Sobre ataques do petismo ao Ciro e os rumos da esquerda

ciro gomes e os ataques petistas

Quando foi encerrada a eleição presidencial, no dia 28 do mês passado, em outubro, com a vitória acachapante do Bolsonaro e seus quase 60 milhões de votos, eu pensei cá com meus botões: o baque foi forte e a esquerda vai levar um tempo para se recuperar, mas, creio, os indícios dos erros estão agora mais claros e cristalinos do que nunca e certas paixões antes muito candentes parecem mais esmaecidas, portanto será mais fácil realizar a indispensável autocrítica e superar o que deve ser já agora com atraso superado. Claro, com menos de um mês decorrido após o fim do pleito não é possível cravar qualquer coisa mais definitiva a respeito. Não é factível dizer para aonde o grosso dessa massa que se espalha pelo Brasil e se entende e se identifica com valores de esquerda vai rumar, que juízos fará e como vai operar a partir deles.

No entanto, alguns movimentos já começaram a acontecer: uma parte daqueles que foram impiedosamente surrados nas urnas, rejeitados pelo povo brasileiro, já começou a se levantar para tentar macular as alternativas ao seu hegemonismo – como é, aliás, praxe. E é claro que falo do petismo, sua máquina de desinformação e difamação. Uma máquina que já foi mais poderosa e respeitada (e isso é uma das autocríticas que precisamos fazer, todos: por que toleramos esse tipo de jogo baixo por tanto tempo? Quanto mal isso fez ao País…), mas que ainda é capaz de causar seus estragos e enganar quem esteja sujeito a ser enganado. E não há muitas explicações para quem ainda aceita as patacoadas disseminadas pelo petismo. A não ser jovens imberbes com pouca experiência e conhecimento sobre o desenrolar da política nacional nas últimas décadas, não há muita justificativa para abraçar as narrativas tolas e terroristas do PT, que invariavelmente renegam ao limbo quem delas não se serve e que sempre desembocam na defesa acrítica do PT e do que ele de pior representa e faz.

A vítima da vez é o ex-presidenciável Ciro Gomes, que terminou em terceiro lugar no primeiro turno e que se apresentou como alternativa no campo progressista com seu projeto de nacional desenvolvimento. Os ataques começaram ainda no segundo turno quando Ciro resolveu não subir no palanque petista – o que ele já havia avisado de antemão. Ainda no primeiro turno Ciro havia afirmado que votaria em Haddad caso ele fosse disputar com Bolsonaro, mas que não faria campanha para o PT. O que acabou se confirmando, provando, pois, a coerência do Ciro: logo na primeira semana depois de ratificado o resultado do primeiro turno, Ciro e o PDT declararam em nota o “voto crítico” em Haddad — um voto crítico em quem passou a campanha toda se negando a fazer autocrítica – e o pedetista acabou não subindo no palanque do PT conforme prometera. O petismo não perdoou. A partir desse momento Ciro virara persona non grata e passou até mesmo a ser responsabilizado por alguns pela derrota do Haddad.

E qual o crime que cometera Ciro Gomes? Ciro que foi sacaneado pelo PT, que se viu isolado a partir de manobras eticamente deploráveis orquestradas por Lula e sua cúpula, que agiram sorrateiramente para lhe tirar alianças, palanques e tempo de televisão, porém não para benefício direto próprio (o que faria da coisa algo menos indecente), mas tão-somente para prejudicar a candidatura do Ciro. O crime do Ciro, segundo os petistas, foi se ausentar da defesa da democracia. Repare aí no sutil estratagema: as safadezas do PT contra o Ciro só afetam o Ciro, mas o Ciro se negar a fazer comício para o PT afeta toda a democracia. Democracia que aparentemente só entrou em estágio de risco no segundo turno, pois, no primeiro, durante quase todo ele, o PT não usou suas propagandas e debates para bater em Bolsonaro – e só ensaiou fazer quando nos dias finais as pesquisas internas mostravam o risco do então candidato do PSL vencer no primeiro turno – e que figurões da sigla diziam feito pavões nas redes sociais que queriam Bolsonaro no segundo turno, uma vez que só assim o PT teria chances de vencer – o que era um cálculo correto. Mas, vem cá: se o Bolsonaro representava um risco de golpe, o que justifica esse comportamento do PT? E mais: se foi o PT que vendeu a partir do segundo turno – e só a partir do segundo turno – que o Bolsonaro representava um risco à democracia, por que o Ciro e qualquer outro candidato teria de defender a mesma coisa? Aliás, essa é uma tese insana: se o Bolsonaro é um risco de aplicação de um golpe, por que ele precisaria vencer a eleição para perpetra-lo? Desde quando um golpe de Estado para ser aplicado necessita que seus líderes antes sejam referendados pelas urnas? Isso é uma completa baboseira, absolutamente amalucada e fruto de puro terrorismo eleitoral que invariavelmente o PT aplica a cada quatro anos.

