Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

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O 25 de julho é o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, instituído em 1992, como resultado do 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas em São Domingos, República Dominicana. O objetivo do evento era dar visibilidade e reconhecimento a singularidade das mulheres negras da América Latina e Caribe, que compartilham o fato de enfrentarem a dupla opressão do racismo e sexismo, bem como pelo fato delas estarem em países que negam essas violências como um problema estrutural.

No Brasil, no final do século XX, Lélia Gonzalez denunciou o mito da democracia racial e da igualdade de gênero, uma vez que as mulheres negras estavam nos setores com as piores remunerações, sem acesso à educação e expostas às arbitrariedades policiais. Ela também apontou que por causa do racismo, a boa educação e boa aparência eram insuficientes à admissão no mercado de trabalho com melhores remunerações e em espaços públicos.

Silvio Almeida (2018) aponta que “o racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam”.

O período de redemocratização no Brasil foi importante à população negra, uma vez que a partir das reivindicações do Movimento Negro foram inseridos na Constituição Federal de 1988 dispositivos de não-discriminação: i) repúdio ao racismo (art. 4º, inciso VIII); ii) a prática do racismo como crime imprescritível e inafiançável (art. 5º, inciso XLII), iii) Igualdade entre homens e mulheres (art. 5º).

Outra conquista da luta do movimento negro foi a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 10.288/2010), que reconhece a especificidade das mulheres negras, impondo dentre tantos direitos e garantias o dever de o Poder Público criar mecanismos que materializem o direito à moradia e à terra, o acesso ao mercado de trabalho decente, à vida econômica, à saúde e à segurança.

Inspirada nessa crescente de direitos e garantias em favor das mulheres negras e a partir da constatação dos dados do IBGE, IPEA e estudos acadêmicos, que apontaram que as mulheres negras estavam e permanecem em situação de vulnerabilidade, foi publicada a Lei n. 12.987/2014, que estabelece no artigo 1º que “É instituído o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Preta, a ser comemorado, anualmente, em 25 de julho”. Até a publicação desta lei, o Brasil não comemorava a data de 25 de julho, apesar do reconhecimento internacional e das normas internas de combate ao racismo.

Ora, o dia 25 de julho vem como mais uma data de reconhecimento e visibilidade às mulheres negras, bem como de denúncia contra às violências físicas e emocionais que sofrem pelo acúmulo de opressão por serem mulheres, negras e pobres, em uma sociedade machista, racista e classista.

Esta data também é um chamado ao feminismo decolonial, que segundo Françoise Vergès (2020), é um conceito que serve “para afirmar nossa fidelidade às lutas das mulheres do sul global que nos precederam. É reconhecer seus sacrifícios, honrar suas vidas em toda complexidade, os riscos que assumiram, as hesitações e as desmotivações que conheceram. É receber suas heranças. Também é reconhecer que a ofensiva contra as mulheres, atualmente justificada e reivindicada publicamente pelos dirigentes estatais, não é simplesmente a expressão de uma dominação masculinista descomplexificada, e sim uma manifestação da violência destruidora do capitalismo”.

Nesse sentido, você sabe quem é a Luiza Bairros, que assinou a Lei n. 12.987/2014 junto com a ex-presidenta Dilma Rousseff, Eleonara Meniucci e Ideli Salvatti? E você conhece a história da Tereza de Benguela, que dá nome ao dia 25 de julho? Pois é, a resposta de muitas pessoas é não, porque em muitas escolas a história das pessoas negras não é ensinada, tampouco às universidades possuem no currículo dos cursos de graduação o estudo da história da população negra enquanto sujeitos, ou seja, não é oferecido pelas instituições educacionais um estudo que ultrapasse o limite da escravização. Para além da grade curricular com a temática das relações raciais, nos cursos de economia, pedagogia, direito, medicina, engenharia entre outros, há autores negros nas referências bibliográficas? Na maioria dos cursos, a resposta é não. Isto é uma violação ao Estado Democrático de Direito.

Luiza Bairros (1953-2016), mulher negra, ativista, professora, doutora em Sociologia pela Michigan State University (1997), desde o colégio esteve envolvida em debates dos centros acadêmicos e política. Ela foi pesquisadora na coordenação de vários projetos internacionais voltados ao combate do racismo nas Américas. Atuou como pesquisadora da área de políticas públicas para a população negra e sempre trabalhou em prol da redefinição de novos caminhos às mulheres negras, com ideias sobre igualdade racial e de gênero. Ela também foi ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) entre 2011 e 2014.

