Banco Central privatizado aumenta a SELIC desnecessariamente

Banco Central privatizado aumenta a SELIC desnecessariamente
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Não é de hoje que o Banco Central capturado pelos interesses do rentismo financista vêm destruindo a economia brasileira. O aumento da Selic para 13,75% determinado na reunião do Copom desta quarta-feira (04/08), crescimento de 0,50 pontos percentuais, não é só mais um capítulo no suicídio econômico do Brasil: é um atentado contra nossa soberania.

Para todos os militantes trabalhistas que leram o livro de Ciro Gomes ou assistiram praticamente qualquer conteúdo do candidato nacionalista, o que aconteceu nos corredores opacos do Banco Central não é nenhuma novidade. Desde a consolidação do modelo neocolonial do tripé macroeconômico, a taxa básica de juros, a Selic, cumpre uma dupla função. Em primeiro lugar, assegura o apoio político dos grandes oligopólios de rentistas que dão “governabilidade” por meio do imenso poder de lobby – sobretudo o da embaixada de Washington. Em segundo lugar, mantém estável a taxa de câmbio ao atrair capital especulativo de curto prazo em busca de uma rentabilidade quase absurda em um mundo com taxas básicas de juros reais negativas.

Para fins de comparação, vejamos o caso canadense:

Banco Central privatizado aumenta a SELIC desnecessariamente

A taxa nominal de juros do Bank of Canada – banco central da colônia britânica na América do Norte – está em violeta no gráfico acima, enquanto em azul claro temos a taxa real, isto é, descontada da inflação, que está fortemente negativa, apesar dos aumentos acentuados da taxa básica naquele país.

O Canadá está longe de ser exceção. Desde o subprime em 2008, taxas básicas de juros negativas em termos reais tornaram-se praticamente a norma no centro do capitalismo mundial, seguindo uma tendência inaugurada pelo Japão mais de duas décadas antes da grande crise financeira. Como em todos os demais tópicos, a pandemia funcionou mais como um acelerador do que como o inaugurador de uma nova tendência. As taxas se tornaram ainda mais negativas.

Isto é um fenômeno complexo da qual não podemos desligar o aumento da inflação estadunidense, com reflexos mundiais. O índice básico de inflação dos EUA, o CPI, atingiu patamares inéditos desde a implementação do neoliberalismo nos governos de Carter e Reagan. Não só isso: a trajetória declinante da taxa de lucro mundial se agravou e com ela o aquecimento das disputas geopolíticas e geoeconômicas, impactando as cadeias produtivas fortemente mundializadas após o colapso da URSS, influenciando a trajetória de subida de preços. Somam-se a isso as agressões imperialistas na Ucrânia que inicialmente provocaram subida nos preços das commodities energéticas – tendência que parece estar se revertendo agora, com alguns indicativos de queda no preço de todas as commodities.

É esse agudizamento do conflito geoeconômico que precisamos acompanhar com mais atenção para entender o fenômeno da inflação mundial. Até agora, o governo de Biden procurou sem sucesso repetir a fórmula de Reagan nos anos 80 com os Acordos de Plaza e reestruturar a economia mundial para atender os interesses de parte da plutocracia estadunidense. Os diversos pacotes de caráter “keynesiano” que seu governo tentou implementar esbarraram no obstáculo aparentemente intransponível da virtual guerra civil que divide os Estados Unidos. A resposta é a que estamos assistindo agora: mais imperialismo. A viagem de Pelosi para Taiwan se insere nesse contexto.

Nesse cenário de conflagração mundial, nossos plutocratas financistas decidem seguir à risca a cartilha neoliberal em um mundo que nunca se adequou a ela – e agora, ainda menos. O objetivo é claro: manter nossa economia escancarada, pronta para ser saqueada pelas potências imperialistas. Um país de renda média com mais de 210 milhões de habitantes é o paraíso para a rápida valorização de capitais em um mundo de taxas de lucro declinantes e assegura um mercado cativo de um Brasil desindustrializado para a produção dos países centrais. Para isso, precisam do Real valorizado acima do necessário para o equilíbrio industrial, que funciona como subsídio implícito para as indústrias estrangeiras contra nossos empresários e trabalhadores.

Ainda pior é o projeto nada velado de argentinização do Brasil, com a instituição de uma dolarização paulatina. Se a conta de capitais aberta foi um flagelo que devastou o Brasil por mais de 30 anos, a permissão para abrir contas em dólares para pessoa física acabará com os últimos resquícios de política monetária na mão do governo eleito pelos brasileiros. Quando tivermos que comprar imóveis com dólares em papel já seremos uma colônia completa – ou já não o somos?

Do governo colonial de Guedes-Bolsonaro nada se espera, pois foram colocados no Planalto para tocar essa agenda de destruição dos últimos resquícios de nossa soberania econômica. Menos ainda podemos esperar de um eventual governo petucano. O ex-ministro Nelson Barbosa já fez questão de dizer que a política macroeconômica de Lula caso eleito será ainda mais neoliberal, preparando-se para mais “aperto fiscal” (palavras do próprio petista) e de uma Selic “elevada por algum tempo, provavelmente até meados do próximo ano” – no típico tom de “já ganhou” que a candidatura dos banqueiros vem mostrando por todo este ano eleitoral.

A hipocrisia do comunicado do Copom é gritante. Diz que “já estamos à frente da curva de juros”, o que significa inflexão da trajetória de subida. O interessante disso é que já contém nela mesma a confissão de sua mentira: a inflação brasileira dos últimos anos nada tinha a ver com uma demanda aquecida que poderia ser curvada pelos juros. Sempre foi a atração de capitais especulativos para manter o câmbio valorizado o real objetivo. E é também evidente para qualquer um moderadamente informado que as razões da inflação mundial elevada não estão nem perto de passar. Se antes era o petróleo, no futuro imediato serão os manufaturados de alta complexidade tecnológica os culpados pela inflação. O problema na verdade é o conflito distributivo e geoeconômico acirrado. O retorno da “deterioração dos termos de intercâmbio” dos cepalinos será um gancho de direita no queixo de um Brasil prostrado pelo neoliberalismo.

Com exceção de Ciro Gomes, todos os demais candidatos já se ajoelharam frente ao altar do neoliberalismo – um deus moribundo, mas que ainda cumpre a função de ajudar a submeter nosso canto do Terceiro Mundo. Justo no momento que a ruptura da Ordem Neoliberal oferece oportunidade únicas para o Brasil se reposicionar de modo soberano na economia mundial. Daí que cabe nosso eterna pergunta:

Quando voltaremos a pensar o Brasil estrategicamente?