A lumpemburguesia brasileira: o pragmatismo lulista e a produção da miséria nacional

A lumpemburguesia brasileira o pragmatismo lulista e a producao da miseria nacional
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A burguesia latino-americana é lúmpen! A burguesia brasileira também é lumpem! A sacada foi de André Gunder Frank num livrinho antigo quase esquecido, publicado no Chile em 1969 (Lumpem burguesía: lumpem desarrollo). Os economistas formados na Unicamp e na USP – especialmente na primeira – acreditam que, ao contrário da antiga lição, mais vale ler Schumpeter, Ignacio Rangel ou Conceição Tavares, cada qual à sua maneira, apologéticos da natureza “dinâmica e contraditória” do sistema capitalista. Em consequência, ignoram as valiosas lições da teoria marxista da dependência e seguem com maior ou menor grau tributários do espírito e orgulho burguês que vagueia errante entre nós sempre ávido por uma boa oportunidade. Não por acaso esses economistas inclusive desprezam totalmente o caráter parasitário do desenvolvimento capitalista na periferia, o que é possível ler num Manoel Bomfim, médico sergipano culto, igualmente esquecido das letras nacionais.

Enquanto os economistas agraciados nas filas do liberalismo de esquerda alimentam a ideologia burguesa simulando a administração democrática da ordem burguesa e iludem o povo com o propósito de criar aqui um país de classe média quando o comando é da superexploração da força de trabalho, os liberais de direita não vacilam: o Estado é sempre um estorvo para a acumulação de capital. Ademais, de maneira aparentemente surpreendente mas em larga medida previsível, a conversão burguesa da esquerda liberal deixou o caminho livre para a crítica de direita sobre as imensas insuficiências do capitalismo dependente latino-americano, outrora um monopólio da esquerda revolucionária em disputa com o estruturalismo cepalino de orientação reformista, típico dos anos 1960 e 1970. A direita, em consequência, não vacilou em nova conquista ideológica num terreno que, em passado não tão distante, já era ocupado pelos economistas monetaristas estilo Friedman e tantos outros ideológicos de menor valor e presença acadêmica, mas úteis no jornalismo e ao sistema de propaganda. Assim, a direita ultraliberal comandou a crítica radical às “insuficiências” e às supostas “anomalias” do capitalismo periférico enquanto a esquerda liberal pretendia o milagre da redenção das maiorias nos marcos da ordem burguesa. Ora, se o Estado não é capaz de assegurar direitos elementares e os próprios governos progressistas estão no comando das “reformas” favoráveis aos capitalistas nacionais e estrangeiros, então não há mais recursos para as vítimas do sistema além de apostar na iniciativa individual.

Na medida em que a crise mundial sob controle dos monopólios e dos governos dos países capitalistas centrais eclodiu primeiro em 2001 e, mais tarde, em 2008/2009, o terreno para o avanço político e ideológico da direita e da ultradireita liberal estava completamente livre e encontrava, ademais, uma esquerda apegada à defesa moral dos trabalhadores e limitada a políticas de inclusão social, sem capacidade sequer de mitigar o sofrimento das massas no continente. Eis a razão pela qual o “conservadorismo” avançou na América Latina e, de quebra, deslocou a outrora esquerda reformista para o terreno da direita no qual não poderia nem poderá vencer jamais. A direitização do ocidente não é fenômeno novo, revelou meu amigo e mestre Agustín Cueva no distante 1987. Eis a razão pela qual desprezo completamente o pânico cínico e cúmplice daqueles que denunciam o “avanço da direita” e a “ameaça do fascismo” como um novidade no intuito de isentar Lula e seu governo medíocre da crítica além, é claro, de modular o comportamento de uma ainda diminuta e vacilante oposição de esquerda.

Ora, diante do fracasso do Estado em assegurar salários com carteira assinada, previdência social, redução da jornada de trabalho, formação profissional, segurança, educação de qualidade e saúde decente, ocorreu uma perversa mas real adequação da realidade ao ideário liberal e ultraliberal, orientada pela máxima do “self-made man” típico das “sociedades opulentas” mas completamente irreal para as massas na periferia. Com efeito, se o Estado não é capaz de assegurar direitos elementares e os próprios governos progressistas estão no comando das “reformas” favoráveis aos capitalistas nacionais e estrangeiros, então nada resta além de apostar na iniciativa individual, cuja expressão pode ser vista na apologia do “empreendorismo periférico” e na afirmação cúmplice das múltiplas e inúteis formas de empoderamento individual. Os liberais de direita agradeceram! Afinal, a própria esquerda liberal – caso eloquente do Lula na reforma da previdência realizada em seu primeiro mandato em 2003 – exibia um realismo maior do que o do rei liquidando ou limitando direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo de muitas décadas de luta!