O Ciro, a Marina, o Alckmin e vários candidatos passaram toda a campanha alertando sobre os riscos que o Bolsonaro representava ao País, por suas medidas econômicas ultraliberais, datadas no tempo e no espaço, por suas falas demagógicas, por seus discursos simplistas, por sua incompetência administrativa para tratar de coisas complexas e por sua postura intolerante. Daí a concluir que ele teria como dar um golpe de Estado e nos jogar num estado de exceção ditatorial vai uma enorme, uma absurda distância. Quem vendeu essa retórica foi o petismo. E agora, de forma cínica, como é usual, cobra que os outros também a comprem. Como foi em 2014, com o discurso de que a eleição do Aécio representaria terra arrasada; como foi em 2016, com a exigência de que comprássemos a narrativa que eles venderam sobre o impeachment e suas supostas implicações (que, diziam, iria além do simples golpe, resultaria no fechamento do Congresso, tanques nas ruas e no cancelamento das eleições — o que não aconteceu, é claro); e agora a tese que apareceu de uma hora pra outra que a eleição do Bolsonaro poderia resultar num golpe de Estado.

E aí, é claro, se não se comprar essas narrativas em sua íntegra, se vira fascista, golpista e tudo o mais que o vocabulário petista entender como capaz de desidratar lideranças que não sejam as suas. Esse modus operandi é antigo e conhecido por todos. O caso mais emblemático ocorreu em 2014 em relação à Marina Silva: o PT perpetrou uma das campanhas mais sujas e abjetas que se tem notícia no Brasil, com mentiras e ataques pessoais os mais vis, acusando Marina Silva de entre outras coisas ter um plano de arrocho fiscal e de que se eleita colocaria o Banco Itaú – por ela ter proximidade com a família Setúbal – no comando da Fazenda. O que fez Dilma Rousseff quando eleita? Aplicou um arrocho fiscal, cortando inclusive verba do Bolsa Família, e colocou um banqueiro no controle da Fazenda, Joaquim Levy – agora cotado para fazer parte do governo Bolsonaro. Levy que era ligado ao Bradesco e não ao Itaú – talvez aí estivesse o problema para o petismo. É de um cinismo impressionante. Como diz um amigo, que é progressista, não há no mundo um partido que abuse tanto do cinismo como o PT. Invariavelmente o partido acusa os outros como se a pior coisa do mundo fosse daquilo que o PT faz e cansa de fazer.

Contudo, toda essa sujeira que explica a debacle petista, a rejeição abissal acumulada pela sigla e a derrota merecida nas urnas, não seria um problema se aqueles que se dizem de esquerda e do campo progressista não fossem tolerantes com ela. A reação crítica às opções ao PT no campo progressista, como é o caso da Marina até hoje, crucificada por apoiar o Aécio Neves enquanto nada se fala do PT ter se aliado a coisas muito piores como Magno Malta, Eduardo Cunha, Michel Temer e quejandos, é mostra de como há sempre dois pesos e duas medidas. E pior do que isso: diante do que se entende como o mais mínimo erro de uma liderança progressista não petista, há invariavelmente a tentativa de sepultá-la. Não presta mais, decretam. Enquanto isso, o treze de cada dia nos dai hoje continua garantido faça o partido da estrelinha vermelha o que fizer. No livro Irmãos Karamázov há a célebre frase de Ivan Karamázov que “se Deus não existe, tudo é permitido”. A lógica de parte da esquerda mais alinhada ao petismo é parecida: se não há uma opção ao PT que aparente ser perfeita, então ao PT tudo é permitido.

Não precisa ter mais que dois neurônios para perceber o que esse comportamento traz como consequência: a manutenção do hegemonismo petista a dificultar que alternativas melhores no campo, sejam elas quais forem, surjam e superem aquilo que já está completamente datado, surrado, que não tem nada de novo a oferecer, que na boca de gente do próprio partido se lambuzou na corrupção, que só tem a nos entregar a cada quatro anos um discurso eleitoral terrorista e um projeto de poder que beneficia única e exclusivamente sua burocracia pouco preocupada com o zelo da coisa pública e com os problemas do País. Se em 2022 novamente o campo progressista entregar ao povo como opção isso aí, entregar o PT, 2018 deixou terminantemente claro: vai perder. E vai perder de muito mais. E vai perder de forma merecida.

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