Tereza de Benguela (1730-1795), mulher negra, também conhecida como Rainha Tereza, assumiu a liderança do Quilombo de Quariterê, Mato Grosso, após o assassinato de seu companheiro, José Piolho. Segundo os documentos oficiais, o quilombo abrigava mais de 100 pessoas, e Tereza articulou a estrutura política, econômica e administrativa, e também defesa armada. Após muitos ataques para destruição do Quilombo, Tereza de Benguela foi presa junto com outros quilombolas que não conseguiram fugir.

Há outras mulheres negras brasileiras que foram apagadas por muito tempo, como Maria Firmina dos Reis (1822-1917), primeira romancista negra brasileira, autora de muitas obras, dentre elas Úrsula (1859), e Conceição Evaristo, escritora e ativista, ganhadora do prêmio de literatura Jabuti, na categoria Contos e Crônicas, por Olhos D’Água, em 2015. Todavia, ela somente publicou sua primeira obra em 1990, sem qualquer patrocínio. Em entrevista concedida à Djamila Ribeiro, em 2017, Conceição Evaristo afirmou que a longa espera para o reconhecimento das mulheres negras “tem a ver com esse imaginário que se faz da mulher negra, que a mulher negra samba muito bem, dança, canta, cozinha, faz sexo gostoso, cuida do corpo do outro, da casa da madame, dos filhos da madame. Mas reconhecer que as mulheres negras são intelectuais em vários campos do pensamento, produzem artes em várias modalidades, o imaginário brasileiro não concebe”.

O Brasil possui um ordenamento jurídico amplo de normas antirracistas e de proteção às mulheres, porém o direito carece de efetividade, pois existe apenas no âmbito formal. O racismo e sexismo ainda é normalizado e naturalizado. Nesse sentido, não há motivos para comemoração, ainda mais quando os dados apontam que com a pandemia da COVID-19, a condição das mulheres negras piorou mais do que de outros grupos. Segundos os dados do IBGE, os negros morrem mais do que os brancos por causa da pandemia, e são os menos vacinados.

As mulheres negras também integram o maior percentual de desempregados, conforme constatado pelo IBGE de 2020, que apontou que 60% dos 13,9 milhões de brasileiros sem trabalho eram do sexo feminino e negras. Importante destacar que as mulheres negras são chefes de família, e nessa situação de vulnerabilidade seus familiares, filhos e dependentes sequer possuem comida ou outros mecanismos de subsistência.

No livro Economia Pós-Pandemia: O desmonte dos mitos da austeridade fiscal e construindo um novo paradigma econômico, os autores afirmam que o orçamento público e a economia é racista e machista, ao estabelecer decisões que mitigam às garantias fundamentais das mulheres, negros e indígenas, e que o retrocesso social que presenciamos não é resultado da ausência de um projeto político, mas a concretização de um projeto antidemocrático.

Para o Dia 25 de Julho, cabe o resgate das lutas ancestrais e conscientização política e social para nos posicionarmos contra o massacre constante perpetrado contra às minorias. Percebe-se que os opressores têm medo da movimentação das minorias, pois sabem que uma pessoa negra e consciente, ao assumir o poder, não vai permitir a retroalimentação da estrutura que oprime o seu povo, tanto que todas as mulheres mencionadas neste texto fizeram das suas vidas um ato político de combate às desigualdades. Por isso, que tentam nos relegar ao esquecimento e aniquilamento, como fizeram com Tereza de Benguela e Marielle Franco.

Contudo, como diz Conceição Evaristo: “A gente combinamos de não morrer”, e de lutar contra o racismo, sexismo, e qualquer forma de exploração. Tereza de Benguela e Marielle Franco, vivem!

Referências:
– ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é Racismo estrutural? Belo horizonte: Letramento, 2018.
– DWECK, Esther; ROSSI, Pedro; OLIVEIRA, Ana Luíza Matos de. Economia pós-pandemia: desmontando os mitos da austeridade fiscal e construindo um novo paradigma econômico no Brasil. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.
– VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. Tradução de Jamille Pinheiro Dias e Raquel Camargo. São Paulo: Ubu, 2020.