A esquerda liberal não possui diagnóstico algum sobre a natureza da crise global e nem em pesadelo consegue observar os contornos específicos da crise do desenvolvimento capitalista na América Latina. No Brasil a crise é profunda e será mais intensa quando comparamos com os demais países da região, pois aqui o progresso burguês industrial foi maior em termos relativos. O México solucionou em termos imperialistas sua crise quando a burguesia assinou o Tratado de Livre Comércio com os EUA e Canadá em janeiro de 1994, atualizando-o em 2020, o que vinculou sua sorte aos desígnios do imperialismo estadunidense de maneira direta. A Argentina não teve semelhante alternativa e seguirá oscilando em crises intermináveis que redefiniram a combativa tradição peronista das décadas de sessenta e setenta e fortaleceram uma direita liberal que enterrou para sempre o papel dos antigos Radicais, hoje apenas um registro literário. O peronismo não passa de uma caricatura trágica na administração burguesa e oportunista do sentimento popular e da tradição política reminiscente. O Brasil descobriu tardiamente a crise final dos partidos tradicionais e de todo o sistema político pois a lenta, gradual e segura transição da ditadura de classe àa democracia burguesa exigia certa estabilidade dos partidos e o MDB cumpriu o papel coadjuvante à perfeição. Entretanto, após 1994, a força da economia política do rentismo (Plano Real) foi lenta e inexoravelmente queimou certa margem de manobra antes que todos os governos assumissem na plenitude das teses liberais, confirmando que não há remissão para os trabalhadores nesse eterno vale de lágrimas da periferia capitalista.

Crise estrutural?

A indigência teórica da esquerda liberal é expressa quando afirma a existência de uma “crise estrutural” cuja primeira definição li em István Meszáros. O discípulo de Lukács esboçou em Para além do capital (capítulo 18) uma “explicação” para justificar a substituição da noção de crise cíclica – essa com amparo em Marx – para uma “crise estrutural”, que não possui o menor sustento teórico mas, curiosamente, ganhou enorme legitimidade nas filas da esquerda liberal (partidos, sindicatos e movimentos populares). Estimo que a mais completa ausência de reflexão sobre economia nos partidos políticos (PT, PSOL, PCB, PC do B, PSB, etc) – cujas manifestações mais eloquentes qualquer um pode constatar na programação medíocre e eleitoreira das fundações Lauro Campos e Perseu Abramo do PSOL e PT, respectivamente. Nesse contexto, aquela “definição” do húngaro caiu como uma luva na miséria intelectual dominante no terreno da análise do capitalismo no Brasil porque é tão indeterminada que permite manter a aparência de crítica ao capitalismo e, ao mesmo tempo, conviver com todas as suas misérias! De resto, não oferece nenhum diagnóstico da crise em curso tanto nos países centrais como nos periféricos. Agora, qualquer professor que pretende audiência repete a “coincidência de crises” (climática, ambiental, política, econômica, democrática, ética, psíquica, etc) que supostamente exibem o “caráter estrutural” da “ordem do capital”!!!!! Ora, essa “interpretação” não é um refúgio porque é uma farsa!

Assim, o apelo à “crise estrutural” constitui um bloqueio teórico e político completo para a análise do desenvolvimento capitalista no Brasil nas últimas décadas, afinal, se a crise é estrutural e mundial, nem sequer os efeitos na periferia podem ser concretamente analisados a partir de uma linha tão geral quanto estéril, o que não é circunstancial, obviamente. Ademais, o suposto combate ao “neoliberalismo” empobreceu ainda mais a reflexão teórica sobre o desenvolvimento capitalista, a transformação do Estado e das classes sociais nos países periféricos, as alianças de classe e o nacionalismo, entre outros temas estratégicos que, bem ou mal, informaram a análise da antiga tradição reformista, hoje praticamente extinta. Em consequência, a miséria teórica e a demagogia acadêmica floresceram a partir de expressões tais como “reformismo de baixa intensidade”, “reformismo sem reformas”, “políticas de inclusão social” e outras quinquilharias destinadas a justificar os governos petistas mas sem qualquer capacidade de mobilização capaz de fazer frente à ofensiva burguesa no Brasil e, mais importante, incapaz de mobilizar uma força revolucionária, a única capaz de conter ao avanço da direita.

Os dois movimentos – a adesão à ordem capitalista pela esquerda que se tornou liberal e a ofensiva burguesa motivada pelo ultraliberalismo – cancelaram a distinção entre centro e periferia, atualizando uma antiga e certeira denúncia de Ruy Mauro Marini contra FHC e José Serra, indicada em 1978!! De fato, aquilo que na atualidade podemos chamar generosamente de “pensamento econômico brasileiro” elimina a diferença específica da periferia no sistema capitalista mundial e, no limite, permite a importação da “racionalidade” implícita dos manuais de macroeconomia ou mesmo do keynesianismo restrito à denúncia dos limites e perigos do “neoliberalismo” para a civilização ocidental. Eis a razão pela qual as novidades teóricas da Europa e dos Estados Unidos aterrissam entre nós com enorme autoridade política e teórica destinada a nos alertar a respeito dos riscos sobre nossas cabeças, como se, de fato, o Brasil fosse um laboratório mundial das experiências da classe dominante em escala mundial. Nada mais ideológico, tosco mesmo, ainda que útil, uma vez que produz a impressão de que a sorte do capitalismo mundial depende do rumo que os governos de nosso país possam tomar e confirmam as razões aparentemente sólidas de que Lula é supostamente uma figura estratégica da luta de resistência dos trabalhadores e jamais um obstáculo a ser vencido aqui e agora. A propósito, apenas começam a surgir, ainda que timidamente, as vozes que finalmente confirmam nossa hipótese de que devemos construir uma radical oposição de esquerda a Lula, proposta que a organização Revolução Brasileira lançou ainda durante a campanha eleitoral passada quando defendemos o voto nulo tanto no primeiro quanto no segundo turno. A fé lulista é, não obstante, resistente e não cansará de justificar a redução da política ao eleitoral segundo a qual “somente Lula e ninguém mais venceria Bolsonaro”. Aqueles que supunham que a vitória eleitoral de Lula permitiria a “mudança na correlação de forças” se encontram agora pasmados diante dessa sabedoria que cabe numa casca de noz. De resto, a repetição enfadonha de que somente Lula venceria Bolsonaro é apenas expressão da redução do conflito de classes ao comitê eleitoral, razão da esquerda liberal cativa da visão parlamentar de política exibida sem rubor na face pelos “marxistas” de todos os partidos.

