A rede de lavagem cerebral em favor do neoliberalismo radical e a Tennessee Valley Authority

Tennessee Valley Authority

Mencionei em artigo anterior a bizarra tentativa de próceres do neoliberalismo radical – Rede Atlas e Instituto Von Mises, na operação global, e Instituto Liberal e MBA, entre outros, na operação local – de desqualificarem o New Deal como uma iniciativa fracassada de intervenção do Estado na economia dos EUA. Pelo que mostrei, só a mais extrema má fé pode levar alguém a ignorar a fantástica contribuição desse programa ao resgate e ao fortalecimento da infraestrutura da economia norte-americana, inclusive preparando-a, involuntariamente, para a guerra.

Recorrendo à mesma fonte de informações factuais, não ideológicas, a Wikipédia, quero fazer um breve resumo do que foi a Autoridade do Vale do Tennessee (Tennessee Valley Authority – TVA), a joia da coroa do New Deal. Com espetaculares resultados de curto, médio e longo prazos, ela deixou o mais extraordinário legado em termos de grandes investimentos em hidrelétricas, barragens, regularização de curso de rios, erradicação de malária, e desenvolvimento agrícola e industrial. Tornou-se, na verdade, o mais poderoso instrumento de planejamento e execução estatal de desenvolvimento regional nos EUA.

A TVA estendeu-se muito além do vale do rio Tennessee. Cobriu grande parte do Tennessee, mas também partes de Alabama, Mississipi e Kentucky, além de Geórgia, Carolina do Norte e Virgínia. Era uma das regiões mais pobres dos Estados Unidos. Mesmo para os padrões da Grande Depressão, como assinala o Wikipédia, estava em situação de miséria. A renda média era de 639 dólares por ano, com algumas famílias sobrevivendo com 100 dólares por ano. É possível que o Instituto Von Mises, o Instituto Liberal e seus porta-vozes julguem que a interferência do Estado norte-americano na economia foi extremamente negativa, e que o egoísmo privatista seria capaz de resolver tudo isso sozinho.

Nos primeiros onze anos de existência, a TVA havia construído nada menos que 16 usinas hidrelétricas. Só no ano de 1942, 12 usinas hidrelétricas e uma usina de vapor estavam sendo construídas ao mesmo tempo. Hoje opera 29 usinas hidrelétricas, o que lhe permite realizar um grande programa de controle de inundações, possibilitando ao mesmo tempo atividades recreativas, auxílio à navegação e gerenciamento da terra ao longo dos rios em sua região de operação. Também ajudou e ajuda governos e empresas privadas em projetos de desenvolvimento econômico já que atua como uma agência de desenvolvimento regional.

A Tennessee Valley Authority escapou da sanha privatista. Ronald Reagan, ainda como ator, brincou num programa de televisão patrocinado pela General Eletric que ela devia ser privatizada, e acabou demitido: é que a TVA é grande demandante de turbinas da GE, o que mostra uma articulação entre privado e público que os empresários brasileiros ainda não conseguiram entender em sua obsessão por negócios de privatização de curto prazo. O senador Goldwater, conservador, também teve de recuar de seu intento de privatizar a TVA.

O legado da Tennessee Valley Authority é extraordinário: 45 barragens e instalações elétricas; seis usinas a carvão com 28 unidades; 15 de combustível natural a gás duplo e ciclo combinado, com 68 unidades; 3 usinas nucleares com 7 unidades. Além disso, a empresa pública gera ou compra energia de dezenas de plantas eólicas ou solares privadas, contribuindo para a diversificação de fontes energéticas. Continua, portanto, ativa no setor energético. Gerencia praticamente toda a energia distribuída nos EUA. Os norte-americanos sabem que este é um setor estratégico e certamente não se disporiam a fazer com a TVA o que seus súditos brasileiros, por cumplicidade com o grande capital e o setor financeiro, ameaçam fazer com a Eletrobrás.

A Tennessee Valley Authority é um exemplo clássico de como, mesmo no capitalismo, setor público e setor privado podem se desenvolver juntos em benefício da economia nacional. O resultado disso, politicamente, é o estado de bem estar social. O ataque que os velhos e novos liberais econômicos fazem contra o planejamento público, indicativo para o setor privado e determinativo para o setor público, reflete a ideologia do egoísmo absoluto, a partir da idéia anacrônica de que, mesmo numa economia oligopolizada e monopolizada existe uma competição benéfica para o consumidor. Isso é uma falácia promovida pelos institutos de extrema direita, como Atlas, Mises e Liberal. Para implementá-la só lhes resta mentir.

Infelizmente, o pensamento ultra-liberal penetrou fundo em muitas de nossas instituições, entre elas as Forças Armadas. O caminho para isso tem sido bolsas para cursos e palestras de lavagem cerebral nos Estados Unidos para oficiais brasileiros, jornalistas e altos funcionários, do tipo frequentado por Sérgio Moro e os promotores da Lava Jato. Ali o New Deal não tem vez. Internamente esses “ensinamentos” são complementados pelos institutos mencionados, altamente financiados do exterior ou mesmo por milionários internos. Com isso esses alunos mal-formados em economia engrossam a fileira do alinhamento automático não apenas à fração ultra-liberal norte-americana, mas ao neoliberalismo ainda mais radical da Europa.

Bem, oportunamente quero abordar o que entendo pode vir a ser o New Deal brasileiro. É o único caminho que vejo para o resgate de nossa segurança interna e defesa externa. Espero que, neste caso, os militares entendam que não há defesa forte sem economia forte, e que a economia ultra-liberal, como a adotada desde Temer e prometida por Guedes, jamais tirará a economia brasileira do buraco em que se encontra, exceto se transformarmos as Forças Armadas numa casta privilegiada no meio de uma sociedade de fome.

Por José Carlos de Assis

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