Por que sou de esquerda e não voto no PT

Descubra por que ser de esquerda e não votar no PT não é errado.

Por Rennan Ziemer – Nós que pensamos em uma alternativa progressista para o Brasil, construída por brasileiros, sem importações de teorias estrangeiras e rejeitando qualquer espécie de colonialismo mental, não criticamos os progressos sociais e econômicos decorrentes de programas como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, construção de cisternas para moradores do semiárido, Luz para Todos, Prouni, cotas nas universidades, transposição do São Francisco. Entretanto, não ocupamos posição cômoda, porque quem pratica honestidade intelectual tem que reconhecer os avanços, mas não pode se omitir quanto às diversas falhas do modelo de conciliação de classes petista, que apenas funcionou num período de abundância e deixou evidente seus vícios na primeira crise econômica.

Norberto Bobbio distingue esquerda e direita analisando a posição de cada uma em relação à igualdade. A esquerda defende maior igualdade entre as pessoas, sendo papel da política garantir os meios necessários para atingir este objetivo. A direita aceita com naturalidade a desigualdade, não entendendo serem necessárias políticas para sua redução. Isso em linhas gerais, uma abstração de tipo ideal. Serei acusado de ser liberal. Não tem problema. Vou expor na sequência minhas ideias, explicando as razões pelas quais eu me considero de esquerda. Estou aberto a críticas fundamentadas.

Mesmo tendo nossos próprios ideais individuais, temos que levar em conta a moral e os valores populares. Não podemos escolher o povo que queremos governar, é o povo brasileiro quem escolherá seus governantes. Também não podemos estar alheios à realidade. A política deve ser acessível às classes populares, principalmente ouvindo suas demandas. Será que “essa galera que não consegue eleger um vereador achando que vai fazer revolução comunista no Brasil” foi ouvir o que um pai ou uma mãe passam de apertos financeiros para sustentar seus filhos? O desemprego, a fome, a falta de moradia são problemas urgentes, cujas soluções não podem esperar por um futuro distante.

A politização das massas é um processo contínuo, mas os resultados sociais devem ser imediatos ou de curto prazo, sempre em conjunto com planejamento de longo prazo. Só assim poderemos conquistar a confiança do eleitorado para implementar mudanças sociais e econômicas duradouras.

O discurso em defesa das minorias é muito importante, entretanto não pode vir desacompanhado de consciência de classe, algo comum em alguns setores da esquerda brasileira. Qualquer mudança cultural na sociedade demanda muito tempo. O processo de politização e convencimento deve ser constante para se conquistar mentes e corações. Isso se dá por vários meios: mídia, redes sociais, expressões artísticas, movimentos sociais, punição dos crimes de intolerância e constrangimento público a outras condutas desrespeitosas. Estamos num momento em que continuar pregando para convertido não resolve. A defesa dos direitos das minorias já é praticamente consenso entre setores de esquerda, o desafio é trazer para nosso lado setores de centro e até de direita. A estratégia de apontar o dedo na cara ou praticar o cancelamento, que convenceu a militância de esquerda universitária, não funciona com conservadores religiosos ou com parte das massas semialfabetizadas que ainda têm sua vida pautada pela moral popular tradicional brasileira. Falta empatia por parte da esquerda lacradora.

Ainda que na essência nós trabalhistas compartilhemos idênticos ideais da luta contra o racismo, machismo, homofobia, transfobia, intolerância religiosa, precisamos por estratégia adotar um discurso que não seja ofensivo e desrespeitoso com as crenças populares. Embora não seja papel do oprimido ter que explicar diariamente sua condição de injustiçado, é função da militância política, social e partidária utilizar discursos acessíveis à toda a população, sempre respaldado em sólidos argumentos, mas que não deve ser o mesmo para os diferentes públicos.

Ninguém merece ser vítima de homicídio ou violência por conta do preconceito ou condição pessoal. As minorias sofrem com maior desemprego, menores salários, escolaridade inferior. Devemos defender política sociais para apoiar a mãe solteira a criar seus filhos, promover a paternidade responsável, sem reforçar o processo de culpabilização. São argumentos mais simples, fáceis de se compreender e que devem ser repetidos incessantemente para serem entendidos pelas massas. Questões mais polêmicas e que colidem com dogmas religiosos sempre serão mais complexas. Dependem de uma prévia mudança cultural ainda em curso para terem sua viabilidade política alcançada.

