É preciso construir a indústria automobilística do Brasil e a criar a AUTOBRÁS

O Brasil sofre até hoje a consequência do genocídio de empresas nacionais de automóveis nos anos 1990. Já tínhamos um parque automotivo nacional razoavelmente estruturado e um corpo técnico capacitado, bastava haver política industrial para transformar cada uma dessas empresas em campeã nacional, como a China e a Coreia do Sul fizeram, partindo de uma base muito inferior a do Brasil. Mas Collor, Itamar e FHC preferiram destruir o que tínhamos e o país ficou ainda mais refém das montadoras estrangeiras.

Mesmo hoje, quando já ficou mais do que evidente a insustentabilidade de se continuar atrelado ao capital estrangeiro, tanto a direita quanto a esquerda não vislumbram a criação de um parque automotivo nacional. Preferem dobrar a aposta na submissão a empresas cujos centros de decisão estão fora do país e não se interessam em nada pela gente. É o Bolsonaro dizendo que se a Ford não aguenta a concorrência chinesa tem mais que sair mesmo, é o Baleia Rossi dizendo que tem que diminuir a carga tributária (como se as montadoras de fora pagassem alguma coisa), é o Rui Costa implorando para a China ocupar a fábrica de Camaçari. Um circo dos horrores, que mostra a total falta de vontade e/ou de visão dos dirigentes brasileiros para colocar o próprio país de pé.

Das 25 empresas associadas à Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), apenas 2 são brasileiras, a Agrale e a Caoa – mesmo assim, a Caoa fabrica veículos em parceria com a chinesa Chery.

Que indústria automotiva nacional é essa onde quase nada é nacional? Que desindustrialização é essa que alguns estão chorando se nada disso é realmente nosso?

Por contraste, a China tem 44 empresas nacionais de automóveis (estatais ou privadas) e apenas 18 empresas estrangeiras (inclusive a Ford), todas elas obrigatoriamente associadas a empresas nacionais. A China sim tem uma indústria automotiva própria. Só que a China nunca teve governantes adeptos do “desenvolvimento associado e dependente”. Essa é a diferença.

Por último mas não menos importante: das 44 empresas chinesas, apenas 5 existiam antes de 1980, fora outras três que depois foram incorporadas a outras. Nessa época, o Brasil tinha empresas nacionais como Gurgel, Puma, Envemo, Engesa, Farus, Miura, Santa Matilde, Bianco e Wladimir Martins Veículos. Nenhuma delas existe mais. Adivinhem qual foi o país que de lá para cá seguiu a cartilha do FMI, do Banco Mundial, do Instituto Mises e da Escola de Chicago?

A saída da Ford do Brasil, mesmo com todas as isenções fiscais que ela sempre teve e com todo o achatamento dos custos trabalhistas que ela sempre defendeu, é mais um exemplo de que o desenvolvimento baseado no capital estrangeiro é ilusório. Não existe desenvolvimento associado e dependente. Ou o desenvolvimento é a dimensão material da soberania nacional ou não é nada além de periferização crônica. A história é bastante clara: o capital se faz em casa.

Em vez de lamentar, deveríamos ver a saída da Ford como uma oportunidade para construirmos uma indústria automobilística realmente nacional. A estrutura física e os técnicos que trabalhavam na Ford continuam aqui. Um governo decente deveria aproveitá-los para criar a AUTOBRÁS, uma empresa mista e totalmente nacional, 50% estatal e a outra metade distribuída entre particulares brasileiros. Mas será o Bolsonaro quem fará isso? De jeito nenhum. Quem fará? Não sei. Mas já passou da hora de colocar isso no debate político.

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