As ações populares contra a privatização da Vale do Rio Doce continuam

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Sede da Vale Foto: REUTERS/Pilar Olivares
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Após 22 anos, as ações populares que questionam a privatização da Vale do Rio Doce continuam em tramitação e aguardam o julgamento de um agravo de instrumento no STJ, para retornarem à 1ª.Vara Federal de Belém/Pará e para que seja realizada de uma perícia sobre o patrimônio da referida empresa e a apreciação dos seus fundamentos que questionam a nulidade da privatização.

Em 1997, ocorreu o leilão, com a venda do controle acionário da empresa (41,73% das ações ordinárias), por R$3.338 bilhões.

Na época muitas manifestações contrárias ao leilão ocorreram em todos os Estados. Dezenas de ações populares foram propostas por patriotas brasileiros em vários estados, antes do leilão. Estas foram remetidas à Belém do Pará, por uma manobra jurídica. O juiz da Vara Federal, em 2002, julgou Improcedentes cinco ações e extinguiu as restantes sem a apreciação do mérito, entendendo que o fato estava consumado, face o leilão já ter sido realizado. O processo seguiu para o Tribunal Regional de Brasília (TRF1) e a quinta turma, em 2005, anulou a decisão que extinguia os processos e determinou que os processos deveriam retornar ao juízo de origem para que fosse feita uma reavaliação do seu patrimônio e que fossem apreciados todos os fundamentos e pedidos das ações populares.

Os réus entraram com recursos contra esta decisão, contudo, estes recursos ficaram sobrestados (suspensos de apreciação) pois, também ajuizaram, uma reclamação onde se pretendia, que todas as ações tivessem um julgamento uniforme, devendo serem julgadas improcedentes. Esta reclamação já foi julgada pelo STJ e STF.

O TRF1( Brasília) indeferiu o processamento dos Recursos interpostos contra a decisão de Mérito (que determinou o retorno do processo ao Juiz de Belém do Pará),Desta decisão foram interpostos Agravos de Instrumentos, visando o conhecimento e o processamento dos Recursos, com o objetivo de revogar a decisão que inadmitiu os Recursos.

O processo se encontra, atualmente no STJ, e o Ministro Mauro Campbell Marques, em despacho publicado em 06 de fevereiro de 2019, determinou o Processamento dos Recursos, que deverão ser julgados naquela Corte.

Nestas ações se questiona: a nulidade do edital por vários vícios, entre os quais: a inserção da Vale no programa de desestatização, os critérios da avaliação, a parcialidade da corretora que fez a avaliação do patrimônio da Vale, a existência de urânio (minérios cuja exploração é privativa da União), a inclusão de Carajás no edital de leilão que não havia sido avaliada, a subavaliação do seu patrimônio, etc.

Segundo publicação especializada, datada da época da privatização, “a Vale era a principal exportadora do Brasil (líder no mercado mundial de minério de ferro), maior produtora de alumínio e ouro da América Latina; possuía e operava dois portos de grandes dimensões, a maior frota de navios graneleiros do mundo, além de 1.800 (um mil e oitocentos) quilômetros de ferrovias brasileiras; possuía reservas comprovadas de 41 (quarenta e um) bilhões de toneladas de minério de ferro, 994 (novecentos e noventa e quatro) milhões de toneladas de minério de cobre, 678 (seiscentos e setenta e oito) milhões de toneladas de bauxita, 67 (sessenta e sete) milhões de toneladas de caulim, 72 (setenta e dois) milhões de toneladas de manganês, 70 (setenta) milhões de toneladas de níquel, 122 (cento e vinte e dois) milhões de toneladas de potássio, 9 (nove) milhões de toneladas de zinco, 1,8 (um vírgula oito) milhões de toneladas de urânio, um milhão de toneladas de titânio, 510 (quinhentos e dez) mil toneladas de tungstênio, 60 (sessenta) mil toneladas de nióbio e 563 (quinhentos e sessenta e três) toneladas de ouro. Além disso, dispunha de 580 (quinhentos e oitenta) mil hectares de florestas replantadas, de onde extraia matéria-prima para a produção de 400 (quatrocentas) mil toneladas/ano de celulose.” (Fonte: Revista Dossiê Atenção – “Porque a venda da Vale é um mau negócio para o país”, fls. 282/292, da Ação Popular nº 1997.39.00.011542-7/PA)( Trecho extraído da decisão do TRF1).

Há a possibilidade de se declarar nula a licitação, dependendo da mobilização social em torno desta bandeira, pois sabemos da pressão sobre o Judiciário para dar esta decisão, não só no STJ, mas também, num Estado cono o Pará, onde a economia gira em torno da Vale do Rio Doce.

Mais do que nulidades do edital, entendíamos e continuamos defendendo que a Vale era uma empresa estratégica para o desenvolvimento nacional e que a maioria das ações ordinárias deveriam permanecer nas mãos do Estado. O Decreto lei 4352/1942 que criou a Vale que ainda continua em vigência acentua estes objetivos conforme artigo 6º,§ 7º que dispõe:

“O dividendo máximo a ser distribuido não ultrapassará de 15% e o que restar dos lucros líquidos constituirá um fundo de melhoramentos e desenvolvimento do Vale do Rio Doce, executados conforme projetos elaborados por acordo entre os Governos dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, aprovados pelo Presidente da República”.

A ideologia neoliberal que norteou o mencionado leilão, continua presente no país, com a exploração predatória dos recursos naturais e minerais, como no Brasil colônia, exportando matéria prima, degradando o meio ambiente e impondo condições sub humanas aos trabalhadores e população do entorno, não contribuindo com o desenvolvimento da região ou do país como poderia, dada a grandeza de seu patrimônio.

Também, poderemos conseguir o ressarcimento dos prejuízos que a União (povo brasileiro) sofreu, pela subavaliação do seu patrimônio e pelo que deixou de receber no decorrer destes anos. Estamos convocando a sociedade, o Ministério Público, os profissionais de diversas áreas e todas as entidades a nos ajudarem nesta luta, especialmente agora, onde presenciamos tragédias, como a de Mariana e a mais recente em Brumadinho, em Minas Gerais,onde vidas foram ceifadas, a flora e a fauna da região destruídas, casas soterradas, pela lama das barragens que desabaram, rios e mares, oceanos poluídos e contaminados, face a irresponsabilidade da empresa, que não se preocupa com os trabalhadores, com a segurança da atividade e continuam explorando os recursos minerais de uma forma predatória.

Assim, todo este contexto, vem reafirmar nossa posição de que a gestão privada da Vale é temerária, visa somente o lucro, não se preocupa com o desenvolvimento da região, ou do país, com o meio ambiente, com o bem estar dos trabalhadores e da população.

Por tudo isso, continuamos lutando contra a privatização da Vale do Rio Doce!

Por Clair da Flora Martins, advogada, presidente do Instituto Reage Brasil, ex-Deputada Federal, autora de uma das Ações populares contra a privatização da Vale do Rio Doce. E-mail: [email protected]