Setores do governo atuam para derrubar Silvio Almeida

Setores do governo atuam para derrubar Silvio Almeida

Essa semana, a Folha de São Paulo publicou que o Ministro de Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, “se irritou” e saiu do grupo de Whatsapp do Prerrogativas, para os mais íntimos, “Prerrô”, a ONG de lobby jurídico comandada pelo advogado petista Marco Aurélio de Carvalho.

A irritação de Silvio Almeida se deu porque membros do grupo estavam cobrando o Ministro pelo absurdo projeto de privatizações de presídios que consta na lista de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), via Parcerias-Público-Privadas (PPP).

Basicamente, uma das medidas do Governo Lula III para combater o fascismo é conceder isenções fiscais e fornecer financiamentos milionários a juros baixos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para entregar presídios para a iniciativa privada ser remunerada pelo Estado por cidadão encarcerado.

Nem preciso discorrer muito sobre a insanidade dessa política, que é o puro suco da fusão entre o neoliberalismo que transfere renda do orçamento público para o capital privado e o encarceramento em massa da suposta “guerra às drogas” praticada no Brasil e importada dos EUA.

De volta ao ponto. Ninguém duvida que o Ministro Silvio Almeida, um intelectual marxista e militante destacado do movimento negro, é obviamente contra essa política. Ele é um dos maiores estudiosos e divulgadores do conceito de racismo estrutural, que explica como a contradição as relações econômicas de exploração; tanto entre capital e trabalho; como entre centro imperialista e periferia subdesenvolvida; engendram diversas outras contradições sociais, como o racismo, que; assim como a exploração do trabalho e o subdesenvolvimento; se expressa na política, no direito e nas instituições de Estado.

Pois bem. Antes de sair do grupo, que é composto por diversos juristas importantes ligados à agenda de liberdades individuais e garantias legais, Silvio Almeida argumentou que era injusta a cobrança sobre ele, tendo em vista que o assunto não havia passado pela pasta dele ainda.

A resposta não foi das melhores, porque se ele é o Ministro de Direitos Humanos, nada mais natural que a comunidade jurídica liberal-garantista espere que ele proteste perante seu chefe, o Presidente Lula, e os ministros da área econômica, responsáveis por essa política de privatizações. Mesmo assim, Silvio não deixa de ter razão, porque, de fato, o Ministério de Direitos Humanos não possui força política interna no governo para barrar privatizações, que são o pilar central da política econômica consensual entre o Presidente da República, Lula; seu Ministro-Chefe e a Secretária-Executiva da Casa Civil, Rui Costa e Miriam Belchior, que é a responsável pelas PPPs; o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad; a Ministra do Planejamento, Simone Tebet; e o Presidente do BNDES, Aloízio Mercadante.

Aliás, Haddad também foi cobrado no grupo, e deu uma resposta não apenas insatisfatória, mas flagrantemente mentirosa. Segundo o Ministro da Fazenda, ele “desconhecia a proposta e ia se inteirar”. Haddad, ao contrário de Silvio, possui uma capacidade cínica ímpar.

É sintomático que o Ministro de Direitos Humanos, oriundo do movimento negro e que não é filiado ao PT, seja o principal cobrado por uma política econômica decidida pelo Presidente, os principais quadros de seu partido, e seus aliados mais conservadores.

Silvio Almeida não pode dizer isso em público, mas o fato é que seu ministério é um dos menos prestigiados pelo governo Lula, com orçamento irrisório, e pouca margem de manobra para efetivamente criar políticas públicas de combate às violações de direitos humanos. De toda forma, é uma posição de destaque que permite a um intelectual capaz como Silvio influenciar a opinião pública e atuar politicamente para fortalecer sua agenda dentro das instituições de Estado.

No entanto, o Ministro anda sobre fina camada de gelo no governo. Pois, de um lado, não possui os instrumentos necessários para efetivar uma política concreta de Direitos Humanos, por outro lado, possui um holofote que pode influenciar ou desgastar profundamente a política econômica do governo Lula.

Sendo assim, a pressão sobre ele para se manifestar, contra uma política executada pelos principais membros do partido do próprio chefe que o nomeou, é uma armadilha justamente destes mesmos governistas contra o Ministro. Explico porquê, sem teorias da conspiração.

É preciso lembrar que Lula acaba de fazer uma Reforma Ministerial. Após longo desgaste para incorporar mais setores do Centrão sem desagradar o próprio PT e aliados de esquerda, ele criou um novo Ministério de Microempresa e Empreendedorismo para Márcio França do PSB, que mesmo assim não ficou tão feliz, para entregar o Ministério de Portos e Aeroportos para o Republicanos do governador de São Paulo bolsonarista, Tarcísio de Freitas; e demitiu, sem cerimônias, a ex-jogadora de volei, Ana Mozer, para entregar o Ministério do Esporte para o PP, presidido pelo engajado oposicionista Ciro Nogueira.

Ao longo dos meses de negociações da Reforma, Silvio Almeida foi um dos alvos para ser demitido e abrir espaço para algum aliado de esquerda do PCdoB, do PSB, do PSOL, e até do próprio PT, que poderia perder espaço para saciar a legítima fome do Centrão, que é quem tem votos no Congresso Nacional. Sob protestos dos movimentos negros que apoiaram a eleição de Lula, o Ministro dos Direitos Humanos foi poupado, por enquanto…

Em 2024, certamente, haverá nova Reforma Ministerial, como é costume nos anos de eleições municipais. Lula precisará negociar apoios nas principais bases eleitorais do PT, especialmente nas capitais. Portanto, novamente, os ministérios serão negociados, e os numerosos líderes petistas que necessitam da máquina federal para acomodar suas estruturas olharão para Silvio Almeida e dirão: “Ele não é nosso, precisamos daquele espaço para os nossos.”

Para justificar a queda de um Ministro tão eloquente e capacitado como Silvio Almeida, nada melhor do que acusá-lo de “omisso” em pautas tão caras à sua própria trajetória e base social ou de “traidor” se não se calar diante de uma política econômica tão reacionária como a privatização de presídios.

Na verdade, pouco importa o caminho que ele escolher. Assim como no caso da vitoriosa atleta nacional, Ana Mozer, não é preciso tanto pretexto para derrubar um Ministro incômodo. Basta encontrar qualquer coisa que o desgaste com a base social representada por ele naquele pequeno espaço institucional do governo controlado pelo “maior partido de esquerda do mundo”.

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