Especulações e cinco fatos que formam a nuvem do impeachment

Especulações e cinco fatos que formam a nuvem do impeachment
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No calor dos fatos, as especulações, muitas vezes, são irmãs gêmeas da paranoia conspiratória. A depender delas, as surpreendentes mudanças no governo (imaginem o gado atônito) parecem resultar de cálculos precisos e estratégicos do presidente da República e de um punhado de capas pretas ou verde-oliva do seu círculo mais próximo. Ou então, até dos próprios militares como um todo, segundo alguém aventou.

Ora, um governo que assumiu há dois anos, sem projeto algum, a não ser o de fomentar crises para instilar o medo, a fim de se garantir no cargo e proteger a família, não tem mais nada o que fazer daqui para frente. Tudo o que faz agora é apenas para adiar possibilidades do impeachment. Golpe? É o que sempre venho perguntando há dois anos: e depois, faz o quê, exatamente?

Aliás, se não me engano, foi um dos próprios generais do governo quem ponderou, tempos atrás, quando a bestialidade, a ignorância e a molecagem da soberba sugeriram a exumação do AI-5, ao sinalizar mais ou menos o seguinte: mas o problema é o que e como fazer.

Essa fala do general corrobora o que eu sempre pergunto e repito: depois de um suposto golpe, faz-se o quê? Diferentemente das especulações do fim do mundo, interpretações descalças, com pé em cascalho e cacos de riscos, podem ser úteis quando vinculam fatos e possibilidades, ainda que incompletas e, reconheço, também temerárias.

Primeiro fato. A saída de toda a cúpula militar das Forças Armadas pode significar, finalmente, a queda da ficha óbvia, qual seja: setores qualificados das três armas, silentes até então, sempre cautelosos com o senso de hierarquia, não tinham mais como vincular suas imagens ao desastre nacional diante da falta de rumo e da perda de controle do governo em relação à pandemia.

Segundo fato. Parte da dança das cadeiras atende, sim, aos interesses do chamado Centrão. Mas outra parte parece significar que Bolsonaro não tem quadros possíveis e confiáveis, dentro e fora dos aparelhos do estado, para fazer uma chamada reforma ministerial digna de um cavalo de pau. E só ministro que entra e sai. O próximo deverá ser o da boiada da legislação ambiental.

O exemplo disso é fazer o diminuto ministro da justiça virar novamente CGU e colocar um policial na pasta que já foi ocupada, em outros momentos da história de nossa República, por um Paulo Brossard, só para citar um nome que me vem rápido à cabeça, dentre muitos outros – e reconhecendo, peço desculpas, a covardia da comparação.

Terceiro fato, mais como abstração do que como algo apurado empiricamente, porém plausível. Certos setores de direita são de direita e reacionários, mas preferem as formalidades da lei para sufocar as classes subalternas em vez de expedientes criminosos. Outros vão no arrepio mesmo, como empresários que patrocinaram prisão e tortura na ditadura de 1964.

Mas, assim como certos militares, há os que fazem lobby, conseguem mudar leis, disseminam o marketing do interesse supostamente público, mas que, na verdade, é privado – tudo, porém, dentro de ações de sociedades mais ou menos estabelecidas, tipo gabinetes parlamentares e meios de comunicação hegemônicos.

E ainda há a direita não boçal (muitos economistas, por exemplo), que estuda e dissemina sua própria visão de valores morais e éticos, segundo a qual o mundo tem hierarquias naturais que só mudam paulatinamente com o os movimentos da meritocracia e dos acasos esotéricos.

Entretanto, quem sou eu para fazer uma “antropologia” filogenética do reacionarismo de diferentes camadas da direita? O quarto fato é que, ao perder o rumo, Bolsonaro vai ficando cada vez mais isolado, tendo Arthur Lira, como garantidor fiel, mas até quando? Quinto fato: a pandemia impede a ocupação das ruas num movimento que, não fosse ela, o gesto de Lira talvez pudesse ser resoluto, em pouco tempo, para tirar o impeachment da gaveta e por sobre a mesa.

Algum trauma? Depois dos episódios Tancredo (Sarney), Collor, FHC (que durou oito anos) e o golpe que derrubou Dilma (Temer com aquele ar de mordomo amigo da onça), Brasil vai ficando calejado. Bolsonaro pode demitir qualquer ministro, mas não pode fazer o mesmo com o vice-presidente da República, quietinho e vaselina como sempre. Nossa República é farta na folha corrida de riscos que os vice-presidentes podem representar, bem como do poder do presidente da Câmara dos Deputados.

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