O socialismo nunca existiu?

O socialismo nunca existiu

É preciso sempre atentar para consequência político-prática de teses teóricas. Por exemplo, algumas correntes no marxismo, como certos intelectuais da crítica do valor, defendem que o socialismo significa a superação de toda lógica do capital e fim de qualquer ação da lei do valor. A partir dessa compreensão de socialismo, defendem que tudo que vimos no século XX não passou de “capitalismo de estado” e “estatismo” e que o socialismo nunca existiu na face da terra. É uma conclusão teórica que podemos discordar, mas é inegavelmente coerente. O companheiro Robert Kurz, por exemplo, era muito preciso e sistemático nas consequências prático-políticas da sua produção teórica.

Quem defende que critério definidor do socialismo não é a conquista do poder político e a criação de um Estado proletário (que vai iniciar as transformações para superação do capitalismo), mas sim a superação total de toda lógica do capital e ação da lei do valor, por coerência, deve compreender que nunca existiu socialismo na história e que a Comuna de Paris, Revolução Russa, Chinesa, Cubana, Coreana, Vietnamita e afins não tem relação com o socialismo. É inegável, por exemplo, que depois da Revolução de Outubro de 1917, continua existindo lei do valor na Rússia – constatação feita e debatida por Lênin, Trotski, Evgeni Pachukanis, Preobrajenski etc. Podemos debater muito se a partir da planificação total da economia soviética, a lei do valor continuava atuando ou não. Mas me parece inegável que de 1917 até 1929, não é tema de polêmica a existência da lei do valor na Rússia.

Alguns podem argumentar que a questão não é a existência ou não da lei do valor e das categorias da lógica do capital, mas a busca de sua superação. Tenho acordo. Mas não existe limite predeterminado para conclusão desse processo e ele pode avançar ou retroceder de acordo com a própria dinâmica da luta de classes no plano nacional e global. Me parece inegável – usando de novo esse exemplo – que Cuba vive um retrocesso nesse aspecto. Podemos dizer, como certas correntes trotskistas, que Cuba restaurou o capitalismo?

Diria mais. É necessário pensar porque Marx e Engels, no debate sobre a Comuna de Paris, falaram que ela era a ditadura do proletariado, a forma-política enfim encontrada. Gostaria de lembrar de que ponto de vista das relações de produção e das forças produtivas, o Comuna praticamente não realizou nenhuma transformação de monta. As fábricas onde a burguesia decidiu não sabotar a resistência nacional, mantendo seu funcionamento, foram deixadas na mão dos proprietários e conheceram mudanças importantes, mas limitadas (proibição do trabalho infantil, mudança na jornada de trabalho, fim dos castigos físicos etc.). Será Marx o primeiro grande deturpador de Marx ao considerar uma expressão da ditadura do proletariado uma experiência histórica que não tocou em praticamente nada na ação da lei do valor? (lembrando que Marx e Engels sempre destacaram que a Comuna não teve TEMPO para realizar essas transformações, mas, mesmo assim, consideram uma experiência de ditadura do proletariado).

De resto, nesse debate sobre qual é o critério científico para definir uma experiência socialista, é na obra de Lênin que vamos achar a melhor base para esse debate. O líder bolchevique, com seu clássico realismo revolucionário, não era simpático à escolástica acadêmica. E teve um lugar histórico muito melhor que Marx e Engels para estudar concretamente a construção do socialismo.

Sair da versão mobile