Os 100 anos do Partido Comunista Italiano

Há exatamente um século, num 21 de janeiro, dirigentes da facção esquerda do Partido Socialista Italiano – com destaque para Amadeo Bordiga e Antonio Gramsci – decidem abandonar seu XVII congresso, em Livorno, e conclamar simpatizantes para fundar uma nova agremiação. Inspirados pelos ventos da Revolução Russa, criam a seção italiana da Internacional, o Partido Comunista da Itália.

Por que é importante marcar a data? Não fosse por nada, só pelo fato de o PCI ter sido o aparato de esquerda de maior influência em duas organizações políticas brasileiras, o PCB dos anos 1970/80 e o PT dos anos 1990.

O PCI percorreu uma existência trágica e heróica, antes de conhecer uma irrefreável decadência, iniciada nos anos 1980, até se autodissolver em 1991. Fora alvejado pelas mudanças no mundo do trabalho e pela queda dos regimes socialistas de corte soviético. Mesmo exercendo forte crítica ao modelo de partido único emanado de Moscou, a partir da segunda metade dos anos 1950, a legenda de Gramsci, Togliatti e Berlinguer ascende e decai no exato período histórico da existência do regime inaugurado em outubro de 1917.

Núcleo central da resistência ao fascismo e agrupamento político com maior número de militantes presos ou assassinados durante as duas décadas da ditadura de extrema-direita, o PCI se torna, no pós-Guerra não apenas a expressão mais influente da esquerda organizada no Ocidente, alcançando 1,4 milhão de filiados nos anos 1970 – num país de 54 milhões de habitantes -, como um celeiro teórico sem paralelo no continente europeu.

Pilar da reconstrução da democracia italiana após 1945, o PCI buscou seus caminhos numa sociedade complexa, em que a disputa do poder político se dava em condições muito distintas daquelas de tipo oriental. No país das estepes, a ruptura revolucionária se deu em meio a uma sociedade civil muito menos desenvolvida e em que os aparatos ideológicos de convencimento estavam praticamente restritos à ação da Igreja. O PCI enfrentou não apenas o Vaticano em aliança com o imperialismo, mas uma poderosa engrenagem de comunicação e a importação do modo de vida americano no terreno do comportamento e da cultura, no auge da Guerra Fria.

É impossível reconstituir as glórias e a decadência do PCI em poucas linhas, ainda mais por alguém não especializado no tema, como é meu caso. Por isso, faço aqui uma indicação preciosa.

Trata-se de “O alfaiate de Ulm” (Boitempo, 2014) de Lucio Magri (1932-2011), um dos últimos dirigentes e teóricos de peso do PCI. Destaco um pequeno trecho de sua minuciosa e dramática reflexão sobre a história da legenda:

“O PCI deu uma contribuição essencial para o renascimento democrático e sua implementação. Apenas pelo fato em si de existir como partido de massas, ou seja, reunindo milhões de pessoas, educando-as ou envolvendo-as na participação política ativa, fortalecendo-as por meio de uma cultura comum, que transmitia confiança na mudança do mundo pela ação coletiva.

A maioria pertencia às classes subalternas, que sempre, e em qualquer lugar, são as mais distantes e desconfiadas das instituições e, sobretudo, dos problemas internacionais. Um partido com esse caráter e dessas dimensões (com o apoio de múltiplas organizações colaterais) era único na Europa. Ao longo das décadas, porém, essas características haviam empalidecido: para o bem (por exemplo, o afrouxamento do dogmatismo ideológico e da estrutura hierárquica) e mais ainda para o mal (a separação entre dirigentes e trabalhadores, a profissionalização da política, a escassez de jovens, a assimilação da cultura corrente).

No fim dos anos 1980, o partido de massas já era outra coisa. Restava o fato, porém, de que o PCI não apenas conservava 28% dos votos, mas tinha 1,4 milhão de filiados, em parte ativos e politizados, e 40% deles haviam se filiado ao partido havia mais de vinte anos, provinham do mundo proletário e custodiavam certa memória”. (Pág. 368)

Por: Gilberto Maringoni.

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