Uma breve crítica da crítica ao projeto nacional de Ciro Gomes

Uma breve crítica da crítica ao projeto nacional de Ciro Gomes
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“Vargas é o único estadista que o Brasil produziu.”
– Francisco de Oliveira, um dos fundadores do PT e do PSOL, em entrevista para Roda Viva, em 2012.[1]

“Brizola foi considerado, por muito tempo, o inimigo número um da burguesia. (…) A burguesia tinha mais medo de Brizola do que de Lula no primeiro turno da eleição de 89.”
– Jones Manoel

“Qualquer um, menos Ciro Gomes.”
– Michel Temer

Por Fábio Santos – Neste último domingo, dia 8 de agosto, o historiador, educador popular, e militante do PCB, Jones Manoel, publicou um vídeo onde destrincha, de maneira bastante crítica, o livro que Ciro Gomes escreveu para apresentar, durante sua campanha, os pilares fundamentais que defende para construir um novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, caso seja eleito para a presidência.

Em mais de uma hora de conteúdo, o historiador apresenta uma série de críticas ao projeto, mas não deixa de fazer elogios ao pré-candidato à presidência. Logo de início, após o lançamento de alguns avisos – sobre como não irá tratar de propostas eleitorais e de questões de aparência técnica –, uma das afirmações apresentadas é a de que Ciro Gomes é um quadro político bastante preparado. E, ao finalizar, faz o convite para o lançamento de um segundo livro, onde atualize certas reflexões – considerando talvez acrescentar sua nova análise de como certas frações das Forças Armadas se articulam como um partido político.

Independente do objetivo inicial ser uma crítica, o conteúdo revela uma história importante e pouco conhecida entre alguns setores da esquerda – majoritariamente petistas –, classificados por Elias Jabbour como “uma esquerda de jardim de infância”: a história do trabalhismo brasileiro. E, para além das supostas polêmicas que a crítica poderia instigar, devido ao alcance do conteúdo que o historiador obtêm, um debate importante foi desofuscado para estes setores da esquerda, durante um momento crucial, que já podemos definir como pré-campanha. Dado isso, a crítica opera muito mais como uma contribuição, um chamado para um debate importante, e isso precisa ser elogiado.

No entanto, para alguns, talvez a abordagem escolhida pelo historiador não tenha atendido à expectativa, visto que o cerne da crítica acaba por respingar até mesmo nos críticos do Projeto Nacional de Desenvolvimento. Como ele mesmo retomou em tuítes, no dia 10 de agosto, “A crítica que fiz sobre a burguesia industrial e a ilusão de soberania nacional em aliança com essa classe, embora tenha como foco o livro de Ciro, não serve só para ele. Serve para o petismo também e o desenvolvimentismo do PCdoB.[2] (…) O debate político e teórico sobre a soberania nacional, superação da dependência e enfrentamento ao imperialismo é amplo e tem longo histórico”[3].

O vídeo publicado pode ser compreendido em quatro grandes blocos: um primeiro bloco inicial, historicizando o período Vargas; um segundo bloco, sobre Brizola e o brizolismo enquanto movimento de massa; um terceiro e vasto bloco, que vai do meio até praticamente o final, onde a dependência e o subdesenvolvimento são abordados sob a perspectiva da Teoria Marxista da Dependência; e um quarto e último bloco, sobre a relação entre o nacionalismo revolucionário e o marxismo.

Aqui, iremos tratar brevemente apenas do primeiro e terceiro bloco. Em relação ao segundo bloco, lembraremos apenas que Ciro Gomes já veio a público, mais recentemente[4][5], para desferir elogios à Brizola, demonstrando um amadurecimento diante suas declarações de anos atrás; e, em relação ao quarto e último bloco, creio não haver nenhuma necessidade de contraposição.

O primeiro bloco, da maneira como foi construído, chama certa atenção para os caminhos escolhidos no percorrer da narrativa apresentada. De maneira relativamente discreta, o chamado pensamento uspiano[6] transparece – parcialmente, mas transparece – ao tratar a violência política durante o período varguista pelo vetor do autoritarismo, e ao ofuscar, sutilmente, as estruturas que estabelecem as condições para a emergência da violência. Em sentido similar, ressoa uma negação da violência como algo inerente à política e ao modo de produção vigente – o que, de maneira bastante peculiar, destoa de uma série de publicações e posicionamentos apresentados anteriormente pelo historiador.

Para evitar aprofundar um debate acerca das modalidades da violência, ou entrar no mérito da desconsideração da violência como uma espécie de produto da anomia, ou qualquer outro embate sobre a natureza da violência, gostaria apenas de lembrar como o século 20 produziu subjetividades bélicas, principalmente no chamado período entreguerras, e como isso refletiu até mesmo nas disputas entre as esquerdas.

Ora, o que foram as perseguições, os encarceramentos, e as execuções em massa de dissidentes de esquerda – anarquistas, socialistas revolucionários, comunistas, etc – protagonizadas por bolcheviques, especificamente pela Cheka, no que ficou conhecido como Terror Vermelho, durante a Guerra Civil Russa, ou mesmo durante as guerras internas no PCUS, e até por maoistas durante a Revolução Cultural?

