Darcy Ribeiro, Urgente Urgentíssimo!

Darcy Ribeiro
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Por Teodoro Buarque de Hollanda

Rio de Janeiro 26 de Outubro de 2022

Festejar condignamente o centenário de nascimento de Darcy Ribeiro faz parte de algumas das nossas obrigações cívicas inadiáveis. Ocorre que para termos êxito frente a tais obrigações, e com a devida presteza, tornando-as “fazimentos” viáveis, passíveis de uma retomada auto-sustentada, faz-se necessário o acolhimento, a meu ver, de sugestões, algumas delas inadiáveis. Refiro-me a construções que perduram como demandas para atendimento de problemas tidos como urgentes para a nossa visão de mundo.

Vem daí a menção às urgências, urgentíssimas, acima aludidas.

Como militantes e brasileiros compete-nos intervir na cena brasileira dando-se seguimento no que couber a um conjunto de pistas abertas por Darcy anos atrás, sempre com a colaboração de múltiplos parceiros, como vem aliás fazendo e perseverando a Fundação Darcy Ribeiro desde que esse grande brasileiro nos deixou no ano de 1997.

Refiro-me a sugestões relativamente óbvias que nos trariam de volta ao mundo dos vivos um Darcy imortal, trazendo-se a tempo presente esse admirável mundo novo daquele futurista de oficio, até porque incitou-nos a perseverar na senda de fazimentos mesmo depois de sua passagem.

Refiro-me a sugestões especialmente criativas que, por estamos às vésperas de um conturbado quadro da vida brasileira, Darcy Ribeiro, constituir-se-iam em chamariz adicional do clássico livro “Aos Trancos e Barrancos”, cujo sub-título remete a um Brasil deu no que deu, ano trás ano.

Vivíamos então tempos de abertura, em parte de esquecimento e redemocratização quando o mesmo foi publicado, ainda no transcurso do primeiro Governo Brizola.

Ocorre que Darcy deteve-se num passo a passo interrompido no início dos anos oitenta, sem que outros autores ou ele mesmo o tivesse retomado na modalidade original com base num tônus revigorante, mais esperançoso.

Frequentemente ouve-se por aí a reprodução de uma fala sobre os fracassos do Darcy, citando-o na fonte de forma negativada, muitas vezes sem a datação mais adequada e a que contexto especifico esse pensador da nossa melhor brasilidade teria firmado essa ou aquela posição crítica da modelagem excludente do desenvolvimento nacional, da construção de escolas com perfil singular e da expansão inevitável de presídios caso permanecêssemos inertes.

Veio dali por sinal a pesquisa de um Rio Ano 2000, sob a coordenação de Carlos Senna e Yedda Sales, trabalho jamais publicado.

Devemos a Mércio Gomes a observação precisa e atenta aos fatos históricos da vida de Darcy no sentido de que tal manifestação foi a bem da verdade modificada logo em seguida nos anos oitenta por conta de uma coletânea de êxitos e múltiplas realizações.

São fatos que viriam a ter lugar nos anos oitenta com a vitória primacial das urnas malandras em 82, em plena sintonia com as partituras traçadas em comum acordo com um certo Leonel Brizola ocupante do Palacio Guanabara em 1983, de quem Darcy tornou-se Vice Governador eleito, seu correligionário, em visível dissintonia com o nascente PT e com o sobrevivente PMDB, marcas essas difíceis de serem apagadas nos anos subsequentes.

Sendo assim, sugere-se por fim que façamos todos – com urgência urgentíssima! – um meticuloso inventário relativo ao quadro de realizações / abandonos / descaracterizações e tentativas de retomada dos trabalhos que nos ajude a homenagear a contento o experimento civilizatório fluminense, que rejunte e retome no plano municipal algumas das caminhadas suscitadas por aqueles dois líderes inventivos num estado que não era o de origem de ambos.

Foi precisamente no nascente estado do Rio de Janeiro, território brasileiro singular que reúne todo um caldo de brasilidade a ser trabalhado na senda do ideário do trabalhismo de Vargas, Jango e Brizola, mercê de uma institucionalidade advinda da fusão dos dois antigos estados tradicionais que aqueles dois homens visionários e práticos semearam por aqui e tratariam de nacionalizar cada qual a seu modo.

Iniciativas múltiplas e inusitadas como as da Passarela do Samba que aqui se inaugurou e que se nacionalizou logo em seguida em função de carências assemelhadas de múltiplas capitais brasileiras, para além do amplo espectro do Programa dos CIEPs, surgiram matrizes que nos inspiram, de vez que plenas de carências suplementares e de múltiplos novos cuidados, estrategicamente afastados do neoliberalismo.

Sendo assim, estamos falando aqui de fazimentos, estilos alternativos de desenvolvimento e construções que nos levam a pensar que muito disso se perderá caso esqueçamos hoje daquilo que nos recorda Darcy Ribeiro num libelo politico singular desenhado ainda nos quadros de abertura política, quando a Ditadura se afundava num mar de contradições.

Registre-se fato de que após algumas alusões à empreitada golpista de 64 e suas consequências mais nefastas como o milagre econômico, à intervenção estrangeira, à censura, aos juristas pressurosos e à tortura, Darcy nos “receita” o seguinte no momento da Anistia:

“Esqueçamos tudo isso, mas cuidado.

“Não nos esqueçamos de enfrentar, agora, a tarefa em que fracassamos ontem e que deu lugar a tudo isso.

“Não nos esqueçamos de organizar a defesa das instituições democráticas contra novos golpistas militares e civis para que em tempo algum do futuro ninguém tenha outra vez de enfrentar e sofrer, e depois esquecer os conspiradores, os torturadores, os censores e todos os culpados e coniventes que beberam nosso sangue e pedem nosso esquecimento”.

( retirado do capitulo “Requiem”, citado nas páginas 220-221 no livro “Darcy Ribeiro-Ensaios Insólitos” )

Sociólogo Teodoro Buarque de Hollanda

Ex- Secretario de Planejamento do Governo Brizola ( 1º Governo )
Ex- Presidente do GEROE ( 2º Governo Brizola: 1991-1994)
Conselheiro do Instituto Canoa