Há, obviamente, breves alertas dos adeptos recentes e vacilantes da teoria marxista da dependência que, ou votam em Lula ou recordam os alertas do mestre de Barbacena sobre os perigos do reformismo mas, não sem motivo, o inscrevem de maneira redutora e oportunista no “espírito crítico do lulismo”. Os novos adeptos da antiga tradição crítica – o melhor que já se escreveu entre nós sobre o subdesenvolvimento e a dependência em que nos encontramos cada dia mais afundados – operam uma perversa “mediação” entre o senso comum de Lula e as necessidades urgentes da luta de classes para ao qual a massa de trabalhadores e suas organizações estão completamente desarmadas. Na prática, estão mais interessados em salvar a reputação pessoal diante da miséria que ajudam a construir do que efetivamente acelerar a passagem da consciência ingênua para a consciência crítica. Nesse particular resgate, a teoria marxista da dependência funciona como um eco solto no ar mas sem aderência porque segue cativa da defesa do governo Lula diante do chamado “avanço da direita” e do “neofascismo”. Entretanto, o núcleo racional da teoria marxista da dependência – a impossibilidade de soberania, de elevação do nível de vida das massas, de fortalecimento institucional do trabalho e, sobretudo, a via revolucionária como única alternativa capaz de superar o subdesenvolvimento – é completamente esterilizada no altar da imaginária “correlação de forças” adversa destinada a confirmar Lula e o governo petucano como o único horizonte alegadamente possível.

A crítica certeira e as notáveis contribuições de Marini – para dar apenas um exemplo entre tantos – funciona, nesse contexto, como um verniz marxista para liberais de esquerda descontentes e/ou decepcionados com o rumo “inesperado” do terceiro mandato de Lula, os quais julgavam que o vulgar político seria outro após a prisão injusta, agora adepto e interessado na leitura, homem que descobriu a interferência direta do imperialismo (via Departamento de Justiça dos EUA) na Operação Lava Jato que o teria levado e superar as contumazes ilusões na democracia que sempre alimentou. O verão das ilusões pequeno-burguesas foi breve. As primeiras manifestações das desilusões emergiram logo na primeira semana (8 de janeiro) diante das decisões presidenciais em relação à “ameaça golpista” e a inequívoca timidez presidencial frente aos militares e a hegemonia da direita no interior das forças armadas. O brado da esquerda liberal não poderia ser mais transparente, dando a ver sua própria desilusão e impotência: “sem anistia”, gritavam em pequenas manifestações longe dos ouvidos de Lula, que, obviamente, tinha outros planos e atuou exatamente na direção oposta!

O respeito absoluto à economia política do rentismo terminaria cedo ou tarde por exigir uma crítica mais forte e, então, o despertar de setores da esquerda liberal de todos os partidos avançou dois milímetros ao identificar alguns ministros como alvos preferidos também como forma de poupar Lula de responsabilidades que somente o presidente possui. Considerando a formação acadêmica dos “dirigentes” da esquerda liberal de todos os partidos, o ministro da Educação foi obviamente o primeiro a entrar na lista dos indesejáveis. Um pouco mais tarde, Haddad entrou no radar da crítica quando promoveu o teto de gastos do PT, não sem receber reconhecimentos de que a iniciativa do governo petucano era melhor do que aquela aprovada no governo Temer. Um passinho à frente, diziam. O teto de gastos do PT apenas confirmava de maneira clara o acordo fundamental com a coesão burguesa que, de fato, dirige o país. Agora, ainda de maneira tímida e vacilante, as críticas se dirigem na forma de “alertas” ao Lula a despeito de ignorar que ele – e somente ele – é o principal personagem central da trama. O pior desse enredo cínico e eleitoreiro está por chegar, mas devo aguardar outubro…

O sistema centro-periferia

A eliminação da diferença entre centro e periferia, considerada anacrônica e mecanicista pela maioria absoluta dos economistas de todas as universidades é, de fato, uma regressão intelectual enorme e de largo alcance e consequências. Vez ou outra nossa condição periférica emerge, não como expressão do real funcionamento da economia mundial mas, ao contrário, como se fôssemos um laboratório para experimentos da classe dominante mundial. Assim, o Brasil saiu da condição de um “elo débil” da cadeia imperialista para um valioso laboratório de testes, que, uma vez vitorioso aqui, poderia ser exportado para outros países. Nesse contexto, o Brasil aparece como um “elo estratégico” a ser batido, razão pela qual a apologia lulista emerge como comprovação de que os governos da esquerda liberal constituem um obstáculo efetivo da dominação imperialista em escala mundial. É fácil observar a apologia da “política externa ativa e altiva”, mesmo que não passe de completamente submissa à política hemisférica de Washington e do Partido Democrata estadunidense. A esquerda liberal atua, portanto, cativa do domínio burguês e da ordem liberal democrática.

