A ode de Bolsonaro à tortura

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Não é de hoje que circulam nas redes sociais diversos discursos de Jair Bolsonaro (PSL) favoráveis à ditadura militar no Brasil. Em algumas oportunidades, o capitão, inclusive, deixa clara sua admiração pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Em suas falas, Bolsonaro afirma ser simpatizante da tortura e sustenta que “o voto não vai mudar nada nesse país”. A única mudança, para o presidenciável, se daria “fazendo o trabalho que a ditadura não fez, matando uns 30 mil”.

Cenas do filme, baseado na obra de Frei Beto, “Batismo de Sangue” (2007), no qual o personagem interpretado pelo ator Caio Blat é torturado a choques pendurado em um pau-de-arara

Ustra, entre setembro de 1970 e janeiro de 1974, foi chefe do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna) do II Exército, em São Paulo, órgão de repressão política durante a ditadura militar. Essa foi a época de plena vigência do Ato Institucional nº 5, um dos momentos mais sombrios da ditadura militar, que deu poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente aqueles considerados como inimigos do regime.

À frente do DOI-CODI, Ustra ficou conhecido como Major Tibiriçá e, de acordo com levantamento realizado pelo projeto “Brasil: Nunca Mais”, foi responsável por 502 casos de tortura e de mais de duas mil prisões políticas. Referido projeto foi desenvolvido na clandestinidade entre 1979 e 1985 por Dom Paulo Evaristo Arns, Rabino Henry Sobel, Pastor presbiteriano Jaime Wright, entre outros que compuseram a equipe.

A ex-presidente Dilma foi umas dessas 2000 pessoas detidas. Ustra protagonizou o comando às torturas sofridas por Dilma.

dilma durante a ditadura
Dilma Rousseff sendo interrogada por funcionários da ditadura

Lembremos que Bolsonaro, de modo planejado e cruel, dedicou seu voto pelo impeachment de Dilma à memória de Ustra: “Pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, por um Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim”.

Esse discurso rendeu ao deputado um processo de cassação do mandado por quebra de decoro parlamentar, feito pelo Partido Verde. Por 11 votos a 1, contudo, o processo foi arquivado pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Durante as sessões da Comissão de Ética, Bolsonaro defendeu que Ustra era, em realidade, um herói brasileiro. Já na fase do período eleitoral, em entrevista concedida ao programa Roda Viva, Bolsonaro afirmou que seu livro de cabeceira é “A Verdade Sufocada”, versão do coronel Ustra sobre a ditadura.

Também foi nas instalações do DOI-CODI do II Exército que Vladimir Herzog, em 1975, foi torturado e morto. Jornalista, professor e dramaturgo de origem Iuguslava e naturalizado brasileiro, Herzog compareceu ao órgão para prestar esclarecimentos sobre sua ligação com o Partido Comunista Brasileiro e de lá saiu morto. A morte foi noticiada como suicídio, como muitas outras.

vladimir herzog morto pela ditadura
Vladimir Herzog morto na cela

Amelinha Teles, à época militante do  Partido Comunista do Brasil (PCdoB), foi presa em 28 de dezembro de 1972, Amelinha foi levada à Operação Bandeirantes (Oban) e torturada pessoalmente por Brilhante Ustra.

“Eles colocam muitos fios elétricos descascados dentro da vagina, colocam dentro do ânus. Você grita de dor, perde o equilíbrio e cai no chão”, diz Amelinha. “Eles vêm em cima de você, para te estuprar”.

Seu marido César Augusto Teles e seu companheiro de militância Carlos Nicolau Danielli também foram levados ao órgão de repressão. Amelinha assistiu ao assassinato de Danielli. Seus filhos, Edson e Janaína, então com 4 e 5 anos, foram sequestrados e levados à Oban, onde viram os pais serem torturados.

“O momento de maior dor foi ver Ustra levando os meus dois filhos, assim, na sala de tortura, onde eu estava nua, vomitada, urinada”, conta. Sua filha, Janaína, diz se lembrar “de entrar na cela e ver meus pais sem se mexer, muito machucados”.

Em 2006, Ustra disse que “excessos em toda guerra existem, podem ter existido, mas a prática de tortura como eles falam não ocorreu. Eu efetivamente não cometi excesso contra ninguém”.

Em 2013, no seu depoimento na Comissão  da Verdade, afirmou que não houve mortes dentro das instalações que comandava e que apenas cumpriu ordens. “Quem deveria estar sentado aqui é o Exército Brasileiro, não eu”, disse ele que, inclusive, entrou na Justiça para ficar em silêncio.

A Comissão Nacional da Verdade, entretanto, apurou ao menos 45 mortes e desaparecimentos forçados por ação de agentes subordinados ao coronel.

Em 2008, Brilhante Ustra foi o primeiro militar reconhecido pela Justiça como torturador durante o período da ditadura militar. A sentença o condenou pelas torturas sofridas por Amelinha Teles, César Augusto Teles e Criméia de Almeida, em 1972, nas dependências do DOI-CODI de São Paulo. Em agosto de 2012, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve a sentença que o responsabilizava por crimes de tortura a presos políticos. Por unanimidade, o recurso do coronel teve seu provimento negado.

Ainda ontem (16), o TJ-SP extinguiu um processo contra o Brilhante Ustra pela tortura e assassinato do jornalista Luiz Eduardo Merlino, em 1971. A família pedia indenização de R$ 100 mil. Em 2012, o coronel havia sido condenado, mas agora o tribunal considerou o caso prescrito.

Cabe aqui comentarmos que o historiador americano David Duke, ex-líder da Ku Klux Klan (KKK), durante o programa de rádio que comanda fez um comentário sobre a política brasileiro. Referindo-se a Bolsonaro, afirmou que: “Ele soa como nós. E também é um candidato muito forte. É um nacionalista”, apesar de não concordar com a proximidade do candidato com Israel.

O grupo racista KKK começou a atuar em 1865 nos Estados Unidos. Seus membros se valiam de capuzes brancos para proteger sua identidade e fazer com que parecessem ainda mais assustadores para suas vítimas. Defensores da supremacia branca sobre os negros e judeus, o grupo foi responsável ​​por muitas das torturas e linchamentos que ocorreram com os negros no país.

A tortura é uma das mais terríveis e abomináveis práticas, conforme indicam as legislações, tratados e convenções internacionais. O cerne da Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que:

“Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.”

Enaltecer a ditadura, portanto, é endossar o legado de um Estado de exceção e absoluta violência.

A ditadura ocorrida entre 1964 e 1985 foi um dos mais tristes e deploráveis episódios de nossa história. Uma página que hesita em não ser virada e que agora conta com um porta-voz cuja visibilidade torna essa possibilidade um tanto mais distante.

Por: Camila dos Santos