Não gostar de Neymar é esporte nacional

Neymar na Copa do Mundo de 2018 na Rússia

Futebol é sentimento, é emoção. Ninguém é obrigado a analisar futebol como Tostão ou como Paulo Vinícius Coelho. Um torcedor (ou “secador”) tem todo o direito de não gostar de Neymar e de qualquer outro jogador. Entendo quem não gosta do Neymar por conta do estilo de jogo; quem é preconceituoso, careca ou metido a cabeleireiro e cisma com o penteado de um jovem de 26 anos; entendo quem acha que ele “só” cai; entendo até quem o avalie pelas coisas que ele faz ou deixa de fazer fora do campo. Tudo isso é parte da sociedade do espetáculo e, mais do que isso, da vida.

Mas o que deve ser posto em questão é o motivo deste ódio a Neymar e a outros jogadores. Dizer que Neymar é uma “farsa”, que ele “não joga nada”, que é pura “midia”, vale apenas para a torcida irracional ou por quem é adepto da pós-verdade. Ele pode, como todo jogador, não jogar bem uma partida ou um campeonato. Mas ele é, inegavelmente, um dos grandes jogadores do mundo. Dizer o contrário é ser contrafatico. Os números dele são impressionantes. Para se ter ideia: na temporada 2016/2017, no Barcelona, ele fez 13 gols e deu 11 assistências em 30 partidas na Liga Espanhola. Na Copa do Rey fez 03 gols em seis partidas. Na Liga dos Campeões 04 gols em 09 partidas. Em 2017/2018, já no PSG, Neymar jogou 20 partidas pela Ligue 1, com 19 gols e 13 assistências; fez 06 gols em 07 partidas da Liga dos Campeões; e fez mais 02 gols em uma partida na Copa da França. Ele tem por volta de 400 gols na carreira. Todas estas informações estão na internet, a mesma usada por quem gosta de achincalhar Neymar.

Se alguém acha que os números não são suficientes para demonstrar a qualidade de Neymar, talvez assistir nos vídeos da internet a plasticidade de suas jogadas seja uma saída para os cultores do futebol “raiz”. Neymar é jogador habilidoso e de boa técnica. Driblador, bom passador, chuta com competência e bate faltas com precisão. Basta ver os vídeos, especialmente um em que ele é aplaudido em pé pela torcida do Cruzeiro após um gol feito contra o…Cruzeiro.

Ouvi também que Neymar só joga bem porque joga ao lado de craques como Messi e Iniesta. Essa é de quem, definitivamente, não sabe nada de futebol ou tem muita raiva do menino. Se você colocar alguém ruim para jogar ao lado de gente boa (no caso de Neymar, muito boa) das duas, uma: oi essa pessoa não verá a cor da bola ou será retirada do time. Qualquer pessoa que tem noção que bola não tem quina sabe que não se vira boleiro por osmose.

Neymar é o quarto maior artilheiro da história da seleção brasileira, ficando atrás apenas de Pelé, Zico e Ronaldo, e na frente de Romário. Repito: ele tem 26 anos de idade e, em tese, poderá jogar mais duas copas.

Ninguém é obrigado a gostar de Neymar, torcer para seleção e muito menos gostar de futebol. Mas dizer com convicção de especialista que ele “não joga nada” é expressão de outros dois esportes oriundos do mixde racismo e vira-latismo (anti) nacionais: “tiro ao ídolo” – que consiste em agredir alguém famoso por coisas que nada tem a ver com seu desempenho profissional (como o cabelo) – ou “queda de ídolo” – que é ver qual famoso consegue chegar mais alto só para depois apostar na sua queda com um sorrisinho malicioso nos lábios. Esta aberração moral vestida de torcida é um dos produtos do subdesenvolvimento, do dependentismo e do racismo, em que torcer para a seleção é, a um só golpe, torcer contra os jogadores, especialmente se forem negros, de origem pobre e ousarem cultivar hábitos típicos de garotos brancos e de classe média de mesma idade.

É um ardil infernal imposto aos jogadores negros: se são “midiáticos” falta-lhes humildade para servir a seleção; se forem discretos e tímidos, falta-lhes “atitude”. Já se são brancos, mas igualmente midiáticos, têm “personalidade forte”, são “líderes”; se brancos, mas discretos e tímidos, são “diferenciados”, “educados”, “meninos de família”.

Por isso que ao olhar o futebol e tudo que o cerca fico a cada dia mais convicto de que não haverá como construir um país decente sem que o antirracismo não esteja na ordem do dia.

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