No dia 21 de abril de 1985 o Brasil perdia Tancredo Neves. Quis o destino que partisse no mesmo dia que Tiradentes, seu conterrâneo.
Tancredo foi o catalisador das aspirações democráticas de um país que não aguentava mais os 20 anos de ditadura militar que então vivia o Brasil.
Sua morte antes de assumir o governo fez a Nova República já iniciar capenga, órfã de seu grande líder.
Alguns setores da esquerda brasileira menosprezam sua atuação e, de forma oportunista e com análise meramente superficial, confundem sua capacidade de diálogo e poder de conciliação com falta de firmeza. Nada mais mentiroso.
Tancredo teve em Getúlio Vargas sua maior referência e inspiração política e sempre defendeu o interesse nacional.
Conheceu Getúlio Vargas em 1945, já na fase de formação dos partidos que viriam a dominar a política brasileira até 1964, o PSD, a UDN e o PTB.
Foi levado por seu cunhado, o então major Mozart Dornelles, integrante do Gabinete Militar de Getúlio.
O PTB acabara de ser fundado, mas Getúlio o orientou a ingressar no PSD, onde teria mais espaço que no PTB, então quase exclusivamente um partido de líderes sindicais.
Foi eleito deputado estadual em 1947 e deputado federal em 1950, na mesma eleição que fez Juscelino governador de Minas Gerais e Getúlio novamente Presidente da República.
Ministro da Justiça no final do governo Vargas defendia um enfrentamento mais duro aos que queriam depor o presidente.
Sobre a escalada golpista contra Vargas, Tancredo deu o seguinte depoimento ao CPDOC da FGV: “Getúlio não enfrentou em nenhum momento uma oposição democrática. Getúlio enfrentou desde o primeiro momento uma oposição subversiva. Os homens da UDN, sobretudo a UDN militar, nunca se confirmaram com a derrota que lhes foi infligida”.
Em 1961, após assumir como primeiro-ministro no período parlamentarista do Governo Jango, Tancredo foi procurado pelo embaixador americano, Lincoln Gordon, propondo que o Brasil prorrogasse um acordo em vigor desde 1957 que permitia que os EUA operassem uma base em Fernando de Noronha. Não aceitou e a base foi devolvida ao Brasil em janeiro de 1962.
Antes disso, em novembro de 1961, o Brasil reatou relações diplomáticas com a União Soviética, rompidas por Dutra em 1947.
O mundo vivia então o auge da Guerra Fria.
Na famigerada sessão do Congresso Nacional, em 2 de abril de 1964, onde o senador Moura Andrade declara “vaga” a Presidência da República, dando formalidade política ao golpe militar, Almino Affonso relata que Tancredo, ao ouvir tal declaração, “levantou-se e avançou para a mesa da presidência, gritando: Canalha! Canalha!”
Durante a ditadura teve a coragem e a dignidade de ser o único político com mandato e de expressão nacional a comparecer ao sepultamento do ex-presidente João Goulart.
Por sua capacidade de articulação política, credibilidade e habilidade em construir consensos foi o nome natural da oposição para disputar a eleição no colégio eleitoral que iria eleger o Presidente da República, após a derrota da Emenda Dante de Oliveira no Congresso, que tentava restabelecer o voto direto popular para escolha do sucessor do Presidente Figueiredo.
Renunciou ao governo de Minas em agosto de 1984, quando foi escolhido candidato a Presidência da República pelo PMDB.
Poucos dias depois, na manhã do dia 24 de agosto, uma sexta-feira, Tancredo saiu cedo de Brasília rumo ao Rio de Janeiro.
Era sua primeira viagem como candidato. Uma viagem de cunho pessoal, praticamente à margem do PMDB e da Frente Liberal.
No Rio, o governador Leonel Brizola embarca no jatinho, que ruma para Porto Alegre, onde sobe a bordo o senador Pedro Simon.
De lá voam para São Borja, para homenagear Getúlio Vargas nos 30 anos de sua morte.
Diante do túmulo de Getúlio, Tancredo diz:
“Somos um povo que tem tudo para se realizar na face da Terra como uma grande potência. Getúlio é realmente aquele divisor de águas, diante de cujas cordilheiras havemos de escrever a história de nossa pátria antes e depois dele.”
Nada poderia ser mais simbólico.
Em 15 de janeiro de 1985 foi eleito Presidente da República pelo colégio eleitoral.
O resultado foi acachapante. Recebeu 480 votos, contra 180 de Paulo Maluf e 17 abstenções.
Teve apoio do PMDB, PDT, PTB e rachou o PDS, partido governista, cujos dissidentes formaram a Frente Liberal.
Só o PT ficou contra, para marcar posição, e expulsou os 3 deputados que votaram em Tancredo: Bete Mendes, Airton Soares e José Eudes.
“Esta foi a última eleição indireta no país!”
Esse trecho do seu discurso de vitória marcou o fim das eleições indiretas no Brasil.
Tancredo Neves teve uma trajetória política intensa, com vitórias e derrotas, que forjou um estadista, que fazia política com P maiúsculo, como o Brasil precisa tanto restabelecer.
Dentre muitas declarações relevantes após sua eleição uma, dita numa audiência com o Papa João Paulo II, se destaca.
Perguntado pelo Pontífice sobre a situação das dívidas externas dos países em desenvolvimento (o Brasil era, então, o país com a maior divida externa do mundo) Tancredo foi taxativo: “não se paga dívida externa com a fome dos povos!”
Foi uma fala tão marcante que o próprio Papa a utilizou em seu discurso no Congresso Eucarístico Internacional, ocorrido em Quito, no dia seguinte a audiência que concedeu a Tancredo.