As visitas de Lula e a isonomia às avessas

A ex-presidente Dilma e outros políticos aliados de Lula são impedidos de visitá-lo na PF
A ex-presidente Dilma e outros políticos aliados de Lula são impedidos de visitá-lo na PF em Curitiba. Foto: Ricardo Stuckert
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A ex-presidente Dilma e outros políticos aliados de Lula são impedidos de visitá-lo na PF
A ex-presidente Dilma e outros políticos aliados de Lula são impedidos de visitá-lo na PF em Curitiba. Foto: Ricardo Stuckert

Nas últimas semanas, em razão da prisão do ex-presidente Lula, foi provocada a discussão acerca da possibilidade de restrição de visitas às pessoas presas.

Após diversos pedidos de visita de amigos ao petista, a juíza da 12ª Vara Federal determinou que apenas família e advogados poderiam visitar Lula, justificando que alterar tal entendimento seria um “alargamento” de regras, que pode prejudicar o funcionamento da unidade prisional.

Ocorre que, em que pese na prática ficarem restritas as visitas aos presos aos familiares e advogados, tal restrição não possui respaldo no ordenamento jurídico. Pelo contrário, a Lei de Execuções Penais prevê, em seu artigo 41, inciso X, que constitui direito do preso “visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados”. Ou seja, não apenas não é vedada a visita de amigos, como este é um direito conferido à pessoa encarcerada.

Sendo assim, fácil concluir que, na verdade, permitir que amigos visitem o ex-presidente não consistiria em um alargamento de regras, mas a não permissão, sim, consiste em uma restrição de um direito que é assegurado pela legislação.

É sabido que não apenas este, mas diversos outros direitos são simplesmente ignorados e negados às pessoas que sofrem com a prisão. Na maior parte das vezes, o próprio judiciário encara direitos como “benefícios” dados aos detentos, o que faz com que argumentos como os proferidos pela juíza da 12ª Vara Federal sejam naturalizados e pouco problematizados.

No entanto, no caso específico da visita de amigos e parentes, uma das ditas funções da pena, qual seja a ressocialização do indivíduo, é invertida, uma vez que não há lógica em apartar totalmente da sociedade – principalmente de amigos e familiares – a pessoa que se pretende reinserir socialmente e, nesse sentido, a visita constitui direito indispensável até mesmo à manutenção da própria justificação do sistema de encarceramento.

O juízo de execução que proferiu a decisão referente ao ex-presidente Lula entende que basta que seja assegurado o núcleo mínimo de visitas constante da Constituição Federal, em seu artigo 5º, LXIII, que assegura que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Entretanto, o que regula o direito à visita é a Lei de Execução Penal, tratando o citado inciso da Constituição de assistência, não havendo confusão entre uma coisa e outra.

Ademais, entende também a juíza da 12ª Vara Federal que o parágrafo único do artigo 41 da Lei de Execução Penal estabelece que o direito previsto pelo inciso X (citado acima) não é absoluto, porém o parágrafo único de referido artigo determina que o direito de visita poderá ser suspenso ou restringido mediante ato motivado do diretor do estabelecimento prisional, o que não ocorreu no caso em questão, pois não se pode considerar a alegação genérica de que existem “limitações implícitas inerentes à execução da pena” consiste em um ato motivado apto a restringir o regime de visitação.

Como mencionado, o entendimento de que a visita deve ser limitada a familiares e advogados é recorrente e até mais gravoso do que o conferido a Lula, pois até mesmo o grau de parentesco entra como critério para inserção dos familiares no rol de visitantes do preso.

Foi em razão desta limitação que recentemente houve julgamento, pelo STJ, de um recurso em mandado de segurança impetrado com a finalidade de que fosse conferido à tia de um preso o direito de figurar no rol de visitantes de seu sobrinho. O direito lhe havia sido negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que se baseou em uma resolução da Secretaria de Administração Penitenciária, a qual apenas admite a inclusão de parentes mais distantes (que não tenham até o segundo grau de parentesco e não sejam cônjuge ou companheiro(a) da pessoa presa) no rol de visitas, na falta dos mais próximos.

A 5º turma do STJ, por unanimidade, entendeu que a visita ao preso não pode ser limitada por grau de parentesco, sendo tal medida irrazoável. O ministro relator do caso, Reynaldo Soares da Fonseca, em seu voto, afirmou que não cabe à autoridade prisional definir o nível de importância dos parentes dos presos, determinando que alguns teriam mais direito a visitá-los.

Assim, discutir a possibilidade de visita por parte de amigos ou quem quer que seja às pessoas presas deve levar em conta, principalmente, a vontade do preso, pois impossível determinar por meio de uma resolução ou mesmo de um dispositivo legal quem seria suficientemente importante a quem recebe a visita. É necessário que se entenda que apesar do fato de haver cerceamento da liberdade, a pessoa presa permanece titular de todos os demais direitos inerentes a todos os seres humanos, não cabendo a justificativa genérica de haver limitações implícitas à execução da pena.

O fato de ter sido proferida a decisão que veda visitas ao ex-presidente, mesmo sem querer, escancara a fragilidade da aplicação das garantias legais às pessoas presas, pois como que dando um tiro no próprio pé, o argumento mais “aceitável” para justificar a restrição com relação a Lula é o fato de tal tratamento ser conferido a todos os demais encarcerados. Há uma tentativa de utilizar o princípio da isonomia às avessas e, o pior, tem quem compre esse discurso.