A direita tem rumo, programa e metas estabelecidas. Em primeiro lugar mantém enorme vantagem na luta ideológica, que, nas filas da esquerda, está limitada ao famigerado identitarismo (individualista) funcional à ordem burguesa e à defesa moralista dos pobres via “inclusão social”. A direita, ao contrário, não vacila e acusa o corporativismo do Estado (patrimonialista), sua crônica ineficiência; aponta a incapacidade de oferecer serviços médicos dignos e educação necessária para enfrentar os desafios cotidianos das amplas massas. Com frequência e método acusam o Judiciário em todas as suas instâncias de gozar de uma vida privilegiada, com ministros e juízes ganhando super salários que consomem 1,5% do PIB anualmente. A orientação anti-estatal é obviamente um recurso ideológico, pois o capitalismo não sobreviveria um dia sem Estado, mas nas condições atuais, conta com alto grau de aderência nas massas, pois ninguém acredita que os sistema de saúde pública pode oferecer serviços melhores e a educação seguirá sendo apenas formal e à distância, sem capacidade de promover a mobilidade social destinada a criar uma imensa classe média. As baixas taxas de desemprego são acompanhadas de salários de fome e as políticas sociais – antes de redimir o povo da miséria e da exploração – constituem peça fundamental para a manutenção da superexploração da força de trabalho. Na atualidade, em 13 estados da república o número de beneficiados pelo Bolsa Família é maior do que o número de trabalhadores com carteira assinada!

Os liberais de esquerda, ao contrário, seguem desarmados: clamam pelo Estado e, por má fé ou oportunismo, afirmam a importância da intervenção estatal em favor do bem comum, mesmo quando sua ação imediata favoreça prioritariamente distintas frações do capital. Ademais, os liberais de esquerda respeitam escrupulosamente o rentismo cujo epicentro é o pagamento religioso dos juros da dívida interna e a permanente renegociação longe da atenção pública, prática que termina por tornar a política social do governo mera expressão da filantropia.

No Brasil – e na maior parte da América Latina – os economistas “marxistas” são… keynesianos!! É claro que se trata de um Keynes adaptado ao caráter lumpem da burguesia “brasileira” porque os keynesianos confinados majoritariamente nas universidades sabem que os recados de Schumpeter em Business cicles, especialmente sua teoria da inovação (capítulo III) e com mais razão a análise da crise de 1929 (capítulo IX) não constituem amparo para a preservação do caráter “dinâmico” do capitalismo via “políticas anti cíclicas”. Portanto, o tradicional e pálido recurso a Keynes e seu esforço bom moço para salvar o capitalismo não encontra resposta nos fatos. Nem mesmo Minsky, um keynesiano relativamente lúcido sobre questões essenciais teve vida longa nos cursos universitários e sequer é recordado pela maioria dos economistas que atuam nas políticas de estado ou nos partidos políticos na defesa da intervenção estatal diante do avanço das políticas de “mercado”.

Na verdade, o debate sobre economia e as classes sociais no Brasil permanece confinado no miserável terreno sob domínio da teoria neoclássica, expressão da hegemonia burguesa e rentista; em consequência, limitado tão somente à busca da melhor combinação possível entre as variáveis próprias do interesse capitalista (metas de inflação, cambial flutuante e superávit fiscal) apresentadas como se fossem ciência certa e jamais como a política econômica dos capitalistas. A manufatura da opinião pública, como nos lembra Noam Chomsky, não é apenas um artificio da imprensa burguesa (CNN, Globo, jornais, sites, eventos de bancos e corretoras, controle dos programas de pós-graduação nas universidades públicas e privadas, etc) ainda que ali tenha um poderoso instrumento para controle da opinião pública e dos políticos profissionais. A hegemonia burguesa conta, desde de 2002, com a valiosa adesão de Lula e do PT, que, por puro oportunismo, pretendiam apenas dar um “rosto humano” à política econômica do rentismo orientado pela filantropia católica e as políticas identitárias sustentadas no moralismo inerentes às políticas de “inclusão social”.

Os keynesianos na América Latina e especialmente no Brasil, praticam acentuado ecleticismo teórico e não menor malabarismo político destinados a “sustentar” a expansão do capitalismo dependente rentistico da mesma forma que pretendem a administração democrática da república burguesa em profunda crise. Há muito, os keynesianos mais desinibidos assumiram as premissas neoclássicas de maneira geral e do Plano Real em particular. É claro que poderemos encontrar um ensaio aqui e acolá com alguma dose de heresia mas na absoluta maioria dos casos as “contribuições de extração keynesiana” respeitam escrupulosamente as premissas de seus supostos adversários (os “neoliberais”) de bom grado e tão somente disputam na margem aspectos ideológicos destituídos de importância teórica e menos ainda capazes de influenciar os trabalhadores num país em que 94% da População Economicamente Ativa (PEA) recebe até 2,5 salários mínimos e meio! Observem, por exemplo, o tema da dívida pública. A cumplicidade dos keynesianos com o rentismo é completa e, em consequência, recusam terminantemente a eutanásia do rentista recomendada por Keynes e Minsky e fogem como o diabo da cruz de uma simples auditoria da dívida. Em oposição, apostam sempre na necessidade de praticar a política de juros mais baixas na vã tentativa de compatibilizar a política fiscal e monetária para favorecer o “crescimento econômico”. É uma picaretagem insuportável ainda que facilmente detectável por um estudante de economia de segundo período, caso o caráter lúmpem da burguesia no Brasil entre em consideração.

