Luis Inácio, o Medalhão?

O “jogador do São Paulo” ou do “Flamengo” não era Alckmin, Bolsonaro ou Dória. Para Luis Inácio e o PT, a principal ameaça era Ciro Gomes.

Ele não alega nada, você não pode querer que um jogador do São Paulo vá ajudar o time do Corinthians o a ganhar do São Paulo. Você não quer que o Gabigol do Flamengo vá marcar gol contra o Flamengo porque está jogando com o Vasco da Gama. Não é assim. O Ciro Gomes era candidato, o PT também tinha candidato. E havia algumas alianças em disputa. O PT não podia falar “ó, gente, não queremos vocês”. O PT foi procurar fazer as alianças, e fez as alianças. Luis Inácio “Lula” da Silva em entrevista para a Forum, 19 de setembro de 2019.

Todos os grandes políticos do Terceiro Mundo fazem metáforas com o futebol. Alçam seu discurso na sabedoria das grandes maiorias sobre esse jogo. De Amilcar Cabral a Agostinho Neto, passando por Pepe Mujica, Luis Inácio e Ciro Gomes, todos se utilizaram ou se utilizam dessa ferramenta como instrumento de pedagogia política. Por isso fazem mediações tão próximas com a população, por isso possuem essa conexão com grandes contingentes populacionais de suas respectivas nacionalidades.

Eu mesmo aprendo muito com elas. Quem dera chegasse aos pés da máquina de analogias que são Lula e Ciro Gomes. Muitos dizem que o cearense fala mais complicado e por isso não ganha eleição. Tendo a achar esse argumento infantil. Afinal, como é que Ciro teria sido governador por tantos anos no Ceará se não soubesse “que tatu não sobe em toco”? Também é um argumento irresponsável, no mínimo, para descrever Lula. Coloca-se a pecha pura e simples da demagogia na sua capacidade de análise e interpretação da realidade. Vai saber…

Como diria um dos meus intelectuais favoritos, Gilberto Felisberto Vasconcellos: linguagem é política. Linguagem é a práxis no sentido mais agudo do termo. Indo no mesmo sentido, Mao Tse Tung diria que a ação política é conduzida por um estilo. A primeira vez que escutei esse conceito imaginei o Grande Timoneiro numa passarela junto a Gisele Bundchen. Afinal, a escolha da estética no mundo atual é dirigida pela moda, cuja função foi privatizar o próprio sentido da palavra estilo. Nunca havia escutado outra forma de lidar com a palavra que não fosse pela experiência da moda. Na perspectiva maoísta, no entanto, o estilo político seria uma soma entre capacidade de diálogo das massas e uso cotidiano da coloquialidade como ferramenta de divulgação das ideias transformadoras.

Ampliou-se a discussão teórica. Agora, voltemos ao caso da epígrafe acima. Recentemente, Luis Inácio fez essa declaração sobre Ciro Gomes a respeito das eleições de 2018.

Percebi, nas entrelinhas um ato falho na sua metáfora. O leitor me ajude a entender: ora, como é que um “grande amigo que fala mal” pode ser considerado “um jogador rival”, a ponto de entender o Ciro como “um jogador do São Paulo”?

Quer dizer que a principal arena da política para Lula foi o derbi entre ele que, após suas convulsões ronaldianas à lá 98, não pôde estar presente na Final contra a França e escalou seu “Edmundo”- o bem-quisto-bonitão-pelo-mercado-adorado por FHC Fernando Haddad. Obviamente que o resultado seria desastroso: uma derrota acachapante já no primeiro tempo. E a conclusão óbvia de que a “França de 2018” da política brasileira levaria o jogo no segundo tempo. Com a moral baixa e pouca capacidade de reversão do problema, obviamente que perderíamos aquele jogo. “Até as pedras do caminho diziam”, lamenta o Romário de 2018, nosso querido Ciro Gomes, “cortado” já de cara pelo time da esquerda petista, onde Luis Inácio concentra as funções de ser um Zagallo e um Ronaldo Fenômeno ao mesmo tempo.

O “jogador do São Paulo” ou do “Flamengo” não era Alckmin, Bolsonaro ou Dória. Para Luis Inácio e o PT, a principal ameaça era Ciro Gomes.

