A interrupção da Era Vargas impediu o Brasil de se tornar a Suécia Tropical

A interrupção da Era Vargas impediu o Brasil de se tornar a Suécia Tropical
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É bastante chamativo que a Suécia, com uma população menor que a da cidade de São Paulo e que a região metropolitana do Rio de Janeiro separadamente, tenha uma indústria nacional, de marcas nacionais, que produza, dentro do país, carros, caminhões, tratores, guindastes, trens, navios, iates e aviões (incluindo suas peças), robôs, satélites, eletrodomésticos, aparelhos e dispositivos de telefonia, máquinas agrícolas, motosserras e aparelhos de jardinagem, compressores e rolamentos industriais, turbinas hidrelétricas, instrumentos de perfuração de petróleo, derivados de petróleo, equipamentos médicos como máquinas de hemodiálise e tubos de ressonância, fármacos, móveis, instrumentos musicais, semicondutores, eletrônicos, armas, aços, papeis etc. Sem contar que o país se desindustrializou bastante nos últimos 40 anos. Nos anos 70 e 80, por exemplo, a Suécia era o único país europeu que construía usinas nucleares inteiras só com capital e tecnologia nacionais, sem licenciamento algum dos EUA.

Existem várias explicações, de ordem histórica, política e geopolítica, para esse prodígio industrial tecnológico sueco. Agências estatais de planejamento industrial desde o século XVII, centros tecnológicos públicos e privados de primeira linha desde o século XIX, forte protecionismo, restrições pesadas ao capital estrangeiro, amizade e anuência da Inglaterra, dos EUA e até da Alemanha nazista e da URSS, tudo isso ajuda a explicar.

Destaco um que é bastante interessante para o Brasil: a Suécia é um dos principais países mineradores da Europa, e, desde a I Guerra Mundial, não há mineradoras estrangeiras operando no país. A maior mineradora do país é uma empresa 100% estatal, a LKAB, que, além de mineração, também fabrica peças e máquinas de perfuração e mineração, explosivos, cimento, asfalto e trilhos.

Além disso, o Estado sueco historicamente mantinha siderúrgicas estatais e hoje é o segundo maior acionista da siderúrgica SSAB, garantindo que os minérios extraídos pela LKAB sejam industrializados dentro do país, servindo de base a toda uma cadeia industrial nacional. Não há as “perdas internacionais”, o país aproveita para dentro todos os seus recursos naturais.

Proibição de mineradoras estrangeiras, mineração estatal, participação estatal na siderurgia… Sim, já tivemos tudo isso, com Getúlio Vargas – Código de Minas, Vale do Rio Doce, CSN. Se a Suécia, com apenas 10 milhões de habitantes, é capaz de tudo isso, imaginem do que não seria capaz o Brasil, um país muito mais rico em gente e em recursos, se tivesse conseguido manter o caminho que a Era Vargas iniciou, de um desenvolvimento soberano e trabalhista. Ninguém no mundo seria páreo para o Brasil.

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No mundo latino em geral, o termo “social-democracia” geralmente significa algo semelhante a neoliberalismo progressista e cosmopolita. Porém, na Suécia e na Noruega, os dois únicos países que de fato tiveram um período histórico conhecido como social-democracia (como Era Vargas no Brasil), o termo significava algo muito diferente.

O historiador norueguês Francis Sejersted, autor do excelente livro The Age of Social Democracy: Norway and Sweden in the Twentieth Century (A Era da Social Democracia: Noruega e Suécia no Século XX) afirma que as bases institucionais da “ordem social democrata” eram: a nação e o nacionalismo (no que ele inclui o “pleno controle político sobre o desenvolvimento econômico”), a grande corporação industrial, a consciência de classe e o sistema corporativista de mediação entre capital e trabalho, o sistema de mídia (monopólio estatal do rádio e da televisão, concedido ao sindicalismo social democrata, e o controle dos jornais pelos partidos), a igreja estatal, a escola pública padronizada e a família nuclear.

Um cenário, enfim, bem diferente daquele que geralmente conhecemos por social-democracia. Cenário esse que, segundo Sejersted, começou a se esvair nesses próprios países a partir do final dos anos 1970, embora ainda hoje esteja bem menos devastado lá do que a Era Vargas aqui.

A interrupção da Era Vargas impediu o Brasil de se tornar a Suécia Tropical