O que os candidatos pensam sobre cultura?

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Roda de Samba - Carybé
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A cultura é o eixo central da identidade nacional. Muitas vezes esquecida nos anos eleitorais, tem a pecha de não resultar em votos e costuma ser lembrada por custar caro e fornecer subsídios para quem não precisa deles. Com a demonização do chamado mecenato – financiamento privado por meio de isenções fiscais – o debate cultural ficou restrito aos moralismos do MBL e dados falsos da Lei Rouanet.

Num país em que parte significativa da juventude é acolhida pelo crime, a política cultural deveria  ser um dos braços de um Estado mais preocupado em prevenir do que somente reprimir. A educação cultural nas escolas foi quase esquecida pelos candidatos analisados nesta coluna, que comparou e irá destacar alguns pontos dos 5 principais pleiteantes ao planalto.

ALCKMIN

Quem observa o plano de governo de Alckmin, espanta-se pela concisão: 13 páginas. Destas 13, 3 são de banners e imagens. Um candidato que quer resolver o país em 10 páginas não deveria ser digno de menção. É desrespeitoso. Alckmin deveria assumir que seu programa de governo já está sendo implementado. É o de Temer.

A palavra cultura não é citada em seu plano de governo, que está mais preocupado em vender o Brasil por um punhado de trocados à “ver essa gente bronzeada mostrar seu valor”. O mais próximo de “arte” que vemos em seu programa são os banners de mau gosto e em tamanho desproporcional. É melhor que Alckmin não fale de cultura mesmo. Para o bem de ambos.

BOLSONARO

Outro que não propôs nada foi o candidato Jair Bolsonaro. Aliás, justiça seja feita, ele cita “cultural” ao se referir ao Marxismo Cultural. Seu programa inclusive é conhecido pela psicodelia argumentativa que permeia o debate nacional. É uma corrente de “zap” traduzida para a linguagem formal.

CIRO GOMES

Ciro Gomes abre seu programa de cultura dizendo que política cultural vai além do mecenato. Tem muita influência do pensamento de Mangabeira Unger, principalmente na luta contra os “padrões de consumo e estéticas estrangeiras”. É obsoleto quando fala em pirataria, não pela relevância, mas pela relação pirataria na cultura x narcotráfico, com conceitos bem nebulosos e que fariam mais sentido numa candidatura em 2010. Como todos os outros programas de seu campo, faz questão de mencionar o aumento de verba para a pasta, bem como a centralidade da última no futuro governo. Uma coisa curiosa foi o programa nacional de banda larga, que faz parte da estratégia de cultura de Ciro. Se antes fora obsoleto quanto à pirataria, agora é vanguardista no tratamento da inclusão digital como inclusão cultural. No mundo de hoje, a cultura é consumida majoritariamente pela internet. Dialoga com Marina nas “práticas sustentáveis” e na “economia criativa”. Dialoga mais ainda com o PT quanto à decentralização das políticas culturais, visando maior efetividade.  O programa de cultura de Ciro é pouco pragmático, diferentemente do resto de sua carta, que atenta mais cuidadosamente sobre os percalços da gestão pública.

HADDAD

O Programa de cultura de Haddad é o mais completo. Possui algum exagero característico do lulismo, principalmente quanto a um “passado de glórias” do setor cultural, supostamente desmontado pelo governo Temer. Sabemos que Temer sucateou todo o país, mas definitivamente a cultura no Brasil jamais tivera metade do apoio necessário nos governos petistas. O programa começa versando sobre uma antiga “estética inovadora e vanguardista” atropelada por Temer. É desnecessário dizer que a última coisa que passou por aqui nas últimas décadas foi uma “estética inovadora e vanguardista”. Longe disso. Muito longe disso. O oposto, para ser mais exato.

De volta ao programa, exageros à parte, o PT promete enfrentar os monopólios da indÚstria cultural com o Sistema Nacional de Cultura. Também promete inovar na arrecadação e nas políticas de direitos autorais – com ênfase no ambiente digital – sempre problemática por estas bandas (inclusive quando o maestro era do Partido dos Trabalhadores e quando a música era analógica).

No audiovisual o programa é mais encorpado. Fala do papel da cultura nas relações internacionais e da preservação e difusão como questão de soberania nacional. Junto com Marina, o programa fala diretamente sobre a preservação de Museus, com verbas para o IPHAN e IBRAM. Também parece preocupar-se com a ampliação da participação de mulheres e negros no audiovisual brasileiro, com programas afirmativos nestes ambientes, ainda que não sejam especificados quais.

MARINA SILVA

A carta de Marina Silva é mais vaga. Apresenta diretrizes gerais e dá espaço para generalidades como “ De acordo com pesquisa sobre hábitos culturais, os brasileiros gostam de ler, ir ao cinema, a shows de música, festas populares e feiras de artesanato”. Os brasileiros não parecem gostar muito de ler, infelizmente. Nos rankings de leitura sempre ficamos para trás. O cinema também, e dessa vez não é por culpa do nosso sofrido povo. As redes de cinema cartelizaram o mercado e faz um bocado de tempo que ir ao cinema custa caro. Os streamings tomaram conta do mercado, com sua produção menos nacional que o já precário mercado das salas de cinema. Também fala em “fomento à produção por meio de editais e bolsas”. Não diz como nem quanto. Tampouco explica qualquer metodologia mínima, apesar de parecer de boa vontade. Compromete-se a “proteger o patrimônio e a história nacional, oferecendo condições de funcionamento a museus e arquivos, bem como valorizar os registros escritos, sonoros e visuais das tradições orais e produção contemporânea”. Uma preocupação justa. Pelo menos isso. Termina citando o tripé: startup, organização em redes e economia colaborativa, que permeia todos os pontos do programa de Marina.

Dos 5 programas analisados, apenas 3 deles possuíam políticas culturais. Mais do que um sintoma, vemos a materialização da globalização cultural, que nos vomitou todo lixo mastigado pelo andar de cima nos submundo dos trópicos. A crença no mercado como único motor da economia cultural esvazia as noções de cultura nacional, regional e de vanguarda. A criação combativa não dá dinheiro.

Em 2018, a cultura mais uma vez está jogada às traças. Ao relento do mercado vil, vimos a nossa história arder no fogo da omissão. Não há mais tempo.