução

Apenas uma coisa é certa: petismo e antipetismo tornaram-se sintomas de um mesmo doente. Na manhã seguinte à corrida das urnas, o país acordará com metade da população indisposta a aceitar a legitimidade do novo governo eleito.
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Com as eleições se aproximando, muitos brasileiros estão pensando em quem votar. Pelas pesquisas, que muitas vezes mais confundem do que elucidam, até mesmo gerando movimentos pouco espontâneos em favor dos líderes numéricos das amostragens, é praticamente impossível prever um vencedor.

Em parte isso se dá porque a sociedade está em ebulição: se num dia milhares de mulheres vão às ruas protestar contra Bolsonaro, no dia seguinte milhares de eleitores do capitão realizam suas próprias passeatas.

Por outro lado, na medida em que Haddad iniciou seu crescimento nas pesquisas, o antipetismo também se elevou às alturas. As rejeições do primeiro (Bolsonaro) e do segundo colocado (Haddad) nas pesquisas, são, respectivamente, as mais altas.

Num cenário de segundo turno confrontando o candidato do PSL ao candidato do PT, nenhuma pista. O vencedor só será conhecido depois de viradas as cartas.

Muito por conta dessa incerteza, o Brasil inteiro especula sobre o futuro do país. Haverá golpe militar? O candidato derrotado aceitará a vitória do inimigo?

Apenas uma coisa é certa: petismo e antipetismo tornaram-se sintomas de um mesmo doente. Na manhã seguinte à corrida das urnas, o país acordará com metade da população indisposta a aceitar a legitimidade do novo governo eleito. Que vença Haddad ou que vença Bolsonaro, teremos um país fraturado.

A partir daí trata-se de saber como se governará um país tão dividido entre a afirmação de modos de vida radicalmente diferentes. A resposta, no entanto, já está dada. Se observarmos a resistência e incomunicabilidade entre os dois campos, só nos resta a truculência.

Alguns poderão argumentar que a truculência é válida quando feita em nome dos valores corretos. Como quando, diante de um corpo que se debate em agonia, se lhe aplica uma dolorosa injeção de morfina.

Neste caso, seria necessário presumir que Haddad e Bolsonaro possuem projetos diametralmente opostos e que um dos dois, incontestavelmente, está errado, enquanto o outro apresenta a fórmula correta para tirar o Brasil da crise.

Isso seria mentira, pois não foge ao olhar mais atento que ambos vêm dando sinais cada vez mais claros ao mercado, principalmente garantindo que não irão alterar a política macroeconômica vigente há duas décadas (juros altos, câmbio valorizado e metas de inflação), que tornou-se um fim em si mesma e inviabiliza o financiamento da produção. Pois bem, mas qual é o problema disso?

A sociedade deve considerar que, quando se fala de mercado, não se trata de um ente fantasmagórico, por mais que assim soe. São os credores do Estado. Aqueles que ganham dinheiro emprestando aos cofres públicos e recebendo os juros da dívida em troca, ou seja, investimentos improdutivos que não geram empregos nem inovação tecnológica.

O Estado endividar-se não é um problema propriamente dito, desde que o dinheiro emprestado resulte em investimentos que gerem desenvolvimento econômico e social. O problema é essa classe improdutiva, que vive de renda financeira, ditar a política econômica e a organização orçamentária deste Estado, ameaçando-o de perder a confiança do mercado, e portanto sua legitimidade. Não é por outro motivo que a política nacional tenha se tornado refém de interesses econômicos tão alheios aos anseios mais cotidianos da população.

Pela mesma razão o governo brasileiro tem levado à cabo reformas impopulares, como a Emenda Constitucional 95/2016, também conhecida como “Teto de Gastos”, que proíbe o governo de aumentar seus gastos acima da inflação, mas sem considerar os gastos financeiros. Assim, cria-se uma espécie de poupança pública para rentistas, enquanto ciência, educação, segurança pública, defesa, saúde e saneamento básico ficam proporcionalmente com menos recursos a cada ano que passa.

Nem Haddad, nem Bolsonaro, irão alterar esse quadro. Bolsonaro é explicitamente favorável ao teto, já Haddad é extremamente contraditório, dizendo que irá manter a emenda excluir dela os investimentos (o problema é que certos investimentos como ciência & tecnologia, são considerados “custeios”).

Quanto à Fazendoa enquanto o petista pretende anunciar um homem do mercado, como o PT fez com Antonio Palocci, Henrique Meirelles (na época, no Banco Central) e Joaquim Levy, Bolsonaro também já anunciou Paulo Guedes, seu guru econômico.

Pode até ser que o programa econômico de Bolsonaro seja mais radical em termos de privatização e ajuste, mas na essência nenhum dos dois promete alterar o quadro de austeridade irracional imposto pelos credores do país.

Nessas condições, pouco sobra para qualquer eventual promessa esperançosa feita pelos candidatos. Sem investimentos públicos em ciência e tecnologia, sem alterar a moldura macroeconômica do país para que o câmbio e os juros funcionem como alavanca para o investimento produtivo, continuaremos sendo uma economia dependente dos recursos da exportação de matéria-prima.

Uma economia primária, como estamos nos tornando cada vez mais, depende de alta demanda internacional para implementar políticas públicas de qualidade que recaiam positivamente sobre o bem-estar da população. O mercado internacional, porém, é cíclico, e a cada alta sobrevém uma baixa. O que ganharmos no curto prazo, perderemos no médio prazo, enquanto o mundo industrializado e propagador de tecnologia progride e não nos espera.

Sendo assim, não há motivos para crer que a truculência do lado vencedor bastará para recolocar o país nos trilhos. Haddad e Bolsonaro são parte do mesmo problema, não da solução.

Toda vez que se coloca um diante do outro, o debate sobre o futuro do país derrete. Restam as posições de um contra as do outro, uma roleta russa, ou brasileira, como preferirem.

Em terceiro lugar, há Ciro Gomes, o último candidato ainda viável. Ciro possui um projeto nacional de desenvolvimento bem elaborado, com começo, meio e fim. Seu grande objetivo é reunir todo o país em torno de uma pauta: reindustrializar a economia brasileira.

Tudo isso está pensado de forma moderna em seu programa, considerando temas sensíveis como a desigualdade, a sustentabilidade, a educação, a segurança, a saúde e o emprego. Seu projeto e seu discurso são cristalinos no que diz respeito a alterar o atual estado de imposições do mercado financeiro ao país. Dar a legitimidade popular à agenda dele reequilibra o jogo para as necessidades do povo brasileiro.

Ciro conta, ainda, com a vantagem de ter se deslocado da polarização entre petistas e antipetistas. Num grave momento de crise como o que vivemos, não há dúvida de que o mais saudável seria uma união dos brasileiros em torno da construção de soluções mais concretas para os problemas nacionais. Ciro talvez represente aquele pequeno passo que precisamos dar, como Nação, para nos afastarmos da beirada do penhasco.