Por que Márcio França está à esquerda de Boulos

Há bem mais argumentos para se fazer campanha para o Márcio França além do voto útil.

Em primeiro lugar, temos que ter clareza que para a esquerda sair do atoleiro de 2018, temos de derrotar o petismo. Não existe uma luta abstrata contra o bolsonarismo. Ela passa por uma profunda reconfiguração de quem somos enquanto esquerda. É a polarização estética entre dois projetos fundamentalmente neoliberais, o petismo e Bolsonaro, que nos mantém paralisados.

Boulos é parte da estratégia de sobrevivência da esquerda anos 80 que já se antecipa à inevitável balcanização do PT. Difícil saber se vai ser o Boulos que vai engolir parte significante do PT ou vice versa, mas o que importa é que o bote salva vidas já está pronto. Quem acompanhou as polêmicas da Sâmia contra Boulos sabe do que estou falando (uma googlada responde também).

Além disso, Frente Ampla não se faz com esquerda, e sim com o centro e até a direita. Tenho certeza que Boulos não é ingênuo e se fosse possível assumir a prefeitura, “apertaria a mão do Maluf”, como na icônica foto de 2012. Mas a questão não é essa. A eleição na Hong Kong brasileira envolve muito mais do que o destino de São Paulo. Que tipo de composição com o centro teremos nacionalmente com a estética vazia psolista? Essas alianças seguirão a lógica de priorizar São Paulo como nicho de “voto esclarecido”? Regrediremos ao nível do PT anos 90?

Uma coisa que vejo pouco se dizer é que a aliança com o PSB é parte de uma ESTRATÉGIA NACIONAL. Não é o eleitorado sudestino impondo seus desígnios e problemas ao resto do país, é precisamente o inverso.

Aproveitando essa questão nacional, há outro ponto a ser desenvolvido aqui. Trata-se da sustentação política do PND e a base de apoio para a eleição de Ciro Gomes em 2022. Quem for eleito agora estará na prefeitura nas próximas eleições. Um petista disfarçado como Boulos fortificará a polarização estética que falei anteriormente. E depois de 2022, com Ciro eleito, o França será base de apoio para a condução do PND.

Falando em termos de programa, não há comparação entre Boulos e França. O candidato pseudo-petista faz o mais raso proselitismo, sem ter qualquer fundamento para sua execução. Estética vazia, radicalismo retórico e identitarismo são seus motes de campanha. Poucas coisas deixam mais clara o caráter de pura aparência da campanha do Boulos do que o mito de que possui “forte base popular”. A fração do movimento de moradia que o apoia é ínfima se comparada ao todo das organizações que lutam por habitação digna. Dentro do “lumpen” como um todo, não passa de uma fração de uma fração. Aí você deve se perguntar “e como ele vai executar seu projeto?”. Com a classe média culta da Santa Cecília como base? Pois é.

Para piorar, no campo da segurança, Boulos mantém a esquerda refém da falsa noção de que política pública nessa área é luz LED, como na campanha do FH da USP. De todas as contribuições do França, uma das mais originais e relevantes é o abandono do discurso vazio nesse campo, discutindo francamente o aparelhamento de policiais, a racionalização de seu emprego e a criação de um policiamento popular, que também gera renda para os jovens desempregados.

As frentes de trabalho, com o emprego e qualificação de jovens desempregados, é a superação do paradigma social-liberal das políticas públicas na área, pois gera engajamento da população, organizando essa mão de obra. Se a esquerda souber disputar essa frente, pode se traduzir em importantes ganhos organizativos.

Mas é na moradia popular que reside a maior diferença. O programa de habitação de França é muito mais radical, prevendo de fato os meios para assegurar sua garantia, no lugar de promessas puramente formais.

Se não bastasse tudo isso, ainda há o fato de que Boulos é derrotado por todos os candidatos no segundo turno. Sua campanha tem como finalidade preparar o bote salva vidas para o petismo moribundo, e não vencer.

P.S.: É surreal certo patrulhamento que estamos vendo na esquerda, como se não pudéssemos denunciar o caráter reacionário da campanha do Boulos. Unidade da esquerda se constrói com força e diplomacia. Bom mocismo não é o caminho para isso. Ou já esquecemos a traição de 2018 e o apoio da ala do Boulos no PSOL naquele movimento, cuja consequência foi a eleição do Bolsonaro?

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