Breve história da demonização da planificação econômica

No final dos anos 50, na URSS, vários mecanismos de planificação econômica começaram a ser fragilizados. Com a desculpa de apostar na descentralização e maior autonomia regional
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No final dos anos 50, na URSS, vários mecanismos de planificação econômica começaram a ser fragilizados. Com a desculpa de apostar na descentralização e maior autonomia regional, algo realmente necessário, relações mercantis foram paulatinamente fortalecidas. Um dos maiores símbolos disso foi o fim do departamento de máquinas agrícolas que fornecia bens de produção, como tratores e máquinas de processamento, para as fazendas estatais e coletivas.

Toda resistência dentro do PCUS (Partido Comunista da URSS) ao enfraquecimento da planificação era demonizada como “stalinismo”. Dentro desse processo, o PCUS operou uma série de mudanças improvisadas, desconexas, não coordenadas, onde mecanismos de planificação eram desmontados sem oferecer uma alternativa institucional crível de alocação de recursos. Se na China, por exemplo, a planificação foi combinada de maneira pensada com mecanismos de mercado, na URSS, a planificação perdia espaço e no seu lugar, surgia uma espécie de vácuo institucional e econômico, abrindo um espaço gigantesco para a chamada “segunda economia” ou “economia das sombras”, um dos grandes responsáveis por formar uma camada social com níveis relativos de enriquecimento interessada no desmonte total do sistema público da economia – e que posteriormente, no final dos anos 80, forma a espinha dorsal da nova burguesia gangster da Rússia e outros países.

Dos anos 60 em diante, a lógica era sempre a mesma. Defesa da não mercantilização de serviços essenciais? Stalinismo. Defesa da propriedade pública? Stalinismo. Defesa da planificação econômica renovada, mais eficiente, com maior responsabilidade das bases? Stalinismo. Defesa da manutenção de empresas estratégicas subsidiadas? Stalinismo.

Iúri Andropov foi o último líder soviético a combater essa tendência. Iúri Andropov deixava claro que o que se entendia como a crítica do “stalinismo”, isto é, a crítica da violência e repressão como principal forma de regulação dos conflitos sociais, já estava realizada. Para se ter uma ideia, durante todo os anos 50, menos de 1 mil pessoas foram presas por “crimes políticos” na URSS (número menor que na França ou nos Estados Unidos, por exemplo). Andropov sempre sublinhava que a defesa do sistema socialista, da planificação, propriedade pública e direção política do PCUS na economia, não tinha nada de querer “voltar no tempo”.

Infelizmente, Andropov morreu rápido demais. Quando Mikhail Gorbatchov assume o poder, até metade de 1987, ele parecia seguir o caminho de reformas de Andropov, mas do final de 1987 em diante, promove um acelerado desmonte do sistema soviético. Todos que resistiram eram chamados de “stalinistas” ou conservadores. Gorbatchov, em 1988, colocou para fora do PCUS mais de 2 mil membros. A maioria deles era contra o desmonte do sistema de planificação. Gorbatchov e seus associados, com apoio todo dos monopólios de mídia do Ocidente, taxava essas pessoas de “stalinistas” e diziam que elas tinham saudade do gulag.

Nessa pegada, em 1989, defender uma economia mista, também era chamado de “stalinismo”. Até que veio a doutrina de choque, o fim da URSS, e uma das maiores tragédias sociais de todos os tempos etc….

A China, ao contrário da URSS, não permitiu essa demonização total do período Mao que, não se engane, inclui jogar fora o bebê, a água suja, a planificação, as empresas estatais e afins.

Anos depois, na esquerda ocidental, o nome planificação é quase banido. Mesmo figuras destacadas da oposição, como Leon Trotski, nunca confundiram a crítica do “stalinismo” com a demonização da planificação econômica. Trotski no seu “Revolução Traída” começa o livro com um elogio apaixonado da planificação econômica.

Os mesmos críticos históricos do “stalinismo” na Rússia não viram problemas quando Boris Iéltsin mandou bombardear e fechar o Parlamento Russo. Sua crítica ao stalinismo não era e nunca foi contra a “violência política”, como ficou claro anos depois.

E nesse processo esquecemos que seja na sua forma capitalista de planejamento indicativo, seja na forma socialista, o planejamento econômico, o mecanismo mais eficiente no desenvolvimento econômico já inventado pelo ser humano, foi demonizado e esquecido…

Para maiores informações, leiam o livro ” O Socialismo Traído: Por trás do colapso da União Soviética” de Roger Keeran e Thomas Kenny.