Desidratação da Constituição e o Constitucionalismo

e início, o Constitucionalismo é, intrinsicamente, vinculado à ideia de limitar e controlar o poder político. Ele opõe-se, na origem, aos governos arbitrários ao longo da História.
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Notícias recentes registram que os poderes instituídos, no Brasil, estão alinhados à ideia de “desidratar” a Constituição Federal de 1988. Desde o seu nascimento, que a nossa Constituição passa por questionamentos de governança uma vez que dá status constitucional a temas e/ou assuntos demasiadamente detalhados que, por vezes, não acompanham a dinâmica da sociedade. Isto hoje é consenso entre juristas e gestores públicos. Entretanto, o processo de formação e ampliação das constituições, o Constitucionalismo, agrega camadas da História Mundial no que se refere à consolidação do Estado de Direito que vivemos e que temos o dever de zelar.

De início, o Constitucionalismo é, intrinsicamente, vinculado à ideia de limitar e controlar o poder político. Ele opõe-se, na origem, aos governos arbitrários ao longo da História. Ele fundamenta-se no respeito aos direitos dos governados e na limitação do poder dos governantes.

Desde a antiguidade, passamos por movimentos de constitucionalismo. Neste aspecto, o Constitucionalismo antigo – com destaque para as sociedades grega e romana – institui o regime político-constitucional de democracia direta com igualdade entre governantes e governados bem como o sistema de freios e contrapesos para dividir o poder político.

No Constitucionalismo Medieval, a Inglaterra, em 1215, impõe limitações ao poder absoluto do Rei João Sem Terra por meio de sua Carta Magna em que a liberdade e a propriedade são garantias asseguradas. É neste mesmo documento que se reconhece o devido processo legal e é instituído limites discricionário do Rei em tributar; uma vez que esta competência agora é do Conselho Comum, restando ao Rei exceções pontuais neste aspecto. É por este documento que o orçamento público impõe algum planejamento nas finanças do reino. A Carta Magna vincula o Rei às próprias leis que edita.

No Séc. XVIII, com o Iluminismo, o Constitucionalismo Moderno se configura tecnicamente por uma Constituição escrita e rígida consolidando, assim, o entendimento de uma norma hierarquicamente superior a todas as outras e que prescinde de procedimentos legislativos especiais para ser alterada. Como característica estrutural, destaca-se a organização do estado e a limitação do poder estatal por meio de uma declaração de direitos e garantias fundamentais.

O Iluminismo abrange os planos político e econômico. Para o primeiro, era importante derrubar o poder absoluto do Rei enquanto que, no plano econômico, o estado deveria estimular a livre concorrência sendo, portanto, impróprio a este a intervenção estatal na ordem financeira. Com o advento das Grandes Guerras, as constituições passaram a registrar, em seus textos, direitos de cunho econômicos e sociais. Desta forma, as constituições migraram do Estado Liberal para o Estado do Bem-Estar Social. É com a constituição alemã de 1919, WEIMAR, que se inaugura o Estado Intervencionista. No Brasil, desde a Constituição de 1934 até a de 1988, a democracia liberal e a democracia social são contempladas nos seus textos.

O Neoconstitucionalismo tem sua construção ao longo do Séc. XX. Ele traz consigo a supremacia da Constituição subordinando a legalidade, a validade das leis e demais normas jurídicas e a compreensão de todo o Direito à Carta Magna do país. É o Estado Constitucional de Direito. É a nossa realidade.

Para o Séc. XXI, a construção é do Transconstitucionalismo cujo reconhecimento, nas constituições, que existem problemas transversais a vários países no qual o tratamento de reciprocidade se faz adequado. É o fenômeno da globalização nas constituições que podem envolver tribunais estatais, internacionais, supranacionais e transnacionais.

Apesar de breves registros, podemos inferir que as Constituições são camadas da vivência humana, ao longo da História, com suas lutas e conquistas. Vimos que os direitos de governados e deveres de governantes remontam a antiguidade, que o Poder Legislativo teve participação nas finanças do reino quando foi instituído a este o poder de tributar. Hoje, esta participação é bem mais ampla e necessária. Vimos que estruturalmente os direitos fundamentais foram instituídos como condição precípua, ao longo dos séculos, e que os direitos sociais são consequências dos fundamentais, após o advento das grandes guerras. A amplitude do Transconstitucionalismo é proporcional ao nosso avanço científico tecnológico que desagua na globalização.

Sim, sou a favor de uma revisão constitucional, também entendo que existem dispositivos desnecessários que podem atrapalhar a dinâmica da sociedade. Todavia, há de se pensar na oportunidade e conveniência. O Brasil passa por uma revisão de sua democracia com pleitos eleitorais viciados e, recentemente, com as bases da segurança jurídica e do devido processo legal estremecidos, testam-se os limites da Constituição Federal recorrentemente. Vivemos uma efervescência social muito tênue, no limite. Desta forma, parece desnecessário uma “desidratação” constitucional neste momento. Por hora, só nos cabe manter e consolidar o que conquistamos até mesmo porque, ao que parece, a macroeconomia – depois da crise de 2008 – passa por questionamentos e possíveis revisões nos países capitalistas. Assim, corremos o risco de reformar para ficarmos démodé e/ou para colocar em risco nossas conquistas e democracia.

Por Aline Sá Cavalcanti, mestre em Gestão de Negócios e pós-graduada em Direito do Trabalho.