A vida como ela é: contra o PCdoB, PSOL usa até cláusula de barreira em conluio com PT

A cláusula de barreira é um instrumento para sufocar partidos pequenos até a morte por falta de condições materiais mínimas de existência. Um partido que não atinge a cláusula de barreira, ou seja, um mínimo percentual eleitoral, perde o direito ao fundo partidário, e a toda estrutura partidária no legislativo, seja administrativa, como gabinete de liderança, assessorias e etc., e até mesmo prerrogativas parlamentares, como o direito de formar blocos partidários, tempos de fala, participar da reunião de líderes, entre outras coisas. Os parlamentares ficam apenas com suas prerrogativas como deputados independentes, é como se o partido não existisse perante os outros partidos.

Esta sempre foi uma pauta dos partidos grandes, e principalmente de direita, como PMDB e PSDB. Na esquerda, o PT sempre flertou com a ideia com o intuito de submeter os outros partidos do campo à sua hegemonia. O sonho dos petistas é que partidos pequenos voltassem a ser correntes internas de sua agremiação, como já foram um dia PSTU e PSOL. De toda forma, essa pauta sempre foi bloqueada por um sentimento democrático de união dos pequenos partidos ideológicos de esquerda. Com o avanço da anti-política e de um neoconservadorismo desde 2013, o clima no país mudou, abrindo espaços para a tão desejada por todos “reforma política”. Mas quem realizou a reforma política foi Eduardo Cunha, impondo à cláusula de barreira gradativa. Em 2018 o critério era 1,5% dos votos nacionais ou eleição de deputados em pelo menos 9 estados diferentes. Este percentual aumentará para 2,5% em 2022 e 3,5% em 2026.

O PSOL, que lutava junto com o PCdoB contra essa medida anti-democrática, superou a cláusula de 1,5% por enquanto. O PCdoB fez 1,35% dos votos… Assim, a solução legal encontrada para não vilipendiar um partido histórico como esse foi a fusão com o PPL, antigo MR-8, que foi aceita pela Câmara dos Deputados, e estão com trâmites avançados para conclusão no TSE. Pois bem, na noite desta sexta-feira, na eleição para presidência da Câmara e para composição da mesa diretora, o PSOL tentou barrar a participação do PCdoB em bloco partidário na Câmara com base, vejam só… na cláusula de barreira!

Os psolistas colocam-se como o partido da “coerência política”, da “moralidade” (até mesmo em defesa da Lava-Jato…), da “ética”, dos “princípios”, em suma, do purismo sectário. Mas o fato é que isso é só discurso para as bases de cabos eleitorais mesmo. Na hora da disputa real, dos conflitos concretos nas estruturas do Estado, o PSOL jogo o jogo igualzinho o PT, e todos os outros partidos que tanto critica. O PSOL surge do rompimento com o PT discursando contra as “alianças espúrias”, e passou mais de uma década fazendo “oposição de esquerda” ao PT, acusando-o de excesso de pragmatismo e violação de princípios. Já escrevi que esse nunca foi o problema do PT, defendo que o PT fazia o certo ao buscar alianças, errou ao favorecer justamente as corporações não-eleitas e autoritárias que hoje trabalham para destruí-lo.

Portanto, do PT eu espero o jogo mais duro e pragmático possível na disputa por espaços de poder no Congresso Nacional, e os respeito por isso. O curioso é ver o PSOL, a mando do PT, utilizar-se de uma manobra regimental, do mesmo tipo das que Eduardo Cunha usava para tratorar a oposição, para impedir o PCdoB de formar um bloco partidário e disputar espaços no xadrez parlamentar, como é legítimo que todos os partidos façam. O que aconteceu?

PCdoB e PDT, no rescaldo da violência política que a força eleitoral do PT impôs em 2018, buscaram criar uma alternativa ao hegemonismo petista na Câmara. Formaram um bloco com PSB, e negociavam assim com Rodrigo Maia, o nome de consenso da Casa para presidência. Assim como o PT fazia, e fez novamente. Quase 20 deputados do PT votaram em Maia, diga-se. O PT, com o legítimo receio de ser isolado, atraiu o PSB para fora desse bloco com a promessa de formar bloco maior, com PP, parte do MDB, e a esquerda, digamos minoritária, o PSOL. Este bloco não funcionou. PP e MDB se acomodaram com Maia. Assim, sobrou um “bloco de esquerda”, com PT, PSB, PSOL e REDE. O PDT e PCdoB, de forma também legítima, reagiram e buscaram um bloco com partidos menores, Patriota, Podemos, Solidariedade, PPS, Avante, DC (Democracia Cristã) e Pros. Esse bloco tem 105 deputados, contra os 98 do bloco PT-PSB-PSOL-REDE. Isso garantia um lugar na mesa, e a liderança da minoria para o grupo encabeçado por PCdoB e PDT.

Ao fim e ao cabo, o PT tão acostumado a ser o dono de grandes maiorias parlamentares e desdenhar do moralismo psolista, ficou preso a um bloco com o PSOL… Eis que o PSOL, atuando como títere do PT, ataca a fusão do PCdoB com o PPL, para cercear as prerrogativas do partido, notadamente a de formar blocos partidários, o que colocaria o PT de novo na liderança do maior bloco de oposição. Este episódio é didático para a militância do PSOL, pois mostra a vida como ela é. Enquanto minoria dissidente do PT, os métodos petistas eram considerados monstruosos pelos psolistas. Na primeira oportunidade que PT e PSOL foram colocados do mesmo lado, a criatura mostra sua semelhança ao criador. Até o uso da cláusula de barreira vale na luta sangrenta do parlamento.

Orlando Silva, líder do PCdoB, reagiu:

“Causa surpresa esses dois partidos com trajetória democrática buscarem violar a autonomia da organização partidária nos termos da Constituição Federal. PCdoB e PPL já decidiram pela fusão. O que está em curso é a formalização no TSE. O PT quer tutelar o PCdoB. Desta vez, não. E está usando o PSOL, com todo respeito, o PSB, com todo respeito, para fazer um debate que não cabe. As diferentes visões táticas sobre a eleição da Presidência da Câmara não podem contaminar a relação política. Depois de hoje, tem o amanhã. Vamos nos encontrar nas ruas em lutas contra o governo Bolsonaro.”

Soado o apito final, o PCdoB manteve o reconhecimento de sua fusão com o PPL, a questão de ordem levantada pelo PSOL foi rejeitada. Pela proporcionalidade dos 105 deputados de seu bloco, o PDT ocupará a 2ª secretaria da mesa diretora da Câmara com o deputado Mário Heringer e deve ficar também com a liderança da minoria com André Figueiredo, além de ter preferência sob o bloco do PT para presidir comissões e relatar projetos importantes. O PT ficou apenas com uma suplência na mesa. Rodrigo Maia foi eleito com 334 votos no primeiro turno. O bloco da “esquerda unida” que tinha 98 deputados, deu 50 votos para Marcelo Freixo, 30 para JHC do PSB, e o resto para Rodrigo Maia. Nunca foram princípios que estavam em jogo nas acusações moralistas do PSOL, e sim a disputa de poder e voto dentro da esquerda, como sempre foi e continuará sendo, ainda mais agora com a chance de barganhar com o irmão mais velho, que passou anos no poder esnobando o caçula rebelde.

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