O caso Tábata Amaral: entre os oportunistas e os profetas do óbvio

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E eis que diante do voto favorável da deputada Tábata Amaral à reforma da previdência proposta pelo governo Bolsonaro videntes de todos os cantos da internet, em uníssono, bradam eufóricos: EU AVISEI!

À vitória dos profetas do óbvio que, protegidos por suas argutas análises políticas não se deixaram seduzir pelo canto da sereia liberal, soma-se a fúria dos guerreiros da coerência: EXPULSÃO JÁ!

Mas, enquanto alguns bravejam, outros comemoram. O regresso triunfante dos indisciplinados, que reagiram à perda de espaço interno expondo seu partido a ataques de todos os lados, e o alívio dos concorrentes de votos, que viam Tábata adentrar em seus domínios, trouxe de volta boas noites de sono a muita gente pelo Brasil.

As redes sociais geraram essa intrincada dinâmica que devia estar causando pesadelos à esquerda liberal paulista: quanto mais ódio, mais fama. No espaço apertado ocupado por 513 deputados disputando holofotes, haters são signos de sucesso – como Bolsonaro mostrou na última eleição. E Tábata angariou um exército destes nos últimos meses.

A defesa que ela faz da simpática causa da educação, simplificada em meras soluções técnicas, trazia um potencial eleitoral muito grande em amplos setores da classe média cosmopolita de São Paulo, onde PT e PSOL, há muito, fincaram bases. A repentina saída do ministro Vélez e a repercussão do evento capitalizada por Tábata, na certa, provocou fúnebres silêncios na Vila Madalena. O PDT finalmente poderia furar a diminuta bolha a que o antigetulismo sempre confinou o partido no estado mais rico e populoso do país.

Na verdade, essa bolha já havia sido rompida em 2018, quando Ciro Gomes teve lá 2 milhões 650 mil votos para presidente. Feito incrível para uma candidatura que seguiu isolada, com poucos recursos, sem candidato competitivo a governador e disputando a presidência contra o ex-prefeito da capital e o ex-governador do estado. Cabe lembrar que, em 1989, Leonel Brizola teve apenas 1,5% dos votos de São Paulo (pouco mais de 250 mil) e ficou fora do segundo turno das eleições por apenas 450 mil votos.

Apesar da bolha furada, o PDT em São Paulo continua pequeno e com dificuldades em se estruturar no estado. Tábata, com toda a mídia e apoio do seu partido, tanto o oficial quanto o clandestino, conseguiu 264 mil votos, obtendo a 6ª maior votação entre os deputados federais de São Paulo. O segundo colocado do PDT, o ex-metalúrgico e ex-prefeito de Guarulhos, Sebastião Almeida, que governou esta importante cidade de 2009 a 2016, conseguiu apenas 29 mil votos, o que nem o credencia a suplente de Tábata, já que não teve 10% do quociente eleitoral do estado. Para a Câmara Estadual, o PDT também elegeu apenas um deputado.

A explosão da bolha e a perda de espaço interno motivaram uma verdadeira cruzada, disfarçada de denúncia política, contra a “Batata Liberal”. Talvez em nenhum outro momento da história política do país a pureza ideológica do partido trabalhista tenha sido tema de tanta preocupação na esquerda brasileira. Os desgostos do presidente Getúlio e as reviravoltas no túmulo que o governador Leonel Brizola estaria dando no cemitério de São Borja se tornaram constantes conclusões de zelosos analistas aflitos em restabelecer os pilares da verdadeira doutrina trabalhista.

O mais curioso desse fenômeno contemporâneo é que essa inquietação não partia apenas de quadros do PDT, mas também de comunistas ortodoxos e, especialmente, de liberais de esquerda, remetendo à máxima que circula no meio trabalhista desde a partida do caudilho: “Toda vez que um petista diz que Brizola revira no túmulo, Brizola revira no túmulo”.

A tudo isso, se soma agora a mágoa daqueles que verdadeiramente se sentiram traídos pela Tábata Amaral e descobriram que as críticas oportunistas de seus detratores, apesar das mais mesquinhas motivações, não eram totalmente falsas. Na verdade, as expectativas desse grupo estavam mais ligadas à confiança em seu fiador do que à deputada em si.

Revelar novos quadros é praxe do grupo político liderado por Ciro Gomes no Ceará. Tábata seria mais um desses quadros com grande potencial de crescimento em um estado onde o PDT ainda procura se firmar. Imaginar que era contingencial a ligação com o grande empresariado, através dos think tanks liberais que se alastram no cenário político brasileiro – e são tão denunciados pelos geniais videntes de internet –, era totalmente razoável. Claro que não pelos motivos pregados pelos profetas do óbvio em seu arrumado e precário mundo teórico, onde a conversão se dá por uma iluminação ideológica divina, mas pelo que o PDT tinha de fato a oferecer à Tábata, concreta e materialmente.