Não é necessário muito esforço para observar que o aclamado “crescimento econômico” não toca nos pilares da posição do país na divisão internacional do trabalho mas, ao contrário, no caso do Brasil, aprofunda a dependência e reforça a coesão burguesa que mantém sob rédeas curtas cada medida ensaiada pelos sucessivos ministros da economia. Ora, precisamente quando o país exibia taxas de crescimento do PIB elevadas em alguns anos do petismo com Lula ou taxas próximas ao pleno emprego com Dilma, a dependência se aprofundava de maneira acelerada e, em consequência, tanto o latifúndio quanto os banqueiros acumulavam mais poder e força nas disputas políticas e eleitorais. O antigo desenvolvimentismo sequer é um fantasma há mais de 3 décadas e jamais figurou como projeto nos sucessivos governos do PT. Jamais! Qual a razão de tamanha impotência? Não há dúvidas: um projeto desenvolvimentista exige uma burguesia industrial efetivamente nacional inexistente na periferia latino-americana.

Uma perspectiva de governo desenvolvimentista não pode prescindir da aliança estratégica com a burguesia. Nessa aliança, não há dúvidas de que a burguesia industrial possui enorme centralidade e a ação do Estado deve avançar no controle das finanças tanto numa perspectiva cepalina quanto de um keynesiano ao estilo Minsky. Entretanto, a iniciativa governamental petucana da neo-industrialização sob comando de Alckmin é uma farsa completa. Não passa de simulação com apelos ecológicos (transição energética) que não encontrará apoio nas amplas massas cada dia mais exploradas e desesperadas! A neo-industrialização anunciada pelo governo é uma farsa completa que não permite sequer um estudo aprofundado diante de tamanha miséria!

Mas se a análise do “programa da neo industrialização” representaria perda de tempo valioso, o mesmo não ocorre quando observamos a reação dos setores da burguesia e suas representações de classe – a FIESP, por exemplo – em relação aos planos governamentais. Acaso, encontramos uma adesão consciente e apoio decidido? Nada, rigorosamente nada! Mais importante ainda é observar as posições da fração mais importante no interior da burguesia industrial, aquela capaz de elevar a produtividade do trabalho em escala necessária – a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ) – para verificar efetivamente as razões pelas quais Gunder Frank continuará como um autor proscrito tanto nas faculdades de economia quanto nos partidos políticos da esquerda liberal.

A ABIMAQ afirma que

[…] para re-industrializar o país, é preciso anular os fatores estruturais que tiram competitividade do produto nacional, estabelecer um cenário macroeconômico favorável ao desenvolvimento. Isso abrirá espaço para o investimento, que precisa ser baseado em novas tecnologias e direcionado à sustentabilidade. Passa, portanto, por reduzir o “custo Brasil” promovendo a reforma tributária, reduzindo as taxas de juros e incentivando as exportações por meio de seguro de crédito e financiamentos a custos competitivos. Também é importante que as indústrias se adaptem às novas demandas dos consumidores, às exigências ambientais e sociais. (ABIMAQ)

O núcleo avançado da burguesia industrial repete a ladainha “neoliberal” numa clara combinação do assalto permanente ao Estado aliado ao aumento da exploração do trabalho (“custo Brasil”) fomentando uma economia exportadora!

Portanto, é preciso deixar claro de uma vez por todas que o caráter de centro-direita do atual governo não é produto de uma suposta correlação de forças adversa e menos ainda resulta da miserável ladainha petista sobre a composição do congresso nacional e a autonomia do Banco Central. A orientação do governo esta determinada pelo desenvolvimento capitalista rentístico que o próprio PT alimentou em 14 anos de seus sucessivos governos! A propósito da composição do Congresso Nacional, Lula em pessoa tem repetido que o governo aprovou todas as reformas que enviou ao congresso com folgada maioria! Portanto, o programa, a orientação e as opções do governo que a esquerda liberal caracteriza vez ou outra como “erro” do governo ou determinada pela “chantagem” de parlamentares contra Lula ocultam, na verdade, precisamente a ausência da análise da transição do antigo desenvolvimento capitalista de base industrial para o desenvolvimento capitalista rentítisco no qual a fração industrial é, obviamente, cada dia mais débil e impotente. Portanto, o deslocamento à direita do governo não é apenas uma estratégia para captar a base eleitoral potencial da direita representada por Bolsonaro mas, antes, uma decorrência da nova composição de classe derivada da fase rentística do desenvolvimento capitalista que não será passageira mas constitui um novo estágio da dependência que liquida na raiz toda e qualquer ilusão desenvolvimentista. Essa é a questão central ausente em todas as análises que pretendem explicar a natureza do governo petucano!

