Capitalismo: a sociedade produtora de “parasitas”

Capitalismo a sociedade produtora de “parasitas”
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O filme “Parasita”, filme premiado e grande vencedor do Oscar desse ano, começa com a cena de uma família sul-coreana, que vive em condições extremamente precarizadas, desumanas, típico das sociedades capitalistas pós-fordistas de políticas neoliberais. A cena inicial do filme começa com o filho reclamando da falta de sinal de internet, e o pai orientando como “roubar” o sinal de internet do vizinho. Posteriormente, uma dedetização que ocorre na rua faz com que o pai ordene que as janelas fiquem abertas para terem dedetização gratuita, pois há muitos insetos dentro da casa. Um bêbado urinando perto de sua janela é a cena rotineira.Todas as ações da família são orientadas para terem o minimo de condições de subsistência. Com uma família de desempregados, essa vida passa a mudar com um amigo do filho que lhe oferece a oportunidade de um emprego, como professor de inglês, para uma aluna sua rica.

Capitalismo: a sociedade produtora de “parasitas”

A partir do momento que ele passa a dar aulas, a trama continua com o filho conseguindo o emprego e depois sua irmã, que vai dar aulas de arte. Posteriormente, toda a família consegue emprego na casa dessa família. Essa relação entre as duas famílias, a família rica e a família pobre, que denominarei de família “burguesa” e família “proletária”, sabendo que a relação ricos e pobres não corresponde a proletariado e burguesia, farei tal analogia apenas para expor o que penso retratar o filme. Burguesia e proletariado, a família proprietária dos meios de produção, da casa, e a família vendedora da força de trabalho, os empregados. Ambos formam, nessa relação entre eles, aquilo que Marx chamou de sujeito automático[1], o metabolismo social que condiciona todos os indivíduos, classes e grupos sociais à lógica da valorização do valor e à luta pela distribuição do mais valor.

“Marx caracteriza explicitamente o capital como a substância em processo que é o sujeito. Ao fazê-lo, Marx sugere que um sujeito histórico no sentido hegeliano existe realmente no capitalismo, mas ainda assim ele não o identifica com nenhum grupamento social, como o proletariado ou a humanidade.pelo contrário, Marx o analisa em termos da estrutura de relações sociais constituídas pelas formas de prática objetivante e apreendidas pela cateogira do capital (e, portanto, valor)”[2].

Ambos constituem esse organismo vivo, que suga trabalho vivo de trabalho morto, atravessado pela ação dos “parasitas”. Tanto a família “proletária”, que busca tirar vantagem da família rica, quanto a família “burguesa” que explora a família de trabalhadores, passam a ter uma relação aos poucos de afeto. O filho passa a namorar a filha burguesa, o pai proletário considera a mãe burguesa gentil. A família burguesa é vista como boa. Ambos tem estilos de vida antagônicos, opostos, mas a casa passa a ser esse ambiente em que o antagonismo real adquire a forma fantasmagórica de feitiço de mercadoria, a família “proletária” sonha em entrar permanentemente naquela vida. O que faz dos empregadores legais é o fato de serem ricos. Nesse caso, a luta de classes tornou-se o motor do capital, a relação entre as famílias torna-se metabólica. O tipo de crítica marxista baseada na luta de classes não existe no filme, as duas classes sociais não se odeiam, são antagônicas, com estilos de vida distintos e opostos, mas ambas querem viver na casa. A conversa entre os familiares “proletários” sobre o filho casar com a filha dos donos da casa, da filha sendo imaginada pelo irmão na banheira da casa, etc. A mãe afirmando que são gentis porque são ricos. Esse é o fetichismo da mercadoria. A constituição do sujeito automático é derivada do fetichismo da mercadoria, que constitui os indivíduos em sujeitos da valorização do valor, ou seja, “parasitas” do sujeito automático. Tudo soa belo com os novos empregos, a casa, o capital, é o desejável. Isso rompe drasticamente com o mito da “luta de classes como motor da história”.

O caráter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete aos homens os caracteres sociais de seu próprio trabalho como caracteres objetivos dos próprios produtos do trabalho, como propriedades sociais que são naturais a essas coisas[3].

No decorrer do filme, essa harmonia acaba. A família “proletária” descobre no porão da casa de seus patrões um casal que lá mora escondido. O “parasita” não é algo que veio de fora, já está dentro. A crítica não é meramente de classes, em que o “mundo externo” da casa invade para destruir ela. Foi a tentativa de denunciar o casal do porão pela família “proletária”, com a finalidade de encobrir a crise imanente do capital, a origem dos “parasitas” da casa e que desencadeou todas as tragédias finais do filme. Atordoados com o fetiche da mercadoria, o capital passa a ser desejável por explorados e exploradores, e a contradição imanente é fetichizada. Com a descoberta dos moradores do porão, os planos que o pai da família “proletária” fazia passam a perder sentido, o antagonismo começa a virar uma contradição. Na cena da sua patroa conversando no celular agradecendo ter chovido, que inundou a casa da família “proletária”, gera uma perda de simpatia que existia. A partir da contradição imanente desvelada, os moradores do porão, a relação das famílias transforma-se em uma contradição. Com o ataque de facadas do morador do porão da casa, revoltado com o assassinato da mulher, o pai da família “proletária” chega a matar o pai da família “burguesa” na confusão de facadas e sangue que se segue. O antagonismo só se tornou aberto e claro com a contradição sendo exposta. Esse é o movimento do sujeito automático de Marx, uma contradição em processo, que constrói suas condições de produção e reprodução (a relação antagônica entre as duas famílias, classes) e se autodestrói. Esse lado destrutivo, que é a teoria da crise de Marx, rompe com a identidade entre os opostos do sujeito automático e o ciclo do capital deve ser reconstruído.

Após a cena do assassinato do patrão, o pai que era motorista da família foge e desaparece. Seu filho sobrevive e o pai reaparece no fim morando no porão da casa que estava vazia. O pai representa hoje o que a Nova Leitura de Marx representa no marxismo, o deslocamento da crítica a partir da luta de classes, a uma crítica imanente da sociedade capitalista a partir do caráter contraditório da forma mercadoria.

Por Adriano Camargo Barbosa Dos Santos

Referências

Referências
1 “(…) o sujeito histórico analisado por Marx é composto por relações objetivadas, as formas categorias subjetivo-objetivas características do capitalismo, cuja `substância`é o trabalh abstrato, ou seja, o caráter específico do trabalho como atividade socialmente mediadora no capitalismo” (POSTONE; Moishe. Tempo, trabalho e dominação social. 1 ed., São Paulo: Boitempo, 2014, p.97).
2 POSTONE; Moishe. Tempo, trabalho e dominação social. 1 ed., São Paulo: Boitempo, 2014, p.96.
3 MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política : Livro I: processo de produção do capital, São Paulo, Boitempo, 2013, p.147.