A deputada se elegeu por um partido que acabou de sair de uma eleição presidencial com 1/8 dos votos nacionais e está em pleno processo de reorganização interna e recuperação do vigor combativo. E mais: com um espaço enorme a ser ocupado nesse partido, no rico e populoso estado de origem da deputada. Tábata, com seu histórico, com o trabalho que vinha fazendo de construção de bases populares através do seu gabinete e com a estrutura partidária a seu dispor teria na mão grande força para a disputa política. Não da ‘nova’ nem da ‘velha’ política, mas do poder político real, que é o que interessa de verdade e é o que permite a uma liderança influir de fato no orçamento e nas políticas públicas ligadas à educação, por exemplo.

Se fosse essa sua intenção, não há nada mais razoável do que imaginar que o PDT venceria com folga a disputa com os endinheirados que financiam o Acredito ou o RenovaBR e Tábata poderia muito bem seguir viagem na carroceria do caminhão trabalhista, lembrando a conhecida metáfora que Brizola usava: “Na carroceria do caminhão cabe todo mundo, mas na boleia só quem se confia”. E se a ruptura com os endinheirados não fosse só financeira, mas também ideológica, ela poderia até pleitear um lugar na boleia um dia, no núcleo blindado que vem tocando o barco do trabalhismo de Getúlio a Lupi. Mas, pelo visto, a luta pela educação é só a fachada de um negócio para o qual, na melhor das hipóteses, Tábata Amaral está sendo usada (tome cuidado com essa gente, deputada!).

O que toda essa experiência mostrou, ao fim, é que esses movimentos para-partidários que tinham o propósito de se infiltrar nos partidos de esquerda para moldá-los, ou dominá-los por dentro com a força do dinheiro, escolheram mal o terreno da luta. O PDT tem longa experiência contra esse tipo de infiltração e seu estatuto traz as marcas desse histórico de enfrentamentos. Esse ano mesmo, provavelmente adiantando possíveis problemas que teriam na votação da reforma da previdência, foi adicionada uma nova regra que veda acesso ao fundo partidário por parlamentares que não sigam as deliberações do partido. Para alguns deputados, essa punição é pior que a pena capital, ainda não permitida pela legislação brasileira.

Independentemente do desfecho dos processos contra os parlamentares que votaram pela reforma, o saldo para o PDT pode ser muito positivo, se ações seguirem a orientação da luta real do povo brasileiro e, não, a barulheira infernal das redes sociais. Mesmo sem expulsões, que fariam o partido perder parte significativa do fundo eleitoral do próximo ano, o PDT pode encabeçar a denúncia contra os partidos clandestinos e isolar os traidores com outros tipos de punição, ao invés de presentear os partidos adversários com mandatos que tanto custaram aos militantes trabalhistas e a seu fundo partidário. Você sabe que é isso que acontece com a expulsão de um parlamentar, não é? Pelas exóticas leis brasileiras, o traidor recebe um bônus à custa do suor e das lutas de quem eles acabaram de apunhalar pelas costas, podendo migrar com seu mandato para onde bem entender.

Se Tábata Amaral queria contribuir para a educação do povo brasileiro, ela conseguiu. Sua traição deu aos mais jovens um exemplo eloquente da importância do Partido para as lutas populares e das funestas intenções escondidas por trás da defesa da “nova política”. O ataque que vem sendo promovido, há décadas, às estruturas partidárias não é por acaso. Só o Partido é capaz de impulsionar o avanço da luta com base no acúmulo prático/teórico anterior e promover a atuação coesa das massas no presente. A militância mais jovem, especialmente a que vem surgindo das redes sociais, tem sido presa fácil da ideologia neoliberal que estimula uma visão egocêntrica do “poder da ação individual” e esteriliza a ação coletiva pela excitação de um horizontalismo inócuo tomado como sinônimo de “liberdade”. Mas graças a Tábata, hoje, ficou claro para amplos setores da sociedade a quem serve a antipolítica disfarçada de renovação.

Os próximos passos do PDT poderão ainda ensinar que a verdadeira luta contra o imperialismo e o subdesenvolvimento não se dá pelo isolamento purista de partidos que se autopromovem como “ideológicos”, mas que, na verdade, são minúsculas seitas que falam para pequenos nichos e que pouco contribuem para a luta do povo brasileiro. Construir um partido de massas capaz de jogar com as contradições da realidade, adaptando os seus métodos, formando sua militância, protegendo a cabine, mas enchendo cada vez mais a carroceria, sem ceder ao conforto do sectarismo para ser capaz de disputar o poder real; eis o desafio.

Como dizia Brizola, a bilha de ferro não teme se aproximar da bilha de barro.

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