Esse reconhecimento elementar é inaceitável para os keynesianos que comandam a “crítica” aos governos do liberalismo de esquerda, que resta completamente ineficaz diante da ofensiva burguesa em seu constante assalto ao Estado e no aprofundamento da superexploração da força de trabalho. Gunder Frank e Ruy Mauro Marini eram proscritos no passado e seguem indesejáveis no presente porque tocam precisamente no nervo das ilusões desenvolvimentistas. A nota dominante no “debate econômico” põe de um lado os ultraliberais com enorme força e, de outro, os desenvolvimentistas totalmente impotentes. A propósito, não é obra do acaso a recente apologia à trajetória política de Maria da Conceição Tavares, tanto no MDB como no PT sem análise crítica dos enorme erros teóricos que produziu em sua longa vida acadêmica e política. De fato, as questões centrais da dependência e do subdesenvolvimento não encontram nos escritos de Conceição Tavares amparo algum e a apologia póstuma sobre sua contribuição teórica é uma enorme sucessão de erros que passou batida entre nós em função do domínio que a oposição liberal ganhou durante a ditadura – especialmente importante no período da transição do regime militar para a democracia burguesa – e no qual os teóricos marxistas estavam completamente impedidos de participar. De resto, mesmo a crítica de Marini (Ganancia extraordinária y acumulación de capital) aos graves erros de Conceição Tavares ou a detalhada crítica de Nilson Araújo de Souza em sua tese de doutorado (Crisis y lucha de clases en Brasil 1974-79), jamais foram sequer levadas em consideração entre os especialistas. O reinado absoluto dos economistas da oposição liberal ao regime militar seguiu intacto mesmo quando a democratização finalmente superou os limites impostos pela censura e a falta de liberdade intelectual.

Portanto, não me surpreendeu a apologia póstuma à Conceição Tavares pelas novas gerações de economistas, o que somente foi possível devido à ausência absoluta de uma revisão crítica de suas ideias para a superação dos graves problemas inerentes a um país subdesenvolvido e dependente como o Brasil. Até mesmo os elogios que ela verteu aos planos de estabilização (Cruzado e Collor) caíram em total esquecimento! Entre os economistas “heterodoxos” foi precisamente Conceição Tavares quem, de maneira enfática, afirmou que o Plano Collor era “tecnicamente perfeito” e segundo suas próprias palavras “muito melhor que o nosso (Plano Cruzado)”. A despeito da oposição a governo de Collor, Tavares arrematou: “o plano é fabuloso e pode salvar esse país” (Quem, afinal, apoiou o Plano Collor? Alexandre Andrada, REP, 38, 2018). A despeito de eventuais preferências intelectuais, as homenagens póstumas que recebeu por parte da esquerda liberal – especialmente dos economistas da nova geração – revelam enorme ausência da reflexão sobre a política econômica e seu total descolamento da economia política do rentismo. Mas é também um produto da prostração completa da esquerda liberal a classe dominante em sua vã tentativa de representar os interesses burgueses nos marcos da legalidade democrática.

Crescimento e austeridade.

Nesse contexto, a oposição entre crescimento e austeridade – o enfoque mais cômodo para os interesses burgueses e mais perverso para os trabalhadores – propicia as migalhas ideológicas oriundas da Europa errante a autoridade suficiente para ensinar aos ouvidos ávidos da esquerda liberal lulista os mistérios e os meios pelos quais “os economistas inventaram a austeridade e abriram o caminho para o fascismo” no velho continente. Eis o caminho por onde a ideologia é vendida como se fosse ciência! É também um meio – impotente – de manter em alta o orgulho burguês que sempre dominou a reflexão em economia em nosso país como se, no limite, nossa “complexidade” fosse nos afastar das malhas férreas da dependência e do subdesenvolvimento típicos dos demais países latino-americanos.

Entretanto, o orgulho burguês na periferia capitalista tem custos elevados. Ao contrário dos liberais de direita, os capitalistas sabem que sem o Estado, a vida fica bem difícil. Eles também sabem que nos EUA o Estado dá as cartas e orienta as ações estratégicas com apoio nos imensos déficits estatais e o apoio indispensável da política externa imperialista. Na China, o Estado criou uma burguesia que só não é motivo de inveja porque a luta ideológica deve espetar os comunistas durante todo o dia e a direita se esforça em provar que as “economias de mercado” são mais eficiências que o “dirigismo estatal”. Quinquilharia ideológica de quinta que, não obstante, anima a plateia tanto à esquerda, quanto à direita liberal.

Na periferia, o empresariado não abre mão do Estado Na prática, todo capitalista semi-alfabetizado sabe que é impossível competir com a produtividade do trabalho da China e dos Estados Unidos. Entretanto, o ataque ideológico à intervenção estatal lá fora é apenas um artificio destinado a ocultar o assalto permanente ao Estado que praticam aqui dentro com sumo esmero. Eis a razão da aparente contradição entre execrar a intervenção estatal na imprensa burguesa e o recurso permanente à proteção estatal e ao assalto aos recursos públicos em nome do “emprego e da renda” do proletariado. Os exemplos abundam mas a esquerda liberal em combate contra seus fantasmas, ignora o chão que efetivamente pisa pois, de um lado, justifica a intervenção estatal para motivar o “espirito animal” dos capitalistas como se tivéssemos aqui uma burguesia industrial disposta a reproduzir a via clássica do desenvolvimento capitalista inglês; de outro, execra a defesa ideológica do “mercado” exibida pela direita e ultra direita liberal. Não sai jamais de seu labirinto, a despeito dos sucessivos exemplos com os quais se depara todos os meses!

