A forma Estado no pensamento de Martin Luther King Jr.

A forma Estado no pensamento de Martin Luther King Jr.
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Em 15 de janeiro de 1929, nasceu na casa da família Williams/King, Martin Luther King Jr., cuja vida deve ser lembrada, pois constituiu seus ideais sobre como as interações sociais devem acontecer. A partir de sua vivência em uma família cristã e, a seguir, com os estudos de filosofia e teologia, a visão de que a sociedade tinha potencial para ser melhor atravessou suas lutas.

Martin Luther King Jr. afirmou que “claro que eu era religioso. Cresci na igreja. Meu pai era pastor, meu avô era pastor, meu bisavô era pastor, meu único irmão é pastor, o irmão de papai é pastor. De modo que não tive muita escolha”. No entanto, ele não assumiu uma postura pacifista de que Deus vai mudar as coisas ou a ideia de que, quando ele morrer e for para o céu, terá paz e alegrias. Martin Luther King Jr. disse que, dentre tantas coisas que aprendeu com a sua mãe, Alberta Williams King, a que mais lhe marcou foi a que era necessário sair e enfrentar o sistema que o encarava dizendo que ele era “inferior”, e que dizia “você é menos” e “você não é igual”. Sua mãe lhe dizia: “você é tão bom quanto qualquer um”.

A consciência racial do jovem pastor, filósofo e estadista Martin Luther King Jr. foi formada para ir além das imposições racistas que oprimiam o povo negro, e isso não o afastava do objetivo de se dedicar ao que ele afirmou ser eterno e absoluto. “Como um jovem que tinha quase toda a vida pela frente, cedo decidi dedicá-la a algo eterno e absoluto. Não a esses pequenos deuses que hoje estão aqui e amanhã se foram. Mas ao Deus que é o mesmo ontem, hoje e sempre”.

Como pastor da Igreja Batista da Avenida Dexter, King Jr. incentiva seus membros a se registrarem como eleitores, bem como criou comissões para informar a todos sobre os debates políticos, econômicos e sociais do país. Em 1955, ele ingressou na Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP), e achava que, para enfrentar a discriminação racial, eram necessárias duas abordagens: “Pela educação, buscamos mudar atitudes e sentimentos internos (preconceito, ódio etc); pela legislação e por determinações dos tribunais, buscamos regulamentar o comportamento”.

Martin Luther King Jr. também entendia a necessidade das manifestações e paralisações e boicotes ao uso dos ônibus após a prisão de Rosa Parks, em 1º de dezembro de 1955. Esta mulher, aos 42 anos de idade, em Montgomery, capital do Estado do Alabama, se recusou a deixar seu lugar quando o motorista do ônibus lhe ordenou para que saísse do lugar em que sentou, reservado a brancos, e fosse para a parte traseira. Por ter-se recusado a cumprir a ordem, que era baseada numa lei estadual segregacionista, Parks foi presa. King Jr. afirmou que chega uma hora em que a paciência acaba entornando e solta o grito “eu não aguento mais isso”. Se fosse nos dias de hoje, provavelmente o grito seria algo como “eu não consigo respirar”.

Desta forma, não tolerou mais a discriminação racial imposta, de modo que eclodiram manifestações por todo o Alabama. King Jr. mostrou que em alguns momentos é necessário ação, e isso em nenhum momento era contraditório à sua base cristã, porque o discípulo de Jesus deve não apenas defender os fracos e oprimidos, mas criar meios para que essa condição de miserabilidade não exista mais.

A segregação deve/deveria morrer e o movimento de King Jr. buscava alcançar a terra prometida ou a igualdade, de modo que brancos e negros tivessem os mesmos direitos e deveres, e acima de tudo, que a (falaciosa) máxima “separados mais iguais” fosse anulada.

