Estratégias e acintes, entre Ciro Gomes e o PT

Estratégias e acintes, entre Ciro Gomes e o PT

Por Rodrigo Ornelas – Em texto de poucos dias atrás, o prof. Renato Janine Ribeiro descreve e avalia o que chamou de “a lógica de Ciro Gomes”: a crença de que Bolsonaro não chegará ao segundo turno em 2022 como justificando o abandono, por Ciro, de pleitear a vaga “de Lula”, para disputar a “de Bolsonaro”; e daí a sua busca, então, por apoio na direita e centro-direita . O texto corretamente observa que Ciro não virou à direita; o que ele (Ciro) vê é “que a direita e a extrema-direita estão fracas”. De um lado, os que apostaram em Bolsonaro e assistem agora à monumental catástrofe da sua política diante da pandemia e de suas consequências (que vão sendo cada vez mais sentidas); de outro, a chamada direita democrática, que vem de uma eleição presidencial com porcentagens irrisórias e que ainda não conseguiu aventar um nome forte em torno do qual se unifique. Por isso, é compreensível para o autor que Ciro veja como “inútil” disputar os votos do PT, procurando conquistar antigos eleitores do atual presidente.

Para o Prof. Janine Ribeiro, “essa é uma aposta inteligente”. O que quero é acrescentar a essa conclusão uma coisa que considero muito importante. O que ele chama de “lógica de Ciro” não é apenas inteligente, mas sua consequência é também desejável: não é somente uma aposta de que Bolsonaro não vai para o segundo turno, mas uma militância incessante para que ele não vá. Tomo o texto do prof. Janine Ribeiro como mote; e, a partir daqui, o percurso que sigo não se refere mais ao texto ou ao seu autor.

Primeiro ponto. Aquilo que deveria ser motivo de celebração, visivelmente não parece ser tão comemorado assim pelos atuais protagonistas da vaga “da esquerda” para 2022: a possibilidade de um segundo turno sem Bolsonaro, entre Lula e Ciro. Como explicou, com sua insistente clareza, o ator Pedro Cardoso em vídeo recente na sua página de Instagram, devemos ver como positivo o movimento de atração da direita, e até mesmo da direita bolsonarista, por Ciro; porque isso significa a possibilidade de termos dois candidatos não-fascistas disputando a presidência, ao invés de termos que escolher – uma escolha comprovadamente trágica (e, na verdade, por si, absurda) – entre um fascista e um não-fascista. O inconfessável para um militante progressista é que pode haver uma preferência na esquerda por esta última situação: a despeito do perigo no qual o país seria lançado, o lulopetismo talvez prefira ser a única opção não-fascista, contra a qual o adversário mais desejável, aquele que justifica sua posição hegemônica nesse lugar, é o fascista. Posso – e espero – estar enganado. Mas o incômodo da possível ascensão de um nome igualmente de centro-esquerda, apoiado por parte da direita/centro-direita e incalculavelmente mais preparado do que Bolsonaro como oponente em 2022 aparece ao PT mais como problema do que como solução. Isso, claro, se estivéssemos tratando de algum tipo de jogo simples e não do futuro nacional, de milhões de pessoas reais e em boa medida desesperadas.

Não só não há problema em Ciro angariar ex-bolsonaristas e direitistas como isso é DESEJÁVEL, independente de sermos futuros eleitores de Ciro ou não, porque pode nos conduzir, de fato, a um segundo turno sem Bolsonaro. E isso é o mínimo pelo que um não-bolsonarista hoje deve lutar.

Assim, entendo quando Ciro, que busca um diálogo com o anti-petismo, faz críticas ao PT, enquanto as faz ainda mais duras a Bolsonaro. E é desanimador constatar a estupidez dos ataques de parte da militância lulopetista a Ciro, por vezes mais cruéis do que aqueles destinados ao próprio presidente. Parece ser uma aspiração (guardada no fundo dos seus corações ou escorregadas em pequenos atos – falhos, ou não) de certa militância lulopetista que Bolsonaro siga cavando a própria cova, às custas da milhões de vidas brasileiras, e que Ciro seja o mais brevemente solapado, rejeitado, ridicularizado, caricaturado, cancelado. É compreensível que Ciro ataque o PT, pois ele se vê como seu adversário num possível segundo turno; e é acintoso que o PT ataque Ciro por preferir estar num segundo turno com Bolsonaro.

Segundo ponto. Adaptando a popular tirada, “não é sorte, é Deus”, é importante lembrar sobre a defesa que Ciro faz de um segundo turno sem Bolsonaro em 2022: não é aposta, é trabalho. Não é que Ciro apenas avalie a desgraça histórica causada pelo atual presidente, de proporções ainda não conhecidas completamente, e daí constate que ele não chegará ao segundo turno, como quem interpreta um fato e anuncia a sua consequência. Não, Ciro está ativamente implicado em fazer com que Bolsonaro não chegue lá. A própria ênfase nos indícios de que o atual presidente estará fora do segundo turno em 2022 é uma forma de disseminação desses indícios e a criação mesma de uma narrativa contra-hegemônica. Numa espécie de aposta na racionalidade, a lógica de Ciro é a de, por um lado, denunciar constantemente, com números e dados, a extensão da gestão catastrófica de Bolsonaro; enquanto, por outro, apresenta-se como alguém que tem um projeto real (escrito e publicado) para tentar resolver essa tragédia, como alternativa viável para o Brasil, seja o seu interlocutor um simpatizante da direita ou da esquerda, tenha ele votado em Bolsonaro, ou não.

Por Rodrigo Ornelas, Doutor em Filosofia, Professor e pesquisador e membro do GT Poética Pragmática (UFBA).

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