Lula reencontra a lumpemburguesia.

Há poucos dias Lula recebeu um informe da ministra Simone Tebet divulgado com ares semelhantes a uma enorme descoberta científica: o estado nacional destina R$ 646 bilhões de reais todos os anos aos capitalistas. Na verdade, a revelação consta no Relatório do TCU que aprovou com reservas as contas de Lula e onde se lê que “em 2023, estes benefícios atingiram o montante projetado de R$ 646,5 bilhões, correspondendo a 34,0% da receita primária líquida e a 5,96% do PIB. Foram 519 bilhões de benefícios tributários e R$ 127,6 bilhões de benefícios financeiros e creditícios”. Não é mesmo uma contundente demonstração da imensa capacidade produtiva da burguesia?

A revelação presidencial não é obra do acaso: ocorre no momento em que a imprensa burguesa exige estrito apego à “disciplina fiscal” e, em consequência, cortes adicionais em todos os ministérios e, especialmente, em saúde e educação, áreas com orçamentos expressivos. A cifra é, de fato, uma montanha de dinheiro dos impostos drenados por meio de subsídios, renúncias fiscais, crédito barato, etc., que todos os anos garantem a acumulação capitalista e a saúde financeira das empresas, especialmente as nacionais.

Quando começou a farra?

Ora, iniciou… com Lula e ganhou vitalidade com Dilma!!! Portanto, não há novidade alguma pois o tema frequentava as manchetes de jornais desde sempre exibindo a sabedoria keynesiana de Lula e Dilma. Em 2015, por exemplo, o Ministério da Fazenda informava que os estímulos fiscais concedidos entre outubro de 2008 e dezembro de 2009 acançavam R$ 26 bilhões. Em 2010 outros R$ 17,5 bilhões foram concedidos, totalizando R$ 43,5 bilhões no governo Lula. (FSP, 15/09/2015). A mesma fonte informava que segundo os cálculos da Receita Federal, as desonerações concedidas pelo governo da presidente Dilma em 2011 somariam aproximadamente R$ 458 bilhões em 2018, final de seu mandato. O jornalão burguês informava ainda que “a maior parte das desonerações” geraria impactos ao longo de vários anos. As medidas adotadas em 2011, para dar um exemplo, representaram renuncia de R$ 66,38 bilhões. Ademais, “em 2012, o governo Dilma atingiu o auge das desonerações, com renuncia de R$ 142,5 bilhões”. De fato, as desonerações produzem efeito devastador ao longo do tempo. No primeiro governo Dilma, por exemplo, entre 2010 e 2014, as desonerações começaram com modestos R$ 2,5 bilhões e seguiram subindo de maneira acelerada: R$ 9,8 bi (2011), R$ 46,5 bi (2012), R$ 75,4 bi (2013) e, finalmente, R$ 96,5 bi (2014). Portanto, nenhuma novidade: marmita requentada! Não é uma política anti cíclica genial?

No governo Lula, o festejado PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) continha também importantes renuncias fiscais em favor dos capitalistas pois, “dentre as medidas propostas, estão desonerações tributárias para estimular o investimento privado e aumentar o consumo. As desonerações previstas envolviam o setor da construção, indústrias, infraestruturas pesadas e setor de alta tecnologia (computadores, produção de semicondutores, equipamentos para televisão digital.) Somente as medidas de desoneração fiscal contidas no PAC representam um montante de R$ 1,41 bilhão em 2007. Se forem incluídas todas as medias de desoneração no período, o total foi de R$ 6,6 bilhões em 2007 e R$ 11,5 bilhões em 2008 (Ministério da Fazenda, 2008 segundo Melina de Souza Lukic, Revista Sequencia, Florianópolis, 2015). A surpresa presidencial, portanto, não pode ser atribuída à ignorância, mas, ao cinismo burguês. Na prática, basta a coesão burguesa – via imprensa – apertar o governo exigindo respeito sacrossanto ao déficit zero defendido por Haddad e Lula descobre a “novidade” para mostrar a distribuição desigual do excedente econômico. Entretanto, os monopólios midiáticos não brincam em serviço e dobram a aposta, razão pela qual a campanha segue com força e o governo se prepara para cortes nos orçamentos de educação e saúde. Afinal, na relação de Lula com a burguesia, essa aprendeu ao longo de 14 anos do petismo, a força e sabedoria do ditado popular: “cachorro que late, não morde”! Em consequência, as manchetes “favoráveis” à Lula duram 24 horas e logo caem no vasto deserto da palavra sem ações! O silêncio sobre o manejo rentístico das finanças públicas permanece confinada aos bastidores secretos e silenciosos dos acordos palacianos como meio eficaz de manter a antiga submissão ao rentismo e o compromisso marginal com os pobres!

