A Luta Antirracista e a Luta pela Igualdade de Gênero são fundamentais

A Luta Antirracista e a Luta pela Igualdade de Gênero são fundamentais
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O Professor Silvio Luiz de Almeida narrou em entrevista concedida ao Programa Roda Viva que “é impossível pensar a dimensão da luta antirracista se não houver também uma luta pela igualdade de gênero, isso é fundamental”. Esta afirmação é extremamente importante, porque ser mulher negra apresenta especificidades.

Apesar da Constituição Federal de 1988 estabelecer o repúdio ao racismo (artigo 4º, inciso VIII), bem como a igualdade entre todas as pessoas (artigo 5º), ainda se reproduz de forma normal e natural a inferiorização dos negros e das mulheres.

Silvio Luiz de Almeida apontou em sua obra O que é racismo estrutural? (2018) que o “racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam”, bem como que o acúmulo do racismo com o gênero – “causas acumulativas” – coloca o sujeito em situação ainda pior. Quanto mais causas acumulativas esse sujeito tiver como estar no grupo de deficientes, pobres e LGBTQIA+, com certeza, estará submetido a discriminações e preconceitos que o afastam do reconhecimento de qualquer cidadania.

Assim, dentre tantas condições de vulnerabilidade, destaca-se o grupo das mulheres negras, que sempre estiveram a frente das lutas de combate ao racismo, mas sem o reconhecimento de sua igualdade tal como dos homens negros. Isso fica evidente na série transmitida pela Netflix chamada A vida e a História de Madam C. J. Walker, em que a Madam C. J. Walker, interpretada por Octavia Spencer, é impedida de apresentar o seu produto como empreendedora aos grandes empreendedores negros dos Estados Unidos da América, no começo do século XX, sob o argumento de que as mulheres não devem estar visíveis de forma igual ou superior aos homens, mas restritas à cozinha. A pergunta feita pelo empresário negro foi “Como seremos levados a sério se deixarmos as mulheres nos superarem?”

No livro Uma Autobiografia, Angela Davis afirmou que o movimento negro lutava contra as práticas racistas, porém reproduzia as estruturas de dominação de gênero, a tal ponto que as considerações das mulheres e a sua liderança não era apresentada como algo válido. Quer dizer, ainda que as mulheres lutassem contra o racismo, elas tinham de ser lideradas por homens, e havia a justificativa de que os homens brancos não respeitariam os homens negros se não houvesse essa divisão.

No mesmo sentido, Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg, no livro Lugar de Negro apontaram que havia um lugar social e político para os negros, bem como que a divisão do trabalho desse grupo era realizada a partir do gênero, de modo que as mulheres ocupavam massivamente as funções domésticas.

A percepção dessas duas autoras é referente ao final do século XX, anos de 1980-1990, porém persiste até os dias de hoje, de modo que o Josué Mastrodi e eu pudemos apontar no artigo O dever de desguetização em favor das mulheres negras, publicado na Revista de Direito da Cidade, que “para as mulheres negras, o racismo existente em muitos setores da sociedade brasileira é naturalizado e normalizado por expressões e comportamentos racistas, de maneira que, na prática, elas estão entre os que possuem menor remuneração, o que torna mais difícil a sua qualificação, assim como também não assegura a possibilidade de ascensão social e econômica”.

Segundos os dados do IBGE e do IPEA, as mulheres negras possuem maior taxa de mortalidade, menores salários e estão mais propensas a sofrerem violências. Além de sofrerem violências, são consideradas, em vez de vítimas, culpadas pelas agressões, preconceitos e discriminações.

Ainda, as mulheres negras são as que carregam sozinhas todos os problemas familiares, uma vez que o seu companheiro, os seus irmãos, ou seus filhos são objeto de perseguição policial sistemática, até o encarceramento ou assassinato.

Todos os dados apontam que as mulheres negras é o grupo que possui menor acesso aos bens e serviços públicos, e isso não é uma questão de classe, é evidentemente um fator racial. Nesse momento que lutamos para sobreviver à pandemia causada pela COVID-19 essa realidade talvez tenha ficado nítida, inclusive porque os componentes menos favorecidos da sociedade estão sendo esmagados com a desigualdade, o medo e a insegurança.

O número de mulheres negras sujeitas a contaminação pela COVID-19 tende a ser mais elevado do que o da população branca, porque as mulheres negras integram o grupo de trabalhadoras de serviços essenciais como portaria, vigilância e técnica de enfermagem. Ainda, têm aquelas que fazem a prestação de serviços como diaristas, pois, apesar de não ser essencial, ainda são convocadas pelos seus empregadores para realizarem esses serviços não-essenciais.

O Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010) prescreve, em seu artigo 1º, inciso I, que a desigualdade de gênero e raça existe a partir do momento em que se acentua a distância social entre as mulheres negras e os demais grupos da sociedade.

Não adianta promover uma luta antirracista que não compreende e enfrente a estrutura patriarcal que insiste em manter as mulheres negras afastadas das reflexões políticas, sociais e econômicas, assim como dos serviços e bens públicos de qualidade.

Estamos aqui para mostrar que a luta antirracista é realizada por mulheres negras e homens negros. Não queremos ser os homens, queremos ter os mesmos direitos. Para começar, tanto mulheres negras quanto homens negros queremos ter os mesmos direitos conferidos aos brancos.

Vidas negras importam!

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