A PPI realmente acabou? Ou a demagogia como forma política?

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A PPI realmente acabou? Ou a demagogia como forma política?

Por Thiago Machado

Recentemente a Petrobrás alcançou sua nova máxima histórica no mercado acionário, com o valor de mercado de R$ 536,1 bilhões. Esse cenário, comemorado tanto pelo mercado, quanto pelos integrantes do Governo e militantes, vem unindo o “povo” brasileiro, pelo menos em discurso oficial. Depois de mais de um ano que o novo governo assumiu a presidência e tomou uma série de medidas, várias contradições vem se apresentando. Temas que foram defendidas ao longo da eleição, e mesmo antes dela, vem se mostrando falseadas, em contradição com os reais anseios de transformação nacional que o Brasil tanto precisa. Até o momento, a marca do governo tem sido a propaganda, fotos simbólicas, o “Brasil voltou”, em uma forte tentativa de controle de narrativas. Mas vale compreender o que mudou na principal empresa do Brasil.

Um desses elementos chaves da política econômica, desrespeito ao “abrasileiramento dos preços da Petrobrás”, uma promessa de campanha do governo Lula, de que ao invés dos preços da gasolina se balizarem pelo preço internacional do petróleo, nosso preço seria o custo de produção mais uma margem normal de lucro – tal como a Petrobras praticou na maior parte de sua história. Em diversas manifestações o Governo defendeu efusivamente, e de forma acertada, que teríamos um preço formado a partir de nossa estrutura de custo, que é majoritariamente interna, mesmo depois de vários ataques que a Petrobrás vem sofrendo ao longo de muitos anos.

Nesse momento histórico, no dia 16 de maio de 2023, o governo anunciou a nova política de preços da Petrobras a “política de referência de preços internacional”, PRI, em substituto a política de preços de paridade de importação, PPI.

Antes de avançar se faz necessário entender o significado da PPI e o que mudaria com a PRI. No segundo parágrafo do anúncio da Petrobras, a empresa apresentou de forma vaga e pouco transparente sobre o que seria essa nova política de preços, com algumas diretrizes, como a seguir:

“A estratégia comercial usa referências de mercado como: (a) o custo alternativo do cliente, como valor a ser priorizado na precificação, e (b) o valor marginal para a Petrobrás. O custo alternativo do cliente contempla as principais alternativas de suprimento, sejam fornecedores dos mesmos produtos ou de produtos substitutos, já o valor marginal para a Petrobrás é baseado no custo de oportunidade dadas as diversas alternativas para a companhia dentre elas, produção, importação e exportação do referido produto e/ou dos petróleos utilizados no refino.”

Na teoria econômica, o custo de oportunidade representa o custo associado a uma determinada escolha, medido em termos da melhor oportunidade perdida. No caso da PPI isso representa que, caso a Petrobrás vendesse a gasolina pelo seu preço de custo mais uma margem normal de lucro e o preço do petróleo internacional estivesse acima desse preço, – isso significaria que a empresa estaria perdendo uma margem de lucro, por estar praticando um preço mais baixo do que o internacional. Esse seria o custo de oportunidade que a Petrobrás estaria perdendo. O fim completo da PPI seria o fim desse custo de oportunidade na formação do preço interno. Note, sua determinação partiria de seu custo de produção e uma margem normal de lucro e não do preço internacional. No caso do exemplo de uma “paridade perfeita” e contínua, o preço interno seria igual às variações do barril do petróleo Brent, mais a variação cambial de cada momento.

O gráfico abaixo mostra o preço médio da gasolina da Petrobrás, de novembro de 2020 a dezembro de 2023. Como pode-se ver, a gasolina saiu de R$ 7,25, em maio de 2022, para sua mínima recente de algo em torno de R$ 5,00 no final de 2022 e início de 2023. Uma queda de 31% e depois um aumento para valores acima de R$ 5,50. Observe, que ocorreu uma queda de algo em torno de 24% aos níveis atuais, em relação a sua máxima recente. Por seu turno, o preço do Barril do Petróleo Brent caiu algo em torno de 27%, para o mesmo período.

Fonte: ANP – elaboração própria.

Com uma segunda questão, depois do anúncio da nova política de preços, em maio, o preço do barril brent, tal qual o preço da gasolina interna, também teve tendência de alta, também repassada pela Petrobrás. O preço da gasolina interna chegou a subir 15%, seguindo a mesma tendência do barril internacional.

