A suposta decadência do Rio de Janeiro

O Rio de Janeiro vai continuar sua queda vertiginosa enquanto não "desorganizar" a Barra da Tijuca. Tem que colocar uns viadutos pra enfeiar o bairro, no mínimo. Levar o trem até lá. Derrubar os restaurantes e substituir por boteco. Derrubar uns prédios de classe média pra construir pensão com "PF [prato feito]", bagunçar o trânsito e o desenho do bairro pra meter umas pracinhas com campinhos de futebol. Tem de colocar kombis vendendo pamonha e carrinhos de churros por todas as esquinas. Tem de construir casas populares que já venham com aqueles buracos nos muros, pros moradores venderem bala, cerol e pipa pras crianças.

Há muita especulação sobre a “decadência do Rio de Janeiro”. Eu me preocupei bastante com esse tema no início da minha juventude, li alguns livros e artigos sobre a história do Rio. Aprendi que esse mito da decadência é um discurso das elites fluminenses e cariocas desde o fim do Império, por exemplo.

De todo modo, sempre se fala em “esvaziamento do Rio”. E aí abordam a coisa por um prisma político [o Rio deixou de ser o Distrito Federal e depois a caixa de ressonância política do país], econômico [a participação da cidade no PIB nacional não deixa de cair], social [falam da expansão das favelas, da cidade partida, da violência urbana], cultural [o Rio perde sua centralidade como definidor do que é ou não nacional, deixa de ser “espelho do país”], e por aí vai.
E são tantas e tantas explicações pra essa e aquela mazela….

Eu não pretendo negar a “decadência do Rio”. Mas ela se encontra noutro lugar, literalmente. Trata-se de uma maldição, ou uma traição que os cariocas cometem contra a própria cidade. Até a década de 1960, o Rio se orgulhava de sua singularidade, de suas raízes, de suas especificidades. Foi então que, como resposta a Brasília, criaram um projeto de expansão pra Barra da Tijuca. A “novacap” seria respondida com um novo transbordamento da “velhacap”.

E foi aí que degringolou tudo, porque a Barra da Tijuca foi se constituindo como Miami. Não tem o português da padaria e da mercearia. Não tem botequim em esquina, onde se joga sinuca e se toma cerveja em rodas de pagode, comendo bolinho de bacalhau. Não tem criança com pé descalço correndo pelas ruas, todas “melequentas”.

Ali, as pessoas vivem entre condomínios e shoppings e, em vez do Cristo Redentor, ornam esses lugares com réplicas patéticas da Estátua da Liberdade.

O Rio de Janeiro vai continuar sua queda vertiginosa enquanto não “desorganizar” a Barra da Tijuca. Tem que colocar uns viadutos pra enfeiar o bairro, no mínimo. Levar o trem até lá. Derrubar os restaurantes e substituir por boteco. Derrubar uns prédios de classe média pra construir pensão com “PF [prato feito]”, bagunçar o trânsito e o desenho do bairro pra meter umas pracinhas com campinhos de futebol. Tem de colocar kombis vendendo pamonha e carrinhos de churros por todas as esquinas. Tem de construir casas populares que já venham com aqueles buracos nos muros, pros moradores venderem bala, cerol e pipa pras crianças.

Se isso for feito de maneira urgente, o Rio já vai dar uma melhorada, vai se recuperar, vai renascer.

Não precisa de fábrica, do governo federal, de nada disso.

É só colocar fim à Barra da Tijuca, transformá-la num subúrbio. É querer voltar a ser Rio e não Barra.

[vejam como quase todo mundo que mora por ali quer ser Barra: chamam Jacarepaguá de “Barra”, Recreio dos Bandeirantes de “Barra”, até Curicica virou “Barra da Tijuca”. Suburbano ganha um dinheirinho e já quer ir pra “Barra”. Por isso a decadência. É a maldição da Barra].

Por: André Luiz Dos Reis.

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