Afinal, como a lumpemburguesia conquistou os R$ 646 bilhões anuais de subsídios agora apresentados como revelação divina? Bueno, basicamente com decisões de Lula e Dilma! Os desembolsos suculentos foram realizados na grande crise de 2008/2009 destinados a confirmar a sabedoria econômica do atual presidente (e seus assessores keynesianos) para confirmar a “tese” que o “tsunami mundial” aqui, na periferia, não passaria de uma “marolinha”, como então afirmou Lula. A burguesia sorriu, agradeceu, encheu os bolsos com dinheiro público e crédito tão barato quanto farto e, em troca, não avançou para uma corrida contra a moeda nacional. A estabilidade estava mantida e a economia política do rentismo também! A sabedoria econômica do ex-metalúrgico aparentemente era ciência certa quando medida no indicador mais miserável entre os economistas convencionais (PIB): 7,5% em 2010, o suficiente para emplacar a desconhecida Dilma Rousseff no terceiro mandato presidencial petista. Por sua vez, Dilma, a discípula da pós-graduação da UNICAMP, não vacilou em potencializou a política anticíclica na veia: bilhões de reais transferidos aos burgueses em programas destinos a garantir “emprego e renda” aos trabalhadores. A crise, entretanto, corroía lentamente o solo na qual a primeira mulher na presidência da república fazia gala de sua suposta capacidade gerencial e autoridade política pouco afeita a tapinhas nas costas de deputados e senadores.

No embalo da política anti-cíclica destinada a manter o “crescimento, o emprego e a renda dos trabalhadores”, Dilma, de fato, não economizou: bilhões de reais transferidos à lumpemburguesia! Entretanto, o PIB desabou: em 2011, 3,9% e, em 2012, míseros 0,9%. Em 2013, modestos 2,3% e, finalmente em 2014, desprezíveis 0,1%. A taxa de desemprego bateu em 4,8% motivo de imensa alegria aos keynesianos, mas, os salários estavam na lona e, em consequência, as greves explodiam no chão de fábrica, assemelhando o período petista ao de FHC no que se refere ao humor do proletariado: mais de 1.000 greves ao ano! No segundo mandato a fraude anti-ciclica cedeu e as detestáveis políticas de “ajuste” chegaram com força: a queda – ideologicamente tratada como “golpe” – foi inevitável.

A lumpemburguesia não poderia trair sua natureza a despeito dos bilionário subsídios e, em lugar de encabeçar um esforço para a redenção econômica do país, apoiada num governo progressista, mandou o dinheiro para contas bancárias no exterior protegida pelo regime cambial e a conta de capitais aberta considerados por gregos e troianos ainda hoje como sabedoria incontestável. Aos petistas religiosos, sempre prontos para negar evidências, apresento a confissão da própria presidente algum tempo depois:

“Vou te falar, acho que cometi um erro importante, o nível de desoneração de tributos das empresas brasileiras. Reduzimos a contribuição previdenciária, o IPI, além de uma quantidade significativa de impostos. Com isso, tivemos uma perda fiscal muito grande. Nossa expectativa era evitar que a crise nos atingisse de forma pronunciada. Por isso, aumentamos também o crédito, mas acho que aí não erramos. Erro foi a desoneração porque, ao invés de investir, eles aumentaram a margem de lucro às custas de mais fragilidade nas contas públicas. Se for olhar o nível de despesas de pessoal no meu governo, é menor do que nos anteriores. A crise fiscal não derivou de excesso de gastos, mas essa renúncia tinha a intenção de beneficiar o conjunto da economia, o que não ocorreu”. (grifos meus, NDO).

Os programas anunciados por Dilma em 27 de maio de 2014 desoneravam a folha de 56 setores que já eram beneficiados por decisões anteriores da presidente, entre os quais, construção, automotiva, pneumáticos, têxtil, naval, aérea, material elétrico, meios de comunicação, móveis, brinquedos. Não é uma beleza de política industrial? O ministro Guido Mantega – um dos principais detratores de Gunder Frank e Marini num livro que gozou de imensa simpatia nos bancos escolares – indicou que os benefícios aos burgueses naquela decisão alcançavam a casa dos 22 bilhões de reais! Que tal? Mas Dilma e seus ministros sabichões somente muito mais tarde “descobririam” a natureza lúmpem da burguesia!

Agora, as transformações do capitalismo dependente rentístico não mais permitem as soluções relativamente fáceis utilizadas pelo petismo no passado. Há que cortar na carne dos pobres, da maioria do povo, dos trabalhadores. O malabarismo político praticado em outras épocas já não conta com a antiga margem de manobra apoiada por doses consideráveis de cinismo disfarçando a submissão à classe dominante. Ademais, o caráter lumpem da burguesia é cada dia mais saliente até mesmo para os disciplinados e esperançosos aprendizes de Keynes. Mas, afinal, qual a alternativa possível, gritam em completa angústia? “Com Lula é ruim, sem ele seria muito pior!”, bradam à beira do abismo! O petismo é a versão cínica do “realismo” e do “pragmatismo” burguês, expressão da servidão completa e irremediável à classe dominante. Aqueles que permanecerão na triste e patética posição do cobrar do governo políticas que jamais estiveram no horizonte de Lula ou ensaiar a “crítica” com a velada intenção de salvar a própria reputação como se estivessem, de fato, defendendo os interesses da maioria da população, não são menos que cúmplices desse imenso fracasso histórico.

Por Nildo Ouriques

Revisão: Junia Zaidan