A normalização clientelista defendida pelo ex-juiz Sérgio Moro

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O ex-juiz e agora ministro Sérgio Moro tenta nos convencer sobre a normalidade do que poderíamos classificar como “clientelismo jurídico” – correlato gêmeo do velho clientelismo político que os paladinos juspositivistas brasileiros vêm demonizando há mais de uma década, desde o mensalão que criou o herói Joaquim Barbosa. Que seriam normais conversas entre juízes, promotores, advogados. Pode até ser que Moro tenha razão: a normalização do absurdo como prática clientelística de se fazer política (justiça).

Não é normal não, senhor ministro! Pensemos então na hipótese de o novo herói nacional, como juiz, ter absolvido Lula – e agora virem à tona conversas entre o magistrado e o advogado do ex-presidente. A pretensa normalidade seria execrada e denunciada amplamente pela mesma comunidade juspositivista que o apoia, além dos consultores e especialistas entrevistados pela TV Globo.

Juspositivismo é pouco e até eufemismo. Na verdade, uma forma educada de falar da tentativa de normalização do nazismo jurídico, caracterizado por uma peculiaridade histórica da constitucionalização do direito, qual seja, os mecanismos contemporâneos de interpretação constitucional. Hoje, essa interpretação, que, muitas vezes, implica a chamada “mutação constitucional”, ocorre, para o bem e para o mal, em face das injunções provocadas pelas mudanças que acontecem na sociedade.

No caso, não sejamos ingênuos (chega de ingenuidade, caramba!), os assédios da expansão e contradições capitalistas sobre os mecanismos institucionais do estado e os valores e comportamentos dos indivíduos através de lavagens cerebrais complexas via telejornais e redes sociais. Grosso modo resumindo, a chamada “mutação constitucional” seria mudar o sentido das normas sem mudar o texto. Ou seja, deixando-as  intactas na sua forma escrita e vigente.

Entretanto, o escândalo não tem a ver com mutação constitucional, mas sim com clientelismo descarado. E ainda assim, o tom continua educado, pois outros usariam adjetivos jurídicos mais precisos e veementes em termos de legalidade e legitimidade. Talvez o pior clientelismo, e com o mantra sórdido e hipócrita de anunciar o combate à corrução camuflando seus métodos marcados por um tipo específico de corrupção. Em outras palavras, sem papas na língua: combater a corrupção com corrupção. E também não me refiro aqui às questões jurídicas futuras e às lutas para livrar Lula da cadeia ou se, caso o petista não tivesse sido preso, Bolsonaro não teria sido eleito etc. Isso são coisas do passado, que, obviamente, ainda vão repercutir no ambiente político e jurídico, especificamente, em relação à liberdade de Lula.

Nem é isso,como base,o que me vem à reflexão – qual seja,o ressentimento político eleitoral ou o fato de eleitores e muitas partes da sociedadeterem sido enganadas.  Mas sim o estilo nazista segundo o qual qualquer um pode ser processado e condenado, dependendo das interpretações agravadas por conluios interpretativos entre investigadores, acusadores e julgadores. Meios e fins, ponderações e cálculos de consequências.

Então, repitamos: normal é o escambal! Não pode haver mesmo contatos logísticos ou de qualquer outra natureza entre acusadores e julgadores. Falácia da maior caradura. Assim também a falácia da invasão criminosa em conversas “privadas”. Se criminosa ou não, como assim, “conversa privada” entre agentes públicos tratando de coisa pública?

Se criminoso, que seja, o tal “hakeamento”, em termos pragmáticos da mudança no ambiente político, não é o fato de o escândalo ter sido vazado, mas sim o seu conteúdo. Ingênuos moralistas ainda vão ficar brandindo a bandeira hipócrita do crime da invasão à privacidade. Parece brincadeira de mau gosto ou conversinha de idiotas messiânicos que insistem em tratar Sérgio Moro como herói nacional. Ou então de calculistas estratégicos bem objetivos na sua grande tergiversação.

Se a vida privada dos cidadãos é invadida toda a hora por empresas, a invasão das conversas de Sérgio Moro – como ele mesmo defendeu ao vazar a conversa de Dilma Rousseff com Lula – é para o bem da verdade e da democracia. Contraditório, não é? Mas a vida tem dessas coisas.Num mundo globalizado e poderosamente tecnologizado, em que uma presidente da República é vigiada por agências de inteligência de outro país, os bobinhos agora vêm dizer que é criminoso o “hakeamento” de conversas entre promotores e juízes? Se não tinham nada a esconder por que essa reação toda, com notas oficiais gigantescas e teatrinho solene no Jornal Nacional?

O golpe que derrubou Dilma Rousseff em 2016 institucionalizou a cambulhada brasileiraque se repete em sua longa trajetória de construção democrática, qual seja: o formal preponderando sobre o material ou vice-versa, dependendo da força dos interesses hegemônicos contra pressões diversas.Esperemos com galhardia e muita curiosidade o que vem por aí pelo The Intercept – que dá uma lição de jornalismo aos jornalistas e à grande mídia convencional. Políticos acuados sempre clamam por prudência durante crises agudas. Quando não postos na parede, impera a desfaçatez aberta ou por debaixo dos panos– com apoio do Jornal Nacional, dependendo dos interesses em jogo.

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