As redes sociais são um novo desafio. A forma de comunicação tradicional da esquerda não atende mais às necessidades de se enfrentar disparos em massa de fakenews. A precarização do trabalho reduziu a força dos sindicatos. Nem a grande mídia detém mais o poder de manipulação da opinião pública como possuía no passado recente.

As palavras têm peso e significado, não podem ser banalizadas. O liberal Fernando Henrique Cardoso não era fascista, como foi chamado em nota pelo PT. O monopólio da virtude tão pregado no discurso também não colou. A corrupção existiu, não adianta negar. Mesmo que a condenação de Lula tenha sido injusta, pois sem provas e proferida por um juiz parcial, o ex-presidente tem responsabilidade política por ter entregado cargos muito importantes em ministérios e estatais para políticos notoriamente envolvidos em escândalos de corrupção. A ausência de provas cabais afasta a condenação criminal. Já na política, os indícios de graves irregularidades deveriam bastar para se impedir a nomeação de políticos suspeitos, ou determinar seu afastamento, enquanto não derem explicações satisfatórias. Em uma república, todo político tem dever ético de responder às acusações que lhe são proferidas, mas tem o direito à ampla defesa e ao devido processo legal.

Outro comportamento muito grave é a insistência compulsiva nas mentiras e meias verdades, por parte de militantes e portais de notícias alinhados. Por exemplo, Lula não foi absolvido, ele continua sendo réu em processo criminal, que será novamente julgado por outro Juízo Federal do Distrito Federal. Ciro Gomes não fez campanha para Haddad em 2018, mas deixou clara sua posição: “ele não”. Retornou ao Brasil a tempo de votar no segundo turno após viagem internacional. Embora alguns falem em tom de deboche que “Ciro foi para Paris”, os mais desonestos o acusam de não ter votado no segundo turno e muitos acreditam nessa mentira.

Então, por gentileza, caro companheiro militante de esquerda, não seja um canalha. Nossa crítica é pela esquerda, quem se pauta pela construção de uma política honesta e que se orienta pelos fatos históricos não tem constrangimento algum em reconhecer grandes conquistas sociais obtidas durante os governos petistas. Apenas não queremos disputar o eleitorado à base de mentiras. Não reconhecemos nenhuma espécie de superioridade moral petista. Pelo contrário, nossas divergências são profundas. Seria muito mais simples apoiar o PT caso o discurso coincidisse com a prática no governo. Infelizmente, somos obrigados a optar pelo caminho mais difícil para não abrir mão de nossos ideais.

A crise econômica e social, o desemprego, a queda da renda familiar são problemas que começaram durante o governo Dilma. São os números e indicadores econômicos que comprovam essa informação. Os erros cometidos foram muito graves. Quem colocou os banqueiros para comandar o Banco Central e Ministério da Fazenda foram os governos petistas, com Henrique Meirelles, que manteve intocado o rentismo brasileiro, e depois Joaquim Levy, que implementou em 2015 toda a política neoliberal de austeridade fiscal que causou a pior recessão econômica desde a crise de 1929. Não convence a tentativa de terceirizar toda a responsabilidade para a Lava Jato ou para o imperialismo estadunidense.

Muitos programas sociais possuem graves falhas, são ineficientes, poderiam ter gerado melhores resultados com o mesmo custo ou foram insuficientes para atender a todos os elegíveis. Enquanto isso, o topo da pirâmide social permaneceu intocado durante mais de treze anos de governos autointitulados de esquerda, embolsando os juros da dívida pública e pagando poucos impostos.

Os desafios do Brasil são gigantescos. O compromisso do trabalhismo é não cometer os mesmos erros do passado recente. Para isso, nossas propostas são levadas diariamente ao debate público, estamos abertos ao diálogo e à composição de forças de modo transparente, sem acordos secretos ou escusos. Há espaço para negociação republicana com setores de centro e até de direita, especialmente quanto a prioridade é derrotar Bolsonaro. Estejam certos de que votaremos em quem for preciso para derrotar o fascismo no segundo turno.

Nossos projetos são de longo prazo e por isso podemos compor na elaboração de um plano de governo de quatro anos, buscando assegurar vários pontos de consenso, postergando alguns temas mais polêmicos e menos urgentes. Não negamos a política, mas não aceitamos ser novamente traídos, nem nos contentamos com migalhas. Por isso, o trabalhismo é a terceira via necessária para assegurar o futuro de boas conquistas para o Brasil.

Por: Rennan Gustavo Ziemer da Costa.
Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Militante do PDT Diversidade Paraná.

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