Preço do Barril de petróleo Brent internacional em US$

Fonte: Traidingview – elaboração própria

A grande pergunta com esses dados é: por acaso o custo de produção do petróleo nacional subiu no período recente 16%? Tendo em vista que o abrasileiramento de seu preço representava a seu custo de produção? Existe algo que justifique, por exemplo, o reajuste de 16% do preço da gasolina que ocorreu em agosto do ano passado, depois do anúncio da PRI? Os salários e seus insumos haviam subido 16%? Por “coincidência”, foi exatamente a somatória da variação cambial mais a variação do barril de petróleo, que representa o elemento formador de preços da PPI. Mesmo considerando os coeficientes de importação, que são 15% do total da gasolina nacional, dada sua pequena participação relativa, um reajuste dessa magnitude significaria que o preço internacional teria que ter subido mais de 106% para o mesmo período, a fim de justiçar esse reajuste, o que não ocorreu.

Ao observar a tendência de preço do barril nesse último ano foi de queda, o que permitiu uma queda nos preços internacionais, tal qual o que ocorreu no Brasil. Contudo, uma série de estudos apontam que a Petrobrás continua praticando a PPI, algumas vezes até acima, como também foi apresentado pela associação de Engenheiros da Petrobrás.

Em artigo da associação de engenheiros da Petrobrás, o engenheiro da mesma empresa, Felipe Coutinho, afirma que o “fim do Preço Paritário de Importação (PPI) é mais uma farsa”. Coutinho ainda expressa o seguinte, em seu artigo de outubro de 2023:

“Em 3 de maio de 2023, o preço do diesel estava 14,3% superior ao PPI, o preço foi ajustado ao PPI em 17 de maio e, com os aumentos praticados em 16 de agosto e 21 de outubro, ficou 10,7% e 9,1% mais caro que o PPI, respectivamente.”

A manutenção dessa política de preços, que transfere renda dos consumidores para os acionistas da Petrobrás, permite uma lucratividade muita acima dos níveis internacionais e lucros recordes da empresa. Diante do cenário do fim da incerteza para os investidores institucionais, e o fato de que as ações se encontravam subavaliadas esperando maior definição institucional por parte do governo, temos a explosão do valor acionário da empresa.

Uma vez resolvido a manutenção dos preços internos a nível internacional, isso acabou por permitir uma espantosa valorização das ações da empresa. De 2023 até o janeiro de 2024, o valor destas ações saiu de R$ 18, para algo em torno R$ 41, uma valorização de mais 120% para o período. Esse movimento do mercado permitiu um certo carregando do crescimento do Ibovespa, que subiu “somente” 18%, dado o fato de a Petrobrás ser a principal empresa do índice.

Preço das ações da Petrobrás em 2023

Fonte: Traidingview – elaboração própria

Essa análise é replicada por analistas de investimentos do BTG Pactual, que argumentam o seguinte:

“Outros motivos dizem respeito ao arrefecimento dos principais riscos e à crescente confiança dos investidores de que a Petrobras será capaz de entregar retornos elevados também em 2024 via dividendos e recompras de ações, veem analistas da instituição (Money Times, 25/01/2024)”.

Em outra citação:

“Aos investidores mais temerosos com a exposição da Petrobras ao cenário político, o BTG acredita que o pragmatismo prevalecerá, abrindo caminho para novos resultados sólidos e pagamento de dividendos substanciais (Money Times, 25/01/2024).”

Essa manutenção do centro da dinâmica da rentabilidade da empresa e o seu pagamento de dividendos permite que hoje, dia 08/03/2024, anuncia-se o resultado do pagamento de dividendos da Petrobrás do ano de 2023, que ficou em R$ 124,6 Bilhões de reais. Valor este, que representa uma queda de 33,8%, em relação aos dividendos pagos em 2022. A despeito da queda do valor pago em dividendos, esse processo não decorre de uma alteração da política de preços da Petrobrás. Na verdade, esse movimento mostra que a empresa está alinhada com a dinâmica de rentabilidade global. Empresas do segmento, como a Exon Mobil e a Shell, também apresentaram queda de seus dividendos, na magnitude de 35% e 36% respectivamente.

