O 7 de Setembro mostrou que o bolsonarismo não desaparecerá após as eleições

O 7 de Setembro mostrou que o bolsonarismo nao desaparecera apos as eleicoes

Como já coloquei, estive ontem para as comemorações do Bicentenário da Independência em Copacabana. Parabenizo em particular a Esquadrilha da Fumaça, que deu um espetáculo com as cores do Brasil no belo céu azul da Princesinha do Mar. Mereceu o meu aplauso e o de todos que ali estavam.

Também fiquei para o discurso do Bolsonaro, que gostando ou não, é o chefe de Estado e representante oficial do Brasil nessa data que só terá outra de igual importância daqui a 100 anos. Obviamente, ele aproveitou para vender o peixe dele enquanto candidato, como é de esperar numa democracia, onde tudo se reduz a cálculo eleitoral.

Essa “apropriação” da data não se mostrou incoerente, pois, das duas maiores forças eleitorais em disputa, o bolsonarismo foi a única que, ao longo desse ano, mostrou alguma reverência pela Independência – muito menos do que tinha que fazer, mas pelo menos foi alguma. O outro lado sambou em cima da bandeira nacional, escarrou no coração de D. Pedro I, ficou papagaiando “(in)dependência para quem?” e chegou até a sugerir terrorismo “sutil” para “corrigir” a data. Os mesmos que, desde muito antes do bolsonarismo, organizam o deplorável, derrotista e autoflagelante “Grito dos Excluídos” para se contrapor às comemorações oficiais do 7 de Setembro. Incoerente seria essa turma pedir agora respeito pelo 7 de Setembro.

O que os progressistas de salão não imaginavam era a capacidade mobilizadora do sentimento de pertencimento nacional. A festa do Bicentenário foi um retumbante sucesso de público. Chegou um determinado ponto que eu não consegui mais andar de tanta gente, e olha que, nesse momento, eu nem estava na orla, estava na Sousa Lima, uma das ruas que dão acesso à Avenida Atlântica.

Tinha de tudo lá: mulher, homem, jovem, idoso, meia-idade, preto(a), branco(a), mulato(a), índio(a), até casal gay. Ninguém me disse, eu vi com meus próprios olhos. Pelo menos (muito por baixo), 80% dos que lá estavam eram suburbanos. O tipo médio que ali estava era representante comercial da Sherwin Williams e corretora de imobiliária. O povo brasileiro é em média assim, não é o cracudo que enfia caco de vidro no bucho dessas pessoas nem intelectual e artista global que acha lindo isso acontecer e diz que “entende a lógica do assalto”.

Não me surpreende que esse segmento popular permaneça, em grande parte, com Bolsonaro. É tão fácil quanto errado reduzir a ligação ao bolsonarismo a aspectos psicológicos e individuais (“burrice”, “ressentimento”, “inveja” etc.). Tampouco estamos diante de uma “manipulação de massas pela ideologia dominante”, pois não se encontra uma única linha favorável a Bolsonaro e a qualquer espécie de patriotismo, mesmo o de goela, nos principais veículos tradicionais de imprensa (Globo, Folha, Uol, Estadão etc.), nas grandes universidades (Harvard, Oxford etc.) e nas maiores agências de propaganda a ideologia dominante. Estamos diante de um fato social, que, como ensina a boa sociologia, só pode ser explicado por outro fato social.

Bolsonaro é a única grande liderança política que mobiliza o patriotismo instintivo dessas pessoas que trabalham muito e sentem o país ser construído com o seu suor. Essas pessoas não são “desconstruídas”, pois a vida delas requer construção permanente: construção do emprego, da família, da instrução, da segurança e por aí vai. Elas não têm sobrenome Byington Duvivier para ampará-las caso a desconstrução signifique elas caírem no abismo. Ao contrário da fantasia progressistona, essas pessoas não são misóginas, racistas e homofóbicas, pelo contrário. Mas a prevalência das identidades pós-modernas não têm espaço nem tempo no mundo delas, como no mundo de qualquer pessoa minimamente sociável. O caráter, o esforço, o talento e a personalidade são muito mais importantes.

Por sua vez, o liberalismo econômico próprio dos dirigentes bolsonaristas, por mais que contribua para aviltar materialmente essas pessoas, cai como uma luva para elas, pois elas nunca conheceram um Estado que não fosse mero sugador de impostos para financiar o rentismo das margens superior e inferior da sociedade. A Nova República, em nome do “social”, abandonou material e simbolicamente essa parte da população, e deslegitimou a seus olhos as maiores instituições públicas, que se tornaram, com raras exceções que não são questionadas pelo bolsonarismo, como as polícias e o INSS, feudos assistencialistas e/ou identitários. O próprio Lula, quando presidente, dizia que a “classe média” não precisa de Estado. Se não precisa, como ela vai apoiar e gostar de pagar por ele?

Isso é um baita desafio para aqueles que, como eu, defendem por questão de princípios o Estado social e desenvolvimentista: como justificar um Estado que contribua para o crescimento e a verdadeira justiça social, que não se confunde com filantropia, sem ele funcionar adequadamente para a maioria das pessoas que trabalham e produzem? Como querer que o Estado seja a nação politicamente organizada se ele não se mostra compatível com os valores, anseios e interesses da maioria que acorda cedo todo dia para trabalhar e só se manifesta a ela como o “mais terrível dos monstros”, cobrando impostos sem retorno e mandando fechar comércio? Precisamos de Estado, mas não pode ser o Estado que a esquerda de hoje defende, um Estado para acomodar gente incapaz de se situar por conta própria no mercado de trabalho, um Estado adverso ao nacionalismo e basicamente representativo de identidades artificiais e abstratas. Tem que ser um Estado como Getúlio Vargas defendeu, um Estado para quem trabalha e produz, ou seja, para os grupos sociais que estavam em peso ontem celebrando o Bicentenário. Só assim haverá desenvolvimento e justiça social.

À guisa de conclusão, o forte apoio popular ao Bicentenário não significa que Bolsonaro será eleito. O “Datapovo”, tanto quanto o Datafolha, não é contagem eleitoral. Mas o fato é que Bolsonaro não está morto e que o apoio social a ele é muito maior e expressivo do que a subrepresentação do bolsonarismo na mídia tradicional. Não é certo que ele se reeleja, mas é absolutamente certo que, qualquer que seja o resultado eleitoral, o Brasil não voltará ao consenso neoiluminista “petucano” dos anos 90/2000. A história andou e quem não se adequar a ela será atropelado. A resposta, como sempre, passa pela questão nacional, pois a independência é a realidade e o destino do Brasil, como o Bicentenário lembra a todos nós.

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