Afinal, que tipo de unidade é essa solicitada há tanto tempo com um amigo sincero, que fala as verdades na cara e publicamente, enquanto, do outro lado, o que se diz ser amigo confabula nos bastidores e destrói suas possibilidades? Que tipo de amigo corta um jogador que poderia melhorar seu desempenho eleitoral no primeiro turno se apoiado por seu técnico? Pelo contrário, preferiu-se abrir mão das qualidades do jogador. Deu no que deu.
Luis Inácio deveria mais se colocar na posição de “técnico das esquerdas” nessa altura do campeonato. Deveria ser um condutor capaz de apaziguar o banco e os jogadores titulares. Deveria ser um mediador. No entanto, ainda se coloca como atacante, típico daquele “jogador medalhão” que pintou, bordou e foi abraçado pela torcida em uma determinada época. Mas que agora, já não está mais com essa bola toda.

O ato falho do estilo político sectário de Luis Inácio gera raiva. Inclusive para quem esteve em São Bernardo do Campo como estive, acompanhando aquele cortejo quase fúnebre e difícil da sua ida à prisão, resistindo, com ele, para alimentar sua modesta desobediência civil contra Sérgio Moro. Ali, eu acredito que muitos já sabiam que Lula não seria candidato.

Esperava de Lula a grandeza de um técnico como Getúlio Vargas, tão mediador da política que foi capaz de cristianizar candidaturas de outros partidos em seu nome, nos anos 1950.

A moral do time havia sido abalada. Éramos vaiados onde quer que fôssemos. Ser de esquerda nas eleições de 2018 não foi fácil. O adjetivo era pejorativamente auto-explicativo. Não adiantava horas em Whatsapp ou Facebook: éramos vistos como grandes babadores de ovo da corrupção. Precisávamos de algo a mais que a simples disputa da saída de Luis Inácio da cadeia…

No fim das contas, Luis Inácio apegou-se ao seu primeiro nome. E cada vez mais abandona sua capacidade de ser maioria, um “Lula da Silva”. A indigestão da sua prisão é dolorida, é como ver um Ronaldo Fenômeno se contundir e não poder entrar em campo. No entanto, é também ver um Ronaldo Fenômeno sem o vigor mental de superar os obstáculos do dia a dia. É ver um Carlos Alberto Torres sem liderança e comando de campo. Entristece ver seu crescente apequenamento. É ver um Zagallo sem a confiança e habilidade de mudar a equipe, porém ser reconhecido pelo jargão “vocês vão ter que me engolir”.

Uma certa Maradona lá de Buenos Aires poderia fazer a gentileza de visita-lo em Curitiba. Faria bem para todos nós.
Lula deveria pedir desculpas a Ciro Gomes por tê-lo tratado como rival desde sempre. Ciro vai mostrando que é um meia-atacante à lá Tostão ou Toninho Cerezo. Conseguiu reunir uma Frente Ampla em defesa da democracia. E se tiver gás até 2022, pode ser que ganhe a Copa do Mundo, atravessando o duro Rubicão de ter Luis Inácio e o PT como seus rivais novamente. Caso não seja esse cenário, de ter Ciro Gomes à frente, o jogador cearense já fez muito pelo Brasil. Criou uma expectativa em volta de si, uma paixão juvenil importante para aqueles que não sentem prazer só com seu próprio gol marcado, mas com as assistências dadas.

A paixão pelo Brasil e o nacionalismo voltam a crescer. A boa metáfora sobre 2018 para descrever o Time Ciro Gomes talvez seja daquele mesmo time que tinha Telê Santana como técnico em 1982, durante a Copa do Mundo da Espanha, a seleção “que não ganhou mas encantou”. Os trabalhistas, já acostumados com esses tipos de derrota já tinham visto “o seu Zico” chorar em 1989. Muitos hoje “sentem falta daquilo que ainda não viveram” como diria o pedante poeta Neymar: se lembram de Brizola como um “se ele tivesse ido, o Brasil seria outro”. Com Ciro, essa nostalgia do “se” também se faz presente e já tomou conta de toda a internet…

Quarenta anos depois (1982-2022), do futebol para a política, poderemos mais uma vez fazer o sonho de vingar o Brasil da Esperança e da paixão em Brasil do Agora, com desenvolvimento, maturidade, amplitude, capacidade de organização e, acima de tudo, amor pela canarinha.

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