O Engenheiro da Petrobrás, Felipe Coutinho, aponta em seu artigo, que a Petrobrás está em um processo de franca ascensão da relação dividendos, em razão do volume de investimento líquido da empresa, como a seguir:

“Em 2021 e 2022 a razão média entre os dividendos pagos e o investimento líquido foi de 804%, no resultado consolidado de 2023 foi de 232,63%, enquanto entre 2005 e 2020 foi de 12,7%, em termos médios. Ou seja, a relação entre o pagamento de dividendos e o investimento líquido em 2023 foi 18 vezes mais alta se comparada com a média de 2005 a 2020.”

Esses dividendos em valores absolutos superam até mesmo grandes empresas do setor, com receitas superiores ao da Petrobrás. O tapa na cara para quem defende os interesses nacionais se apresenta no fato de a Petrobrás ter pagado 4,2 vezes mais o montante de dividendos, em razão de seu investimento público. Felipe Coutinho ainda apresenta como a Petrobrás é uma das empresas que tem realizado um dos menores investimentos líquidos em relação as grandes empresas de setor, ao representar somente 51% das demais empresas do segmento. O único ponto de acerto do governo, ainda assim de forma totalmente marginal diante da estrutura criada, foi o não repasse de lucro extraordinários aos acionistas.

Outro grave problema que se apresenta, diz respeito a falta de planejamento estratégico, que coloque a Petrobras como articuladora do desenvolvimento do setor de energia. Esse movimento se percebe pelo incremento de importações de vários derivados do petróleo.

Esse conjunto de graves problemas que a principal empresa nacional apresenta, coloca, mais uma vez, que o governo manipula a população, ao afirmar que realizou mudanças estruturais na formação de preço da Petrobrás, tal como defendido em campanha, com a propaganda de “abrasileirar seu preço”. Enquanto, na realidade, a mesma lógica implementada por Temer se mantém, permitindo, por sua vez, a brusca valorização das ações da Petrobrás no ano de 2023. Além, é claro, de não ter alterado o centro da estrutura de pagamentos de dividendos, a falta de planejamento estratégico e reestatização de várias refinarias.

Esses erros históricos se apresentam para além da política de preços em si, que não favorece a população brasileira. A outra face da perversidade dessa política se apresenta na retórica, que visa iludir e manipular a população. Com isso, o governo acaba sendo mais pernicioso do que um liberal assumido, que ao menos expõe suas diretrizes, mesmo que muitas vezes camufladas. Essa maior transparência, permite que a população compreenda os objetivos e com isso se possibilite confrontos contratais diretrizes, que não estão alinhados com o interesse popular.

Não gostaria de estar afirmando isso, mas concretamente, o governo Lula III se mostra um aprofundamento da traição à classe que “simbolicamente” representa, e que, em vários aspectos, atua na manutenção do projeto econômico e político instaurado pelo ex-presidente Temer, mas que se formos olhar em perspectiva, mantém uma dinâmica nacional implementada desde Collor/FHC

Leonel de Moura Brizola, em um de seus artigos escrito três meses antes de sua morte, coloca o seguinte título: “Lula: inconsciente ou traidor” (2004, recomendo a leitura), que já dá o Tom de sua análise em relação ao líder do PT:

“O dramático, para nós, é que pela sua fraqueza e incompetência o Governo Lula poderá ser ainda muito mais danoso ao Brasil. Precisamos nos reconstruir desta decepção e reencontrar os caminhos políticos que representam a mudança, a esperança de progresso com justiça social que este governo traiu e abandonou.” Leonel de Moura Brizola

As palavras de Brizola ecoam na história recente de nosso país, diante da traição a projetos do campo de esquerda e nacionalista, que foram centrais na construção da maior empresa nacional. No início do governo Lula I, Brizola já havia exposto contradições do que muitos ainda não estavam preparados, mas que ainda se mantém nos dias de hoje. O que está ocorrendo hoje em dia é uma legitimação do projeto econômico e social, de Temer, que possui uma raiz genealógica desde o “Consenso de Washington”, e que vem se aprofundando ao longo das últimas décadas, com a participação da esquerda institucional.

O Brasil necessita se reencontrar e reconstruir os fundamentos que ajudaram na formação de nossa modernidade contraditória e diversas de suas mudanças – a custo de muita luta. A demagogia não pode ser o norte de nossa agenda social.

Por Thiago Machado dos Santos
Economista, pesquisador e doutorando pela UFRJ

 

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