A democratização plena somente seria alcançada se os negros alcançassem a liberdade, não apenas de ir e vir, mas de ter opção de trabalho, estudo e escolha quanto a local de domicílio. Uma das formas de promover a liberdade estava na promoção do direito de os negros votarem, pois o Congresso dos EUA estava obstruindo o andamento para aprovação da Lei dos Direitos Civis. Um grupo de pessoas foi à capital federal, Washington, e reivindicava: “deem-nos o voto e não mais vamos implorar que o governo federal aprove uma lei contra o linchamento; nós, com o poder de nosso voto, vamos redigir a lei nos códigos jurídicos do Sul e pôr fim aos atos covardes dos perpetradores encapuzados da violência”. A expectativa era de que os negros iriam votar em candidatos que atendessem às pautas sobre suas realidades e necessidades.

Em 28 de agosto de 1963 foi organizada a marcha para Washington, em que King Jr. discursou por emprego e liberdade, e que para ele foi a mais importante. “Era um grito que vinha do Norte e do Sul. Era um grito que chegava aos ouvidos de um presidente e o estimulava a assumir uma posição como estadista. Era um grito que atingia os salões do Congresso e levava as câmaras legislativas a uma retomada do Grande Debate. Era um grito que despertava as consciências de milhões de brancos norte-americanos e os fazia examinarem a si mesmos e refletirem sobre a condição de 20 milhões de irmãos negros e deserdados. Era um grito que tirava os homens de Deus de seus púlpitos, onde vinham somente uma espécie dominical de amor, e os levava para as ruas a fim de praticarem a militância das segundas-feiras. Vinte milhões de negros fortes, militantes, em marcha, flanqueados por legiões de aliados brancos, eram voluntários de um exército dotado de uma vontade e de um propósito- a concretização de uma nova e gloriosa liberdade”.

Martin Luther King Jr. recebeu o prêmio Nobel da Paz em 10 de dezembro de 1964, mas não se iludiu, pois sabia que havia muito trabalho a ser feito “pelos sonhos de um amanhã mais grandioso e mais brilhante”. Ele afirmou que um dos problemas a serem observados é a questão econômica americana, pois ela faz com que os negros não tenham capacidade para adquirir bens e serviços.

A desobediência civil de Rosa Parks foi o estopim para um movimento que não teve fim. Não faz o menor sentido ficar seguindo normas que violam direitos. Rosa Parks deu uma lição aos Estados Unidos da América – e ao mundo– de que uma mudança era necessária.

A seguir, com as estratégias do estadista Martin Luther King Jr., a luta pela liberdade mostrou que deve ser organizada não com emoção, mas com projeto político, econômico e social. King Jr. apontou que era necessário assumir as decisões políticas, pensar em planejamento econômico e fazer justiça social com o combate à pobreza. Para além disso, nota-se que sua luta não era individualista, mas coletiva. Brancos e negros seriam beneficiados com suas propostas.

Martin Luther King Jr. afirmou que a campanha de combate à pobreza deveria ser pensada de forma estrutural. “Ainda somos chamados a ajudar o mendigo que se vê na miséria e na agonia da estrada da vida. Mas um dia devemos indagar por que um edifício que produz mendigos não é estruturado e renovado. É neste ponto que estamos agora”.

Estamos no século XXI, atravessados pela pandemia da COVID-19, e presenciando decisões desumanas quanto a medidas de prevenção e combate à doença, bem como a constância de violência ambiental, econômica e social contra as pessoas em situação de vulnerabilidade. Então, ainda precisamos de políticas públicas para melhorar a situação de muitas famílias mas, para além disso, torna-se fundamental combater o que gera a marginalização, a opressão, o racismo e outras desigualdades. O Estado Democrático exige as mesmas reflexões e ações apresentadas por Martin Luther King Jr., porque é inadmissível que essas violências sejam naturalizadas e normalizadas.

Apesar dos horrores experimentados nos Estados Unidos da América, Martin Luther King Jr. tinha a esperança e a convicção de que seus sonhos de equidade poderiam ser materializados. Seguimos na mesma direção de que os homens e mulheres têm potencial para serem melhores. Logo, o Estado será uma instituição que vai estar a favor de todos.

Por Waleska Miguel Batista, Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestra em Sustentabilidade e Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Integrante do Grupo de Pesquisa Estado e Direito no pensamento social brasileiro, vinculado ao Mackenzie. Advogada.

Referência: KING, Martin Luther. A autobiografia de Martin Luther King. Org. Clayborne Carson; Tradução Carlos Alberto Medeiros. 1. Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

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