Outra peculiaridade que chama certa atenção na historicização inicial do vídeo é a omissão de episódios importantes do período: as diversas tentativas de fundar um partido socialista antes e após a Revolução de 30; e a relação conflituosa de Getúlio com os integralistas. Em nenhum momento, os conflitos com integralistas, que resultaram em perseguições e até mesmo em execuções, foram mencionados.

Agora, quando chegamos ao terceiro e maior bloco – e mais importante dos blocos –, encontramos uma espécie de “falsa polêmica”: a de como a ausência de uma sustentação política debilita o projeto desde a sua concepção.

Como já foi tratado em textos anteriores[7][8][9], há um debate importante acerca de quais serão os agentes que atuarão politicamente para realizar uma possível ruptura, se esta for necessária diante de limites impostos pelo arranjo geopolítico vigente.

A partir daqui, levanto alguns questionamentos que acredito serem pertinentes para o debate. Se, de fato, houver uma necessidade de ruptura, uma vanguarda autoproclamada comunista será a realmente a mais capaz para tal manobra? Chegado o momento, serão os que se denominam comunistas que irão galgar o maior apoio popular? Mais importante do que esses questionamentos: apenas e somente comunistas estão aptos para lidar com a necessidade de uma ruptura, caso ela seja a única saída para a realização de um novo Projeto Nacional de Desenvolvimento?

Para alguns autores, o rompimento com a dependência, a possibilidade do desenvolvimento, e a radicalização para se impor diante do império nos países periféricos, só poderia ser verdadeiramente realizada por uma vanguarda comunista, como foi o caso da Rússia em 1917 e da China em 1949. No entanto, este olhar não retira de perspectiva apenas a experiência brasileira de Getúlio Vargas e a argentina de Juan Domingo Perón, como também a experiência indiana de Jawaharlal Nehru, a coreana de General Park Chung-hee e até mesmo a russa de Vladimir Putin.

Com isso, gostaria de afirmar que a realização de um novo Projeto Nacional de Desenvolvimento não depende necessariamente de um modelo específico de ruptura revolucionária; mas, ainda que o fosse, há um outro debate que precisa ser encarado: o da possibilidade da ruptura como germe intrínseco do Projeto Nacional de Desenvolvimento.

Por volta dos 47min do vídeo, Jones afirma que o projeto de Ciro é similar ao que levou Hugo Chávez, em 1998, ao governo, e que este se deparou com obstáculos impostos pela própria burguesia industrial nacional que procurava representar. Ora, se uma ruptura é realmente necessária, um projeto de desenvolvimento não criaria as condições necessárias para a possibilidade da radicalização?

De acordo com a análise apresentada, revelar o impasse nacional diante do arranjo geopolítico vigente e a necessidade da ruptura não estariam – de maneira intrínseca – no horizonte do Projeto Nacional de Desenvolvimento? Se as respostas para estes questionamentos é “Sim”, exatamente como Ciro já afirmou anteriormente[10], deixo um outro questionamento: qual é o medo, afinal?

E, para além destes questionamentos, como podemos ilustrar rapidamente a conjuntura atual? Bolsonaro e Paulo Guedes dilacerando a herança varguista para aprofundar a lógica da Casa-grande e Senzala no país; e uma oposição, concentrada na figura de Lula, um ex-presidente que esteve submetido ao Consenso de Washington e que, ao contrário da guinada para a esquerda – que jamais acontece –, se posicionou à direita até mesmo das novas orientações – críticas ao neoliberalismo – do FMI, ao discursar contra a taxação de grandes fortunas, por receio de uma suposta fuga de capitais.

Longe de estar provocando possíveis desavenças e aprofundando rivalizações, como muitos procuram estimular neste momento delicado do país, escrevo para contribuir com o debate e para ressaltar, mais uma vez, como o Projeto Nacional de Desenvolvimento continua sendo a única opção viável para o Brasil, com ou sem a necessidade de ruptura.

Quando a conjuntura exigiu, comunistas estiveram com trabalhistas e trabalhistas estiveram com comunistas. Se a ruptura for uma necessidade para garantir a nossa soberania nacional, nossos laços precisarão estreitar novamente.

Por Fábio Santos

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[1] https://youtu.be/IC_ArYeOiFQ
[2] https://twitter.com/_makavelijones/status/1424938333575294998
[3] https://twitter.com/_makavelijones/status/1424938591428522001
[4] https://youtu.be/Aq09tSDBugI
[5] https://youtu.be/yjFb6L68-oo
[6] https://youtu.be/os9rku7X3s4
[7] https://disparada.com.br/politicismo-vulgar-projeto-nacional/
[8] https://disparada.com.br/nacional-desenvolvimentismo-jones/
[9] https://disparada.com.br/politicismo-vulgar-getulio-vargas/
[10] https://youtu